Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A "inofensiva" propaganda do Doril

ALÔ, ÉTICA

Daniela Lepinsk (*)

Muita gente não sabe que não existem remédios que curem a gripe. Eles, no máximo, aliviam os sintomas (febre, dores no corpo etc.), proporcionando ao doente algum bem-estar enquanto o vírus completa seu ciclo pelo organismo. A maior parte das propagandas não promete curar a gripe. "Combate os sintomas" é a afirmação mais usada. Menos no caso do Doril. Uma peça de televisão que voltou a ser veiculada por esses dias chega a ser absurda. Vale a pena uma análise rápida:

Na primeira cena, uma dona de casa vivida pela sempre igual Denise Fraga se dirige ao telespectador, afirmando que é "muito sugestionável" e, quando vê alguém gripado, logo começa a perceber os sintomas em si própria. Ora, nesse caso parece tratar-se de hipocondria, mas ela continua o discurso, dizendo que toma um Doril e, logo, tudo passa. Na cena seguinte, o marido entra em casa, comentando que deu um mau jeito nas costas, o que imediatamente faz com que a mulher leve a mão às próprias costas e comece a sentir dor!

Será que a agência que bolou o comercial pensa que o brasileiro é tão imbecil assim? Pior: e se for? Não é um incentivo claro à automedicação, ainda por cima de forma visivelmente equivocada? Depois que o comercial termina, entra aquela tela azul com a advertência "ao persistirem os sintomas, procure orientação médica", novo padrão em todos os comerciais de medicamentos. Acredito que essa advertência seja norma do Ministério da Saúde, mas não pesquisei isso e também não há crédito, como no caso das propagandas de cigarro. O fato é que até mesmo a tal advertência não deixa de incentivar a automedicação, por indicar a necessidade do médico apenas se os sintomas persistirem.

A falta de um conselho profissional de Comunicação Social dá nisso. À porta de quem vamos bater para reclamar sobre a agência que fez o comercial do Doril? Do laboratório? Do Ministério da Saúde? Do Conselho Federal de Medicina? Do papa? Tudo bem que existe o Conar, mas comerciais de televisão só são atacados se têm algo de preconceituoso contra alguma minoria ou se agridem o concorrente de maneira direta, gerando depressa liminares que suspendem sua veiculação.

Tanto que a peça do Doril, que havia ficado fora do ar no verão, voltou às telas do país, aparentemente sem que ninguém fosse importunado. Um caso "bobo" desses, de um dos analgésicos mais conhecidos do país, prestando um serviço de desinformação tamanho, não interessa a ninguém.

(*) Jornalista em Cuiabá, coordenadora do boletim semanal Imprensa Ética. E-mail: <arlaarla@terra.com.br>