Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A interpretação da realidade

VIOLÊNCIA E IMAGEM

Paulo Roberto de Figueiredo (*)

As pessoas, de modo geral, estão tendo muitas dificuldades em interpretar a realidade, simplesmente porque não têm suas próprias realidades, acostumadas a receber e assimilar as realidades alheias, principalmente as das elites econômicas e políticas, como verdades (ou realidades) finais e acabadas em si mesmas. Assim, as pessoas não desenvolvem os seus próprios sentimentos eficazes sobre elas.

A realidade pura e absoluta, categoricamente, não existe em nossa capacidade interpretativa. Ela pertence ao "Princípio Supremo". O que existe em nossa dimensão são as inúmeras realidades emanadas de cada um de nós. E o somatório destas realidades infindáveis é que faz os esboços das grandes realidades comuns, mas não ainda a "absoluta". Quanto mais realidades individuais e diversas contribuírem contudo para estas tais realidades comuns, mais próximas da realidade absoluta estas estarão. Se apenas algumas poucas realidades contribuírem na formação das realidades comuns, impondo-se sobre as demais, por atos despóticos destas ou por omissão das outras, as realidades comuns serão "caolhas, pernetas, manetas, tortas e débeis". O Observatório da Imprensa contribui, e muito, para a exposição destes somatórios e interpretações das verdades, buscando um extrato mais próximo da realidade total.

É comum em direito a seguinte frase: "O que não está no processo não está no mundo." Alusão interpretativa de que só serão analisados e só terão validade para o deslinde das questões em apreço os elementos levados à apreciação contidos naquele determinado processo. Isto é cabível porque, normalmente, trata-se de questões individualizadas ou restritas. Mas, em âmbito geral e tratando-se de macroenvolvimentos, aceitar-se, analogicamente, o que se diz em direito, a frase "o que não está na tela da TV não está no mundo" é, portanto, um descalabro por desatino. Estão aí as realidades débeis e tortas, impostas sem interpretação ou reação.

Assim, ficam todos muito preocupados com Fernandinho Beira-Mar e outros bandidos famosos do Rio de Janeiro; com Bangu I, II, III, IV e V. E se esquecem de tomar conta do seu próprio "quintal" e dos seus bandidos. De modo que os crimes no resto do Brasil ficam como se não tivessem existido ou existindo. Isso porque seu "quintal" não está aparecendo na tela da Globo. Não está, portanto, no mundo. A criminalidade se expande Brasil afora, mas os veículos de comunicação só a "vêem" no Rio de Janeiro.

Interesses ocultos

Assim pensar nos enseja tratar-se de desinformação, perseguição política ou, ainda, síndrome mental de fixação imoderada contra as coisas do Rio de Janeiro. E o mais grave é que o telespectador que reside muito distante do Rio convive com índices de criminalidade até maiores, dependendo de onde viva, mas não os percebe. Sua realidade não tem valor algum para ele. A realidade que lhe convém, e por isso a respeita, é a realidade que lhe chega como embrulho de consumo, através da caixa de Pandora moderna.

Recentemente, causaram grande discussão as cenas de uma novela passadas no Rio de Janeiro, do diretor paulista Manoel Carlos. Que, desde o começo da novela, tem enaltecido em imagens as belezas da cidade; tem também, no entanto, exposto de forma impiedosa, e até certo ponto irresponsável, suas mazelas sociais, notadamente o índice de criminalidade. Inegavelmente o índice é altíssimo, mas tratando-se de um entretenimento como a novela não deveria se ater a este particular, a não ser por interesses alheios à promoção de diversão.

Até aceito que a arte também tenha como meta a conscientização na busca de uma melhor qualidade de vida do povo, e para isso é imprescindível que haja justiça social. E para que haja justiça social é necessário que haja conscientização. No caso em questão, porém, o que nos parece é estar havendo uma intenção sistemática de manchar a imagem do Rio de Janeiro, segundo interesses inconfessáveis; a favor dos detratores, exatamente, esta dificuldade que as pessoas têm de interpretar a realidade partindo da própria realidade, para poder confrontá-la com as realidades que lhes estão sendo apresentadas pelos meios de comunicação de massa. Assim, voltando ao início da descrição, a realidade fica torta, como querem os interesses ocultos.

(*) Dirigente sindical