Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A última flor da Imprensa

DEVER DE CASA

Daniel Liidtke (*)

Durante a sua história de 15 anos, a revista Imprensa tem-se mostrado um padrão para o jornalismo brasileiro. Embora siga a norma culta da língua, este veículo perdeu, nos últimos anos, o domínio sobre sua principal ferramenta de trabalho: o português.

Erros gramaticais, sintáticos, de grafia, pontuação e estilo são inconcebíveis quando se fala de uma revista voltada para os profissionais da palavra ? jornalistas e comunicadores. É frustrante folhear uma revista com excelentes artigos, mas recheada de gafes lingüísticos, principalmente em se tratando de revista mensal, com mais tempo para a revisão e a análise de textos do que os corridos diários e semanários.

Editadas a partir de setembro de 1987, as primeiras edições da revista Imprensa continham erros ortográficos mínimos comparados aos atuais. Era a época de Renato Pompeu, Josué Machado, Luís Nassif, Carlos Brickmann e Moacir Japiassu.

Este último tornou-se famoso por fiscalizar erros cometidos pela imprensa do país. Sempre acompanhado pelo irônico Janistraquis, seu secretário imaginário, Japiassu buscava qualquer lapso de jornais e revistas a fim de mostrar ao público a maneira correta de se escrever.

Depois de alguns anos, mudanças editoriais acabaram por alterar a qualidade da revista. As gafes começaram a aparecer até nas manchetes da capa ? como exemplo a edição de janeiro de 2001, que trouxe "Super Poderes", em vez de "Superpoderes", como indica a gramática.

A falta que o Janistraquis faz

Na edição especial de 13 anos, a Imprensa presenteou os leitores com o seguinte título em um dos artigos: "Eu nunca processaría o Estadão". Já eu processaria (sem acento no "i") a revista por este atentado à língua.

Palavras como "termometro", "maquina", "torna-lo" (todas sem acento) aparecem sem dó nos exemplares de julho e novembro de 2000. No de agosto, vocábulos que não deveriam ter o sinal gráfico aparecem com ele: Baurú (o correto é Bauru).

Em outras publicações da revista, ombudsman virou "ombudsmam", e "prosódia" foi trocada por "prodódia" ? seria um neologismo? Também se repetem vírgulas, pontos finais e interrogações com o espaçamento errado. Mas o cúmulo mesmo foi errar a separação silábica da palavra "português" ? para quem não sabe, este é o nosso idioma ?, que foi separada assim: portugu – ês (outubro de 2000).

Infelizmente, esses erros também são comuns em outros veículos. No Estadão, por exemplo, houve um período em que os equívocos estavam tão freqüentes e absurdos que a redação incluiu um dicionário no sistema de computadores do jornal. A insistência na palavra errada fazia soar automaticamente um alarme. "Agora vamos tentar uma dose de humilhação para ver se melhoramos", desabafou Augusto Nunes, ex-diretor de redação de O Estado de S. Paulo.

Acontece que o alarme da Imprensa está soando há um bom tempo, mas "notícia" continua sendo escrita sem o acento no "i" (erro cometido na edição de julho de 2000). Embora hoje existam colunas que critiquem a fala incorreta de políticos, apresentadores de TV e outras mídias, Imprensa continua "esbanjando" suas pérolas.

Talvez se o Janistraquis voltasse a ser contratado as coisas melhorassem: a Imprensa valorizaria mais o padrão culto e a última flor do Lácio seria a primeira a ser cultivada, e não deixada em último plano. Desgraçadamente, Janistraquis só existe na ficção.

(*) Aluno do 1? ano de Jornalismo do Unasp