Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A mídia, a ciência e a guerra

TECNOLOGIA DA MORTE

Cidoval Morais de Sousa (*)

A guerra, muitos já o disseram, representa o fracasso da comunicação humana em todas as suas dimensões. Quando as armas substituem a ação dialógica na mediação de conflitos, a humanidade corre riscos: é como se o homem nada tivesse aprendido com a história. A que estamos assistindo, como espetáculo televisivo nos horários nobres, chama atenção não apenas pelos interesses escusos que orientam a campanha do império americano contra Sadam Husseim, mas, principalmente, pelo que se enuncia para o pós-guerra.

A primeira questão que se impõe em qualquer avaliação sobre o que pode acontecer depois da guerra diz respeito a representatividade e autoridade da ONU para mediar conflitos. Esmagada em seu esforço de encontrar soluções menos drásticas para a crise do Iraque, pelos Estados Unidos e seus aliados, a instituição, de reconhecida importância histórica, não tem claro o futuro que se avizinha. Nada garante que os mais fortes, a pretexto de ações preventivas, continuem atacando os mais fracos e pilhando suas riquezas.

Outra questão não menos importante diz respeito ao real poder de fogo do movimento pacifista, que vem mobilizando o mundo contra a guerra. Os protestos, além da indignação contra a barbárie e das diferenças políticas que acentuam, do ponto de vista prático não têm oferecido alternativas claras e suficientemente fortes para pôr fim ao conflito. Em outras palavras, o protesto pelo protesto não resolve em situações críticas como a que estamos vivendo. O discurso tem que se fazer acompanhar de uma ação concreta, urgente, que corte algumas asas do dragão.

Nesse sentido ganha corpo a idéia de boicote, nos mercados mundiais, a produtos considerados símbolos da cultura americana, como Coca-Cola e McDonald?s. Não se pode dizer que são produtos fáceis de se abolir da dieta, principalmente do público jovem, mas ninguém melhor do que eles (os produtos) representam os tentáculos do império, que tanto se expande pela força do capital quanto pelo poderio das armas.

Em outros contextos ideológicos tal proposta soaria fora de moda, mas não se pode negar que, na conjuntura atual, ela se reveste de sentido e com forte poder de barganha.

Quem as produziu?

Uma outra questão sugere que a mídia, impressa e eletrônica, também vai sair bastante arranhada desse conflito. Se, por um lado, as inovações tecnológicas permitem agilidade e cobertura em tempo real, direto dos campos de batalha, por outro, a "compra" da versão dominante e o seu repasse como verdade pode funcionar como uma bomba atirada contra os próprios pés.

A crise de credibilidade que já atinge todos os veículos, sem exceção, tende a se agravar, seguida de questionamentos éticos de natureza diversa. A morte de jornalistas durante a cobertura da guerra também precisa ser incorporada como crítica ao modelo vigente, que espetaculariza a tragédia e ignora, propositadamente, os conteúdos formativos.

Por fim, independente dos resultados da guerra contra o Iraque, uma outra instituição também vai enfrentar o paredão social: a Ciência. Ninguém nega seu caráter revolucionário e histórico na construção de soluções para os grandes problemas e dilemas da humanidade. No entanto, cada vez fica mais patente seu poder destruidor. Basta ver a sofisticação dos equipamentos bélicos em uso na guerra e o medo que paira sobre todos quando o assunto é armas químicas ou biológicas. Quem as produziu?

É certo que há outras questões que a guerra pode agendar, mas, neste momento, a ONU, o movimento pacifista, a mídia e a Ciência são as que se apresentam com maior poder de agenda.

(*) Jornalista, professor da Unitau e da Univap, doutorando em Geociências pela Unicamp