Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia como campo de batalha

GAVETA 11 DE SETEMBRO
Edição 140 # 26/9/2001


Alberto Dines

Os terroristas souberam utilizar a mídia espetacularmente para magnificar o efeito dos atentados suicidas. A mídia não era o alvo mas o objetivo [veja OI n? 138, em Edições Anteriores].

Se os terroristas não tivessem falhado no avião-4 (que caiu na Pensilvânia) teriam encenado outro show de horror, desta vez em Washington, diante das câmeras de TV devidamente alertadas pelo aparelho atirado contra o Pentágono.

Missão cumprida, o terror saiu de cena mas continua comandando o espetáculo por controle remoto. A mídia continua pautada pelos terroristas. Com a decisiva ajuda dos sobreviventes da Guerra Fria e do tenebroso relativismo moral segundo o qual americanos merecem morrer pelos males que têm causado à humanidade.

Cansados de mostrar o horror (mesmo porque a reiteração só produz banalização) e porque escombros são imóveis e cadáveres não se exibem, desde a semana passada os veículos eletrônicos e impressos de todo o mundo fixaram-se na fascinante parafernália bélica que os Estados Unidos puseram em movimento para punir as organizações terroristas.

Televisões encheram-se de imagens de fabulosos aviões supersônicos subindo e descendo de porta-aviões; os veículos impressos, além disso, esmeraram-se nos infográficos e quadrinhos estilo Navarra para mostrar o poderio militar posto em movimento. Todos estão querendo repetir o show da Guerra do Golfo: os chefes militares forçando a intimidação psicomidiática e os responsáveis pela mídia imaginando que poderão repetir a façanha de cobrir outra guerra a partir de confortáveis hotéis na retaguarda.

Dupla bobagem: a caçada aos terroristas está ocorrendo e deve consumar-se longe das câmeras, em "operações especiais", enquanto que a exibição do poderio militar americano só exacerba a vitimização dos culpados pela barbaridade da Terça Negra.

Como sempre, a mídia obriga-se a esquentar um assunto ao máximo sem saber exatamente como fazê-lo. Mesmo com o espectro das quase sete mil vítimas, a maioria insepulta. A vacilação esquizofrênica manifesta-se mais visivelmente no Brasil: como o material que chega dos EUA é escasso ? visivelmente controlado ? e não consegue preencher as doses diárias de vibração, os editores fazem o que sempre fizeram: apelam para o opinionismo e para o achismo. Quem sai perdendo são os nossos acadêmicos, que nesta rendosa azáfama de papos na internet, entrevistas no rádio, enquetes nos jornais e talk-shows nas televisões acabam revelando a dimensão do seu despreparo e o seu inesgotável potencial de sectarismo.

Nossos mediadores e aqueles que lhes pagam os salários ainda não avaliaram que a partir de 11 de setembro a mídia foi escolhida para ser um campo de batalha. A guerra psicológica que começa a travar-se pode pender para o terrorismo se a bandidagem politizada sentir-se abrigada pela simpatia e compreensão das massas, sobretudo em países periféricos como o Brasil.

Se as facções nostálgicas do confronto ideológico com suas palavras de ordem simplistas não repudiarem cabalmente o terrorismo estaremos reavivando em toda a sua extensão os horrores da Guerra Fria.

Pouco adianta despachar um repórter para Preshawar, na fronteira Afeganistão, para assinar o ponto. Seria preciso mandar outros para o Uzbequistão, Tajiquistão, Israel, Estado Palestino e Buenos Aires (onde começa o julgamento dos acusados de dinamitar um prédio da comunidade israelita, com 85 mortos). Este novo tipo de guerra não tem frentes nem trincheiras ? sobretudo, não tem briefings na barraca do alto comando.

Melhor e mais humano seria fixar alguém em Nova York para acompanhar o resgate dos corpos e relatar histórias pessoais de sobreviventes, jornalistas, policiais, bombeiros. A guerra começou ali e ainda não acabou. De Nova York pode-se também esclarecer o público brasileiro a respeito do número aproximado de patrícios vitimados nos atentados e que tem variado entre 5 e 17. Nenhum veículo ou jornalista deu-se ao trabalho de explicar que na linguagem eufemista dos diplomatas há dois tipos de "desaparecidos": os presumivelmente mortos porque estavam no WTC e aqueles cujo paradeiro se desconhece porque lá não estavam.

Em nosso mundinho midiático, as maiores aberrações dos últimos dias foram as seguintes:

1. O desgastado recurso da sondagem de opinião pública que as irmãs Folha e Datafolha utilizam para reforçar suas posições editoriais (domingo, 23/9, pág. A1 e A2 do Especial). É uma temeridade estatística afirmar em espalhafatosa manchete de primeira pagina que 79% dos brasileiros pensam isso ou aquilo quando são ouvidos apenas 2.830 pessoas em 127 municípios e no DF. Não se precisa gastar o rico dinheirinho do Grupo Folha para procurar saber se os brasileiros são contrários à retaliação militar. Todo o mundo é, exceto, os americanos ? óbvio. Mais significativa é a preferência em "localizar, prender e julgar os responsáveis pelos atentados" defendida por 74% dos entrevistados. Praticamente o mesmo percentual dos que rejeitam a ação militar. É uma clara e categórica condenação do terrorismo pela sociedade brasileira no exato momento em que nas colunas de opinião é visível um esforço para suavizar e relativizar a barbaridade dos atentados com cínicas justificativas ideológicas.

2. Causa estranheza que a mídia brasileira não tenha se debruçado para estudar o "ataque" contra a CNN iniciado por um novo tipo de hacker, o ideológico ? como informou este Observatório, na edição passada [remissão abaixo]. Com base num desconhecido site de uma publicação jurídica de Campinas (SP), em poucos dias ganhou o mundo o boato de que as imagens da CNN mostrando o regozijo de alguns palestinos após os atentados seriam falsas ? reprodução dos festejos pelos Scuds de Saddam na Guerra de Golfo, em 1991. Este é um novo tipo de desinformação habilmente manipulado por pessoas politizadas que não brincam em serviço. Um inocente e-mail na base do você sabia disso? irradia-se com grande velocidade e toma conta dos incautos em todo o mundo. Como em tempos de crise a CNN domina o noticiário mundial, o rumor teve todas as características de contra-informação. Exatamente uma semana depois chegava ao New York Times [veja abaixo]. Mais uma vitória do engenho brasileiro.

3. O "Atlas do Terror Islâmico" na última Veja (págs. 88-89) é um acinte. Esquece o terror do ETA, do IRA, das Farc e das loucuras perpetradas pela Unita em Angola, fixando-se apenas nas matanças efetuadas por radicais muçulmanos. A xenofobia, o ressentimento e o preconceito começam assim. Na inclinação para totalizar e na incapacidade para diferenciar. Dos três fundadores das religiões monoteístas, o único guerreiro foi o profeta Maomé (Moisés foi líder político e Jesus, líder místico) ? razão pela qual a espada tremula em muitas bandeiras islâmicas. Mas a guerra aberta jamais foi condenada, sempre aceita como modo de resolver pendências que o diálogo não contorna. A generalização islamismo=terrorismo é um voto de apoio ao terror. Exatamente igual à pregação hitlerista de que todo judeu era comunista.