Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A mídia também flutua … junto com o dólar

NOVAMENTE COMPROVADO: QUANDO o governo não vaza, nem sopra, a mídia bóia. Quando os chicaneiros estão sob controle, o jornalismo dança.

O Senhor Mercado soube das mudanças na política cambial e no comando do BC intensamente cochichadas e o Senhor Mercado mexeu-se na terça-feira. Nossos jornalões comeram mosca – ficaram nos índices, placares, declarações. Inclusive a solene Gazeta Mercantil. Na quarta-feira, 13/1, exceto em O Globo, a nova banda e a saída de Gustavo Franco foram dados em segundo clichê. O Senhor Mercado há dois dias fazia misérias.

Na sexta-feira pela manhã, as rádios all-news e as TVs estavam apresentando matérias pré-preparadas sobre a débâcle de quarta e quinta quando foram surpreendidas pelas novas mudanças. Um desastre: misturavam amargos comentários escritos no dia anterior com as notícias da euforia das bolsas com a nova resolução do BC. O cidadão-ouvinte-telespectador não entendia nada. Que se dane o cidadão-ouvinte-telespectador: deve capacitar-se de que ele é o editor.

O quadro fica claro no fim de semana: no domingo, cinco longos dias depois, com a mídia mundial de olho no Brasil à espera do que os coleguinhas conseguissem contar histórias de bastidores, a Folha e a Veja finalmente tentam explicações. E publicam praticamente a mesma matéria, com o mesmo teor informativo. Segundo o jornalão: “Presidente se sente isolado e vive seu pior momento”. Segundo o semanário: “FHC está vivendo os seus piores dias no poder”. A mesma fonte soprou para ambos as mesmas informações, os mesmos incidentes, inclusive aquela historinha de falar com Malan pelo celular do toalete para que ninguém o ouvisse, e outras mais.

Nada de antiético, tudo correto, bem intencionado. O único problema é que o leitor compra jornais e revistas porque imagina que os jornalistas têm capacidade de buscar informações para apresentá-las responsavelmente. Acontece que no Brasil são as informações que vão buscar os jornalistas. Felizmente desta vez não foram montadas nos laboratórios de Miami, por especialistas como o pastor progressista Caio Fábio. Mas desvendam um jornalismo centrado no furor opinionista e nas dicas sopradas por fontes inteligentes que conhecem o modus operandi e o desespero das quintas e sextas com as edições pré-fabricadas de sábado e domingo.

Imperaram os infográficos, o pseudo-cientificismo das tabelas. Na hora de revelar para o cidadão as conseqüências da desvalorização do Real vem a Folha em sua primeira página de domingo com esta preciosidade tão agrado dos seus leitores yuppies:

    1. O Beaujolais Villages vai subir;
    2. Chocolates Guylian, idem ;
    3. Viagens ao exterior, idem, idem.

Não poderiam ter ido à feira da Vila Madalena, sábado de manhãzinha, para ver como os preços das verduras já estavam devidamente dolarizados? Ou ir aos entrepostos de produtores do Rio para ver como se ressuscita a velha mentalidade inflacionária?

A fiscalização sobre a remarcação dos preços só começou a aparecer nos jornais da segunda-feira, 18/1. E, mesmo assim, de forma aleatória.

Nesse dia, a Folha sofreu gravíssima recaída pesquisótica depois de longo período de recuperação: publicou uma sondagem entre os parlamentares eleitos indicando que 61% deles são contra a desvalorização do real. A informação de que a sondagem foi realizada há mais de um mês e, portanto, liminarmente desqualificada não foi publicada na primeira página. O leitor, desavisado, fica com a certeza de que a amostragem foi realizada na última semana. Na realidade, como fica evidente, na matéria publicada na página interna (1-6), o objetivo da avaliação era conhecer a inclinação dos novos parlamentares com relação à reforma política. Em meados de dezembro, poucos eram aqueles que poderiam prever as conseqüências da moratória unilateral declarada pelo governador Itamar Franco.

Incompetência ou demonstração prática de “jornalismo crítico”?

De positivo nesta cobertura (e mesmo assim de forma insinuada), três tentativas do JB a procura de um jornalismo interpretativo a partir das manchetes de primeira página:

* “Moratória expõe economia frágil” (quarta-feira, 13/1/99).

* “Desenvolvimentista ganha guerra da política de câmbio” (quinta-feira,14/1/99).

* “Real cai e nova lógica requer reformas fiscal e política” (sábado, 16/1/99).

É um caminho ousado para enfrentar um concorrente insuperável em matéria da massa de informações (O Globo). Mas requer um projeto e uma visualização adequada: um título interpretativo não pode ser apresentado numa manchete dramática de duas linhas em oito colunas.

De qualquer forma é imperioso registrar o grande desafio com que se defronta a mídia brasileira: assumir efetivamente o seu papel fiscalizador. O grande inimigo é novamente o fantasma da inflação. Quem pode enfrentá-la é uma sociedade motivada.

VAI CAIR AINDA MAIS a qualidade do noticiário internacional. Isso inclui cortes nas sucursais, correspondentes e coberturas no exterior.

Veículos impressos vão encolher, sobretudo aqueles que usam papel importado (caso das revistas).

Devem ser descontinuados os encartes de publicações estrangeiras cujos contratos são cotados em dólar: Time na Folha, Wall Street Journal (JB e Estadão), Fortune (JB) e Foreign Affairs (Gazeta Mercantil). Além do aumento do custo não agregaram – para usar uma palavra tão de agrado dos economistas – nenhum valor em matéria de circulação.

Devem ser reajustados os preços de capa de jornais e revistas. Dificilmente serão aumentadas as tabelas de publicidade.

Em algum momento desta crise, a mídia brasileira terá que parar para perguntar: qual é a nossa função, qual o nosso papel, como é que poderemos nos tornar efetivamente indispensáveis?

O ANO PASSADO NÃO FOI um ano bom para o semanário da Abril. Estreava diretor novo que meteu os pés pelas mãos. Não foram poucas as vezes em que a revista foi notícia na imprensa. Justamente quando completava o seu 30º aniversário. Este OBSERVATÓRIO, como não poderia deixar de ser, fez marcação cerrada, também a nossa versão televisiva. Em nenhum momento foram citados nomes de profissionais: discutiram-se conceitos e idéias.

O troco veio no estilo da “imprensa marrom”, grosseira agressão pessoal, incompatível com os padrões de um veículo da grande imprensa. Na edição nº 1.580, na seção “Contexto”, por ordem pessoal do Diretor de Redação, incluiu-se o programa “Observatório da Imprensa” entre os mais vulgares da TV brasileira. O responsável pelo programa, este observador, foi agraciado com uma foto e a seguinte legenda: “Considerações pedestres e ressentidas sobre jornalismo. Por Alberto Dines“. O famoso Ratinho não foi incluído na desapaixonada seleção, certamente porque seus padrões são perfeitamente aceitáveis para o diretor de Veja.

Acrescente-se que o semanário já não tem crítico de TV: há alguns meses foi demitido sumariamente porque, segundo achou o seu diretor, não a havia defendido suficientemente no programa N de Notícia (Globo News) quando lá se focalizou um dos seus deslizes.

Além de um novo crítico de TV, Veja está precisando também do divã de analista para purgar seus maus instintos. E de um consultor de língua portuguesa: o adjetivo “pedestre”, segundo nossos melhores dicionaristas, significa humildade e modéstia.

Por razões compreensíveis, este observador não pode relacionar os autores das manifestações de solidariedade recebidas da Editora Abril. Mas pode fornecer estatísticas: quatro de diretores da empresa, três de diretores de redações e cinco de editores de diversas publicações da mesma editora.

NO JORNALISMO ANGLO-SAXÃO, a redação dos necrológios é entregue aos mais experimentados redatores, verdadeiros biógrafos de plantão. O Economist fecha cada edição, antes do último bloco de anúncios, com um esmerado perfil de alguém recentemente falecido em qualquer lugar do mundo.

O Globo e JB têm obituários diários mas não consegue formar obituaristas. Quando desaparece alguma figura célebre o assunto vai para a respectiva editoria e segue os critérios do editor.

Duas mortes recentes mostram como estamos distantes dos padrões ingleses:

1) Mesmo o Jornal Nacional e O Globo noticiaram a morte do ex-senador capixaba, João Calmon, herdeiro de Assis Chateaubriand no comando dos Diários Associados. Nem estes nem os demais veículos contaram uma de suas mais importantes cruzadas (a outra foi sobre educação): a campanha contra a presença do grupo Time-Life na fundação da Rede Globo. Claro que não foi uma campanha ideológica – Chatô esteve sempre na vanguarda dos que pretendiam atrair capitais estrangeiros mas uma luta para salvar o que restara do outrora poderoso império Associado. Esquecer este detalhe é desconhecer a importância da discussão sobre a atual crise financeira que se abate sobre os mais importantes grupos jornalísticos nacionais.

2) Todos os jornais esmeraram-se no obituário do historiador e crítico de idéias, marxista, Nelson Werneck Sodré, autor, entre outros, do clássico A História da Imprensa no Brasil. O JB saiu-se melhor. O Estadão, preso a um incompreensível ranço ideológico, num pé de página, deu apenas a notícia do enterro com um brevíssimo perfil.

Obituário mal feito é morte dupla.