Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A missão de um homem

WILLIAM SAFIRE

Desde o outono passado, quando agentes tchecos primeiro deram a informação à imprensa ? e depois, segundo relatórios publicados, a funcionários do governo Bush ? de uma reunião entre o seqüestrador Mohamed Atta (dos ataques de 11/9) e um agente iraquiano na República Tcheca, o colunista William Safire, da página de opinião do New York Times, dedicou-se a uma só missão: ligar Saddam Hussein aos ataques de 11 de setembro, diz o repórter Sridhar Pappu, do The New York Observer [11/11/02].

A missão começou em sua coluna de 12 de novembro de 2002, onde Safire descrevia o suposto encontro entre Atta e Ahmad Khalil Ibrahim Samir al-Ani como "inegável fato ligando Saddam Hussein aos ataques.

Em colunas subseqüentes, Safire continuou a martelar no ponto, citando fontes dos bastidores das agências de informação do governo e defendendo-se dos céticos. E houve céticos. Desde o início, repórteres de vários veículos, incluindo Times e Newsweek [da mesma empresa de Safire] questionavam quando teria acontecido a alegada visita de Atta à República Tcheca. Começaram a imaginar até se o Sr. Ani não seria uma pessoa que meramente olhou para o Sr. Atta.

O ceticismo do próprio Times chegou ao cúmulo em 21/10, quando o repórter James Risen escreveu artigo intitulado "Praga ignora encontro com iraquiano". Entretanto, o artigo não continha declarações de funcionários do governo americano ou tcheco. Isso gerou dúvidas na redação do Times, de que a própria matéria era duvidosa. Disse uma fonte do Times: "Quando a intenção é escrever a matéria definitiva sobre um incidente tão polêmico seria necessária uma declaração do presidente Vaclav Havel, que não é difícil de entrevista."

Risen escreveu que o presidente Havel, em telefonema à Casa Branca, dissera não haver evidência confirmando o encontro. "Isso realmente faz a gente imaginar se estará sendo cuidadoso o bastante para evitar fazer as coisas de que somos acusados de fazer", continua a fonte do Times. E logo veio a reação de Havel. Em 23/11, matéria do freelancer do Times Peter Green informava que porta-voz de Havel negou o telefonema à Casa Branca. "O presidente nunca falou com qualquer funcionário do governo Bush sobre Atta."

Só que no mesmo dia o Times publicou o editorial "A ilusória conexão de Praga". Citando a matéria de Risen, o editorial criticou a intenção dos EUA de irem à guerra contra o Iraque sob falso pretexto. E não mencionou o desmentido de Havel. A discrepância entre o editorial e a matéria alertou alguns críticos, incluindo o escritor conservador e blogueiro Edward Jay Epstein, cujo trabalho Safire citou em coluna do dia 12 de novembro. "No fim das contas, o próprio furo, e não a reunião, foi fabricado", escreveu Epstein.

Em 31 de outubro, o próprio Safire entrou na polêmica, escrevendo: "Suspeito que a corte em torno do Sr. Havel ? o grande ex-dissidente que todos admiramos ? despreza o primeiro-ministro, o ministro do Interior e as agências de informação da República Tcheca. Em nome de Havel, essa debilitada corte enganou um bom repórter e atacou os demais funcionários do governo, transformando-os em sabujos da guerra."

Mas mesmo que Havel não tenha ligado para a Casa Branca para dizer que era duvidosa a reunião de Atta isso não significa que ele pense que tal reunião ocorreu. Green escreve, no segundo parágrafo, que um porta-voz de Havel "disse que o Sr. Havel ainda está convencido de que não há base factual para a informação de que o Sr. Atta se encontrou com um diplomata iraquiano, Ahmad Khalil Ibrahim Samir al-Ani, aqui, em 21 de abril de 2001. Em entrevista no mês passado, Sr. Havel disse ao Times que não tinha conhecimento de qualquer prova de que os dois homens se encontraram. ?Eu definitivamente não estava nesta reunião?, o Sr. Havel disse com uma risada".

Embora se apressasse a negar o telefonema à Casa Branca, Safire não mencionou na coluna de 31 de outubro que Havel continuava cético. O que levantou a dúvida, entre funcionários do Times, sobre se o colunista não estaria pinçando apenas informações que fundamentam seus próprios argumentos. "Safire tenta forçar uma visão que vem sendo desmentida nas páginas do noticiário", disse a fonte do Times.

Safire e Risen não retornaram as ligações para comentar tais fatos. Um porta-voz do Times disse que o jornal apóia as matérias que publicou. Quanto ao editorial, a editora da página de opinião, Gail Collins, disse: "O texto [de 21 de outubro] não foi desmentido, e nosso editorial baseou-se na matéria." Sobre as afirmações do colunista, ela disse: "Todos sabem que não editamos os colunistas. Suas vozes são suas próprias vozes."

Claro, é difícil separar o debate sobre a reunião de Atta do crescente debate ideológico sobre a ação americana no Iraque. Defensores da invasão militar questionam a motivação dos que duvidam da reunião de Praga, acreditando que seu ceticismo objetiva esfriar a oportunidade da ação militar. Os opositores da invasão perguntam se a reunião não seria apenas pretexto para uma vingança.

Mas a reunião de Atta estaria contribuindo para os exageros no debate sobre a guerra? Alguns jornalistas acreditam que os partidários de ambos os lados se moveram para outras discussões. "Por longo tempo [a reunião de Atta] foi usada como única evidência", disse um correspondente do Pentágono. "Nos últimos meses, [funcionários civis do Pentágono] desistiram. Sabem que não dá. Basicamente abandonaram a conexão entre o 11 de setembro e o Iraque e adotaram umas ligações mais gerais, entre a al- Qaida e Iraque."

James Hoge, editor de Internacional, acha que a importância da suposta reunião de Atta na atração do apoio público já passou. "A ênfase agora transferiu-se para a ONU, como fonte de legitimidade", disse. Podendo provar o envolvimento do Iraque com armas de destruição em massa, conseguiremos uma resolução [aprovada na ONU depois da publicação desta matéria] com a qual poderemos conviver e seguir adiante. O resto não terá mais importância."