Wednesday, 17 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

A missão de uma editora pública

ENTREVISTA / SÉRGIO KOBAYASHI

Luiz Egypto

O jornalista Sérgio Kobayashi, 46 anos, é filho de lavradores imigrantes japoneses. Em 1974, iniciou dois cursos universitários: Direito e Jornalismo. Dois anos depois, abdicou de uma possível carreira jurídica para começar na redação do finado A Gazeta, em São Paulo. Hoje é presidente de uma empresa jornalística de porte, a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, que publica o Diário Oficial do estado, segundo Kobayashi “o maior jornal do mundo” em número de páginas, cerca de 1.500, nos dias úteis. 

Antes de tocar a Imprensa Oficial, passou 18 anos ao lado do ex-governador Mário Covas, de quem foi secretário pessoal prefeitura paulistana, assessor do então senador no Congresso Constituinte, coordenador da sua campanha a presidente, em 1989, e coordenador das campanhas de Covas para governador em 1990, 94 e 98.

Kobayashi tem uma forma própria de definir o papel da uma editora de grande capacidade industrial, como é o caso da Imprensa Oficial paulista, diante da responsabilidade social de uma empresa pública que também edita livros. Sob seu comando desde 1995, a empresa acompanhou o desenvolvimento da internet e é pioneira em oferecer documentos públicos certificados digitalmente. Em paralelo, os livros que imprime concorrem mano a mano nas prateleiras com as edições das melhores editoras privadas.

Sua entrevista ao OI:

A Imprensa Oficial do Estado de São Paulo colocou na internet as edições do Diário Oficial dos últimos 10 anos, com a possibilidade de o usuário obter, da rede, uma cópia autenticada do documento desejado. Que processo de certificação é esse, como se deu a escolha do modelo e de que pressupostos partiu? 

Sérgio Kobayashi ? A certificação digital de documentos é a forma legal de se obter cópias de documentos via internet. Agora é lei. E a Imprensa Oficial de São Paulo foi a primeira instituição pública no Brasil a estabelecer este serviço. Nos próximos anos, com certeza, a utilização de documentos digitais será mais usual e corriqueiro. Alguma instituição pública teria que ser pioneira. A honra coube ao estado de São Paulo, através da sua moderna Imprensa Oficial, também provedora de conteúdo de internet do governo estadual.

A disseminação desse recurso não poderá significar o fim do Diário Oficial (ou dos diários oficiais) em papel? A tendência é mesmo esta? 

S.K. ? O Diário Oficial não acabará na medida em que o papel significa manter a perenidade do documento. O papel não foi substituído pelo telégrafo, pelo rádio, pela TV, pelo fax. A internet não fará o papel de carrasco das publicações oficiais. Só mesmo com mudanças nos códigos legais do país (Código Civil, Código Penal, Constituição etc) pode haver supressão do Diário Oficial no dia-a-dia do cidadão. As Imprensas Oficiais do Brasil e dos países de rito jurídico romano não ficam na tranqüilidade da exclusividade. Estão facilitando a vida do usuário. E a internet, com as suas mais modernas ferramentas, deve ser meio de acesso às suas publicações. 

Ao tempo em que investe no virtual, a Imprensa Oficial não negligencia o papel ? a edição fac-similar completa e comentada do Correio Braziliense, de Hipólito José da Costa, é um exemplo disso. Que outras iniciativas editoriais da Imprensa Oficial você destacaria?

S.K. ? Fazemos hoje, como fazemos há mais de cem anos, e com competência, o jornal com o maior número de páginas do mundo ? cerca de 1.500 páginas todos os dias. Já em relação à atividade gráfica, procuramos segmentar. E o livro, esta maravilha, passou a ser questão de honra. O livro saído das nossas oficinas deve ter qualidade não só editorial, mas qualidade gráfica com excelência. Na Imprensa Oficial, não vale a máxima de que o “produto público é ruim”. O Correio Braziliense não foi o início, mas sem dúvida alguma tem sido o melhor produto, o mais destacado. E com qualidade gráfica equivalente ao da gráfica do Vaticano. E outras iniciativas estão acontecendo: por exemplo, estamos editando uma coleção com o Itamarati, denominada “Clássicos IPRI”, onde passamos por inéditos em português de Keynes, R. Aron, Norman Angell, Hedley Bull e muitos outros. Coleção requisitadíssima e que não foi objeto das editoras privadas. Curioso não? A gráfica pública tem que suprir o buraco que a iniciativa privada não consegue realizar, ou não quer, por ser comercialmente duvidoso.

A existência de uma “imprensa oficial” é herança da burocracia colonial portuguesa. O que justifica, então, a criação de uma associação nacional das empresas de imprensa oficial, da qual você é presidente? O que move a Associação e por que deve existir? 

S.K. ? Imprensa Oficial não é uma exclusividade do Brasil. Institucionalmente nasceu na Espanha, em 1711, e aportou aqui com as traquitanas de D. João VI. Veio prelo, papel e tipógrafo… e a atividade continua ativa em todas as nações onde o código romano de Direito é utilizado. O pressuposto de que “vale após publicado” faz parte do rito romano. E a associação não é só brasileira. Temos também o Forum das Imprensas Oficiais de Lingua Portuguesa, a Associação dos Jornais Oficiais da Comunidade Européia, a Associação dos Jornais Governamentais da América Latina etc, etc. As associações acabam fazendo as vezes de entidades patronais. No caso brasileiro o intercâmbio tecnológico e a defesa institucional são tônicas que levam a constantes reuniões, que ocorrem desde desde 1947, das 27 congêneres.

Como nasceu o sistema de co-edições que a Imprensa Oficial articulou com editoras universitárias? Que resultados já podem ser notados? 

S.K. ? Como disse, a questão era segmentar a atividade da nossa gráfica. Em 1995, quando aqui chegamos, notamos que não cabia mais investir nos impressos da burocracia em plena era da informatização. De duas uma: ou fechar a gráfica ou descobrir um novo produto. Foi então que optamos pelo livro. Estávamos confiantes à época que com um presidente-professor (Fernando Henrique) e um governador esclarecido e inovador (Mário Covas), a educação estaria além do discurso. Com certeza aumentaria o hábito de leitura do brasileiro. Seria, então, a vez de a gráfica pública prestar um serviço adequado e conseqüente. A articulação com as universidades foi uma saída política. Fugir do compadrio era uma questão essencial. Nada de publicar livros de qualidade duvidosa apadrinhados por “excelências” ou pelo amigo-do-amigo… Quem detinha a qualidade editorial pública era a universidade e através dela, portanto, começamos a nossa missão de gráfica livreira.