Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A moral e o voto

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Vanderlei Dorneles (*)

As mais recentes campanhas eleitorais se distinguiram pela exploração da esfera privada e da imagem moral. Esta não está sendo diferente. A exploração da moral tem feito a preferência do eleitor subir ou descer. É a moral que mais tem pesado na hora de decidir.

O raciocínio que prevalece nas campanhas políticas parece ser que, diante da generalizada corrupção, a maior expectativa do eleitor é conhecer o lado ético dos candidatos. Porque, no final das contas, a moral do governante é a única garantia que resta. Assim, a denúncia, fundada ou infundada, é prato cheio para adversários e para a mídia.

Trafegando na contramão dessa realidade, Roberto Romano, professor de universidade paulista, acha que a "dignidade democrática" é espezinhada nesse modelo de campanha que privilegia a imagem moral. Segundo ele, na disputa por cargos públicos prevalece uma "volúpia pela podridão" e por "rumores e calúnias que só têm sucesso porque agradam ao gosto perverso" do ser humano.

Romano parece preocupado com o efeito evasivo e dissimulador da exploração perversa da moral. No extremo, porém, sua visão compromete a liberdade de expressão.

Mas será verdade que a exploração da vida moral de um possível governante dissimula a discussão mais relevante, ou contribui para a conscientização dos problemas éticos fundamentais na vida pública?

Libertação pela verdade

A participação da mídia na história recente da queda das ditaduras e ascensão da democracia ajuda a entender a questão.

No Chile e no Peru, as ditaduras caíram, mais recentemente, após denúncias de corrupção no governo, feitas por veículos de imprensa. O Brasil se livrou de Fernando Collor depois que a máscara do "caçador de marajás" foi desfeita com a exposição do sistema de corrupção que remontava à sua campanha ao Palácio e se estendia sobre sua administração, não excluindo mesmo a LBA, dirigida por sua mulher. Na China e nos países islâmicos, as ditaduras mostram sinais de ruptura, uma vez que estão sendo pressionadas pela consciência popular, fortalecida pelos meios de comunicação.

Otávio Frias Filho, em artigo na Folha, atribui a queda das ditaduras a dois fatores: a pressão da opinião pública ampliada pelos meios de comunicação e o sentimento de corrupção generalizada. Segundo ele, "o desenvolvimento econômico é quase sempre o pano de fundo das flutuações políticas, mas o elemento moral assume o primeiro plano" ("Abaixo a ditadura", Folha, 23/11/2000).

Há uma indignação natural no ser humano contra a corrupção, especialmente no Estado, que tem a função primordial de manter os mecanismos de equilíbrio da sociedade. Essa indignação pode, porém, se transformar em "gosto pelo perverso" ou "volúpia pela podridão", quando a exploração moral é usada apenas como espetáculo. Mas se a vida moral e ética é usada como meio de construção da opinião pública acerca de determinado candidato ou pessoa pública, deixa de ser mero gosto pelo espetacular e pelo grotesco.

Frias entende que o fenômeno por trás dos dois maiores motivos da queda das ditaduras é "a livre circulação de todo tipo de informações".

Os resultados da campanha a cargos públicos do ano 2000 mostraram uma ascensão dos partidos de esquerda. Esses resultados foram vistos por alguns como um recado de insatisfação ao presidente da República, cujo partido e aliados tiveram pequeno desempenho. O presidente, porém, pareceu ter percebido o real significado dos resultados. Segundo ele, nessa campanha "o povo votou pela ética na política".

Governo e liberdade são duas coisas que nunca se separam. As ditaduras minam a liberdade, e a proposta da democracia é restaurá-la. Isso exige que o processo democrático seja desenvolvido sob a liberdade de expressão. O povo precisa conhecer a verdade acerca do candidato para atribuir-lhe confiança ou para se livrar daqueles que são indignos. Só a verdade liberta.

(*) Professor de Jornalismo do Unasp