Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

A namoradinha odiada do Brasil

CASO REGINA DUARTE

Deonísio da Silva (*)

Em outros tempos, a atriz Regina Duarte foi a namoradinha do Brasil, trono arrebatado por ter sido protagonista de comedidas histórias de amor nas telenovelas na fase de consolidação do gênero. Hoje está na berlinda por ter dito que está com medo do Lula. Se ela tivesse dito que tem medo do José Serra, estaria tudo bem. Mas está na berlinda por ter revelado que está com medo da onda pró-Lula que tomou conta do país de forma avassaladora.

É da natureza da censura enquadrar a todos. Um só que fique fora de controle já representa um sério problema. Os militares que interrogavam intelectuais e artistas nos anos pós-64 davam grande importância ao discordante. Nas megalópoles, nas metrópoles, nas cidades ou nos grotões, os discordantes eram encontrados. Onde quer que estivessem. As denúncias podiam ser feitas pelo promotor, pelo comandante do quartel local, pelo delegado de polícia, pelo diretor da escola, pelo diretor do clube, por qualquer desses pequenos próceres que exerciam qualquer tipo de autoridade no varejo, repartindo com os maiorais a tarefa de governar o Brasil e evitar que o perigo vermelho tomasse conta de nosso país.

Tudo o que não fosse a favor de quem mandava, poderia ser enquadrado na função proscrita de exteriorizar matéria contrária à moral e aos bons costumes ou atentar contra a segurança nacional. Os detentores do poder sabiam que era necessário escarmentar. Prender o operário, matá-lo, sumir com ele, sim. Mas não apenas ele. Não apenas os de baixo, não apenas a choldra. Era necessário mostrar que quem mandava, mandava em tudo, mandava em todos.

Esses projetos chegavam até a Academia Brasileira de Letras. Eleger Juscelino Kubitscheck? Jamais! O excelente escritor Bernardo Élis recebeu votos decisivos, não para elegê-lo, mas para evitar que o eleito fosse o ex-presidente Juscelino, cujos direitos políticos haviam sido cassados pelo regime pós-64. Com efeito, proibir e censurar são apenas alguns dos recursos utilizados por regimes totalitários. Não são os únicos, apenas os que mais aparecem. E não são os piores. Pior é obrigar a aderir! Os totalitarismos, tenham o nome que tenham (fascismo, estalinismo etc), caracterizam-se não apenas por proibir expressões contrárias, mas por obrigar a todos a expressões a favor do poder epocal.

A campo, jornalistas!

Os que estão censurando a atriz Regina Duarte prestam um tremendo desserviço a quem vai votar em Lula ? a maioria dos eleitores, segundo reiteradas pesquisas. A candidatura-rio de Lula, que vai muito além do Partido dos Trabalhadores, recebe afluentes das mais diversas procedências ? algumas delas muito estranhas, aliás.

O medo de Regina Duarte não pode ser desprezado. Não podendo ser abençoada pelo que disse, que não seja excomungada. Numa democracia a liberdade de expressão deve ser garantida a todos. E quem pode garantir? A maioria. Obviamente a maioria não defende liberdade de expressão para si mesma, mas para a minoria. Ou melhor, para as minorias, pois elas são múltiplas e várias, ainda quando continuam em minoria. Entre a bênção e a excomunhão, apresentam-se muitos outros caminhos, entre os quais merece destaque a paixão do conhecimento. Precisamos entender seu gesto. A compreensão no lugar da condenação. Ela tem motivos para dizer o que disse?

Há sérios indícios de que há alguma coisa no ar e não são aviões de carreira. No verso da declaração de Regina Duarte apareceu a carta que alguns notáveis enviaram ao presidente da República, externando preocupação vaga e difusa. O distinto público bem que gostaria de saber o seguinte: qual é o medo de Regina Duarte? Qual é o motivo do apelo feito por cinco notáveis em carta aberta a FHC solicitando que o presidente “use sua autoridade política e intelectual a fim de assegurar um segundo turno à altura do que já foi conquistado”? O que é que eles sabem e os leitores e eleitores ignoram? Eis a carta aberta, publicada em vários jornais em 19 deste outubro:


Estamos nos dirigindo à vossa excelência a propósito do segundo turno das eleições, que até agora refletiu o clima de liberdade e respeito à cidadania que os dois mandatos de Vossa Excelência ajudaram a estabelecer, de maneira a consolidar a democracia no Brasil.
A fim de que tais conquistas se mantenham e frutifiquem, seria indispensável prosseguir neste rumo, evitando a exploração eleitoral da difícil situação econômica, as acusações infundadas de cunho ideológico e as deformações do personalismo, acima das quais está o interesse do Brasil.

Neste sentido fazemos um apelo à vossa excelência, como presidente da República e como democrata empenhado na sanidade das instituições, para que use a sua autoridade política e intelectual a fim de assegurar ao país um segundo turno à altura do que já foi conquistado.

Antonio Candido, Celso Furtado, Evandro Lins e Silva, Margarida Genevois e dom Paulo Evaristo Arns


Talvez, nos dois casos, as preocupações sejam vãs. Mas como no Brasil votamos para presidente apenas três vezes nos últimos quarenta anos, gente acostumada a colocar as barbas de molho esteja tomando precauções que não podem ser ignoradas. Ao menos, como sintomas. A campo, senhores jornalistas! O distinto público está esperando os desdobramentos dos avisos.

(*) Escritor e professor universitário; seu livro mais recente é A Vida Íntima das Palavras