Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A produção científica e a imagem da Ciência

 

"Transcorrido algum tempo da publicação, com inusitado destaque, de reportagem que envolveu o Instituto de Física da USP em São Carlos (Folha, 24/10) e passada a imaginável excitação dos jornalistas que a assinam, decidimos usar o espaço que nos foi oferecido no jornal.

Não pretendemos gastá-lo em esclarecimentos que já encaminhamos ao autor da reportagem em resposta a suas perguntas, os quais ele decidiu não publicar na íntegra, provavelmente em razão do reduzido espaço de três páginas de que dispunha. O lado construtivo da ação do repórter, ao obter e nos transmitir informação que não possuíamos, foi bem-vindo e nos levou prontamente a tomar as medidas cabíveis. O episódio mostra que todo cuidado pode ser pouco ao exercermos nossas funções, mesmo quando algumas não são aquelas para as quais fomos treinados como cientistas.

Todo cuidado é pouco também no exercício da profissão de jornalista. A imprensa é uma arma poderosa demais para ser usada com descuido. Ao escrever a reportagem em questão, o jornalista usou de habilidade para pinçar trechos do depoimento de uma das testemunhas da sindicância, dando-lhes imagem de verdade com seu endosso tácito ao sugerir que nosso instituto seria uma bagunça. Sobrou habilidade; faltou, porém, a sabedoria demonstrada pelo juiz que, ao dar a sentença que o próprio jornal cita, desqualificou a mesma testemunha ao negar credibilidade ao seu depoimento.

Ao projetar uma imagem errônea sobre o IFSC, o jornal desinformou o leitor sério, que espera da imprensa não esperteza para denunciar, e sim seriedade na apuração da verdade. O cuidado do IFSC com o bom uso que os pesquisadores fazem dos recursos que recebem reflete-se na qualidade do seu trabalho, que lhe fez ganhar o respeito da comunidade científica. Reflete-se também na contínua preocupação em tornar útil o seu conhecimento, o que lhe valeu o reconhecimento da sociedade.

Esse cuidado começa compondo as bancas examinadoras de concursos com figuras distinguidas por seus princípios éticos e defendendo o direito delas para, dentro desses princípios, arguir os candidatos, não apenas sobre seus conhecimentos, mas também sobre seu comportamento, particularmente quanto ao manuseio do dinheiro público. Infelizmente não existe vacina, cujo atestado pudéssemos exigir, que impeça as pessoas de cometer atos condenáveis.

Vários setores da sociedade, em particular os meios de difusão, acostumados a noticiar as realizações de nosso instituto, nos procuraram preocupados com o efeito que a reportagem poderia ter. É claro que a sólida imagem do IFSC dentro da comunidade científica nacional e internacional não será arranhada por um fato isolado como esse. O que sim nos preocupa é o efeito que denúncias feitas dessa forma venham a ter sobre o espírito e o entusiasmo de pesquisadores brilhantes e dedicados sobre os quais se fez recair suspeitas ao questionar a forma de apurar eventuais irregularidades.

O questionamento ético na hora da admissão e a dura apuração da conduta que afasta aqueles que não se encaixam nos padrões éticos são a melhor forma de a comunidade científica cuidar dos recursos que recebe.

O nível da atividade científica que hoje começa a orgulhar nosso país é o resultado de longos anos de esforços dos pesquisadores em institutos como o IFSC. Mesmo assim ele é frágil e pode ser prejudicado se o clima criado, mesmo sem intenção, por reportagens elaboradas com descaso vier a resultar numa excessiva burocratização do trabalho do pesquisador. Que a Folha não o permita! [


Horacio Panepucci, 62, físico, é diretor do Instituto de Física de São Carlos, da USP (Universidade de São Paulo). Foi coordenador do Comitê de Física e Astronomia do CNPq."

"Responsabilidades de cientistas e imprensa, copyright Folha de S.Paulo, 10/11/99

 

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