Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A superfície pauta

Mauro Malin

 

V

ocê abre jornais e revistas em São Paulo, num domingo, 18 de outubro, em pleno segundo turno das eleições para governador de São Paulo, e encontra uma coincidência: a Revista da Folha de S. Paulo e a Veja São Paulo enquadram a disputa eleitoral num confronto de dois engenheiros, Paulo e Mario, que foram colegas de faculdade. Tudo bem que ambos tenham características pessoais e administrativas semelhantes e faixas de eleitorado comunicantes. Mas as reportagens passam longe das questões em jogo, l’enjeu, como dizem os franceses.

Reportagens investigativas escritas com alguma clareza criariam melhores condições de se avaliar o que cada um prega e praticou nas áreas críticas da administração pública: saúde, educação, habitação, transporte, saneamento, segurança, combate à corrupção.

Mas os jornais pautam a superfície da campanha e são pautados por ela.

E há as pesquisas. Ah, as pesquisas.

Em 1985, a imprensa torcia por Fernando Henrique e foi incapaz de perceber que Jânio tinha virado a eleição com os votos do pessoal que não lê jornal. Em 1998, a imprensa desconhecia, uma semana antes do segundo turno, que, se Maluf tinha 6% ou 7% de vantagem na pesquisa estimulada, ainda havia 15% de indecisos na pesquisa espontânea. Muita margem de manobra para a campanha de Covas.

Depois do strip-tease das pesquisas, a Folha dialoga com a crítica às pesquisas. Vai se afundando no assunto, cheia de dedos.

Aliás, no caderno Eleições de 18/10/98, o jornal chafurda em números, de modo geral. Na página 3, oferece as porcentagens das pesquisas, sem tirar qualquer conclusão mais séria dos números: por exemplo, analisar o avanço constante do, chamemo-lo assim, populismo de direita em São Paulo, seja ele janista, malufista ou evangélico.

Na página 4, matéria inacreditavelmente chata, medida em “blocos” e minutos, sobre as normas do debate televisivo marcado para aquela noite na TV Bandeirantes. Um debate que, como disse amigo meu, não se respeita: cortado por comerciais.

Na página 5 do caderno eleitoral da Folha, cifras e cifrões: as administrações avaliadas pelos gastos (marqueteiros chamam de “investimentos”). Reportagem inútil, estéril, enviesada. Não se consegue apreender a lógica das políticas públicas de cada um dos engenheiros. A Veja São Paulo também não consegue ir além desse modo quantitativo pobre e viciado de examinar a obra dos governos. O Estado pratica outra modalidade patética: apresenta números do InformEstado para balizar as preocupações com que os eleitores/telespectadores veriam o debate noturno: tantos por cento educação, tantos por cento atendimento nos hospitais, por aí afora.

São Paulo é maior do que a Argentina em população e quase igual em PIB e não se consegue ler nos jornais qual é o pano de fundo político da disputa para governador.

Então, vamos lá.

A menos que pretenda se apresentar aos 80 anos de idade como vice de Enéas, Paulo Maluf tem que aproveitar sua última oportunidade: eleito ou não governador em 1998, será candidato a presidente da República em 2002, aos 71 anos de idade. Na condição de pré-candidato, já começou a entrar em choque com Fernando Henrique Cardoso porque este, ao que tudo indica, não apóia sua pretensão.

Maluf à frente do poder em São Paulo é adversário muito mais temível do que sem mandato.

L’enjeu” é esse aí.

 


M.M.

 

Q

uem tiver a pachorra de ler este tópico até o final entenderá melhor por que há pouca reportagem nas edições dominicais. Como mostra o Dines há pelo menos dois anos, estão vendendo gato por lebre aos domingos.

Folha de S. Paulo, caderno Brasil, domingo, 11 de outubro de 1998.

Espaço total em 16 páginas: 27.139 centímetros quadrados.

Espaço dedicado a noticiário redigido na véspera, sábado: 6.589 centímetros quadrados, o equivalente a 3,8 páginas, ou 24,2%.

Número de colunistas: 13. Entre eles, Roberto Campos, citado na primeira página, deslavadamente intervindo na campanha: “PSDB aliado a PT é burrice econômica”.

Leitores que escreveram cartas: 12.

Coluna de editoriais equivalendo a mais um colunista; articulista extraordinário: Carlos Fuentes.

Total geral: 27 colaboradores, responsáveis pelas páginas (frias) não ocupadas por anúncios.

Ao contrário do que acontece nos outros dias, a edição não menciona o horário de fechamento.

A notícia mais importante do dia estava perdida, sem chamada na primeira página:

“Ibope e Vox Populi receberam dinheiro de Maluf em 1990”.

 


M.M.

 

C

omo Maluf opera em campanha?

Um empresário me contou que foi convidado por carta a contribuir para a campanha de Covas e “instado” por telefone, em tom duro, a contribuir para a de Maluf. Sentiu-se ameaçado.

Quem deu o nome da sua empresa? Gente que trabalha na Prefeitura, para a qual presta serviço.

Esses bastidores a nossa brava imprensa não alcança com suas vibrantes reportagens investigativas.

Esses os métodos.

Faixas imensas ofertadas pelo deputado Afanásio celebram a ideologia malufista em viadutos da capital: “Bandido é com Pau, Pau… Paulo Maluf”.

E é quanto basta para caracterizar a ideologia do homem.

 


M.M.

 

E

xemplo antológico do ciclo completo do uso de meio de comunicação para jogadas políticas.

Cacique político (Quércia) compra jornal (Diário Popular). Jornal publica matéria que pode ser usada por candidato aliado do cacique político/dono de jornal. Candidato (Maluf) usa manchete do jornal em debate político na televisão.

A aura de credibilidade que cerca um jornal é tão forte que Covas, oponente de Maluf, tardou a reagir de modo adequado.