Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

A unidade na inverdade

PICARETAGEM

Antônio Brasil (*)

Eu bem que tentei não me envolver. Mas o nosso país tem sofrido muito com a omissão de uma maioria silenciosa. Nós, brasileiros ou professores, nos calamos toda vez que surge mais um novo fenômeno de marketing como o ex- presidente Collor, o neoliberalismo, as fábricas de diploma como a Estácio de Sá ou o seu novo vice-reitor, o sr. Felipe Pena. Todos têm em comum o enorme senso de oportunismo, uma grande ambição e a dedicação extrema aos seus projetos pessoais. Tudo isso, a qualquer custo, doa a quem doer. Afinal, os fins justificam os meios.

Apesar de correr o risco de falar sobre mais um assunto que tem um certo ar de déjà vu ou seja, nós já vimos esse filme antes; mas considerando que estamos em épocas de pré- candidatura à presidência com nome de Roseana Sarney, o tal fenômeno de marketing seria simplesmente ridículo se não fosse, em verdade, perigoso. Se na política isso é um problema sério, na educação superior em nosso país se torna dramático.

Essa introdução é para citar o perigo por trás do artigo do sr. Felipe Pena para a página de opinião do Globo de segunda-feira (17/12/01) defendendo a Estácio de Sá e os vestibulares para analfabetos. A publicação do artigo pelo autor não é surpresa. Há muito tempo que essa tarefa é delegada ao jovem jornalista de televisão que virou vice-reitor. Até aí, tudo bem. O perigo está na argumentação que se baseia essencialmente no poder do jornalismo e no silêncio da maioria para justificar o injustificável. Ou seja, a Estácio é denunciada por conduzir vestibulares fraudulentos por um ex-aluno, logo, todo mérito para a instituição e para os professores que formaram o acusador. Seguindo essa mesma argumentação, no episódio do candidato analfabeto aprovado em nono lugar para o curso Direito, a Estácio, em verdade, deveria ser, pasmem, elogiada!

O raciocínio por trás dessa defesa torna sempre inocente o criminoso. Ou seja, vou continuar fazendo o que sempre fiz, desautorizando a crítica, o acusador e justificando o crime. Afinal, o crime existe, mas o acusador é um dos nossos. Cria-se uma cumplicidade perigosa entre o criminoso e o denunciante. O apelo ao espírito corporativo é óbvio e inevitável. Estamos todos no mesmo barco e você está cuspindo no prato em que comeu.

Como nunca estudei na Estácio mas fui seu professor durante muitos anos, tendo sido, com muito orgulho, o único professor do curso de comunicação a ser demitido por denunciar as falcatruas da nova gestão, vejo-me no direito de expressar indignação. Ao colocar no mesmo saco, perdão, na mesma argumentação, as políticas duvidosas de marketing acadêmico da Estácio com a qualidade e a aprovação dos professores, o autor do artigo induz a uma inverdade. Além disso, essa argumentação é muito perigosa. Ela toma para si o direito de uma representação de muitos professores que não falam nada, não criticam e não se rebelam por omissão ou por medo de perder seus empregos. Eu critiquei, disse e repeti que o rei estava nu e fui demitido. Mas a grande maioria dos professores sujeita-se a qualquer coisa, até mesmo aos desmandos desses neo-arrivistas da educação, os recém-chegados profissionais do marketing acadêmico.

Selvagem e ingênuo

Sempre fui crítico da Estácio de Sá e ainda mais dessa nova gestão. Ela tem a cara do Brasil de FHC. Tudo é uma grande ilusão. Sei que é difícil acreditar, mas a mesma universidade, assim como o Brasil, ambos já foram um bom lugar para se viver e trabalhar. Em alguns momentos, assim como no Brasil, tivemos boas administrações que tentaram conciliar os interesses econômicos de uma instituição de ensino particular como os ideais da educação de qualidade. Tive o privilégio de testemunhar a tentativa de implantação de excelentes projetos pedagógicos como os da professora Ivana Bentes, da ECO/UFRJ, durante a sua breve gestão.

Como bons jornalistas, deveríamos sempre tentar relacionar os fatos. Essa invasão dos hunos do marketing, que tomaram de assalto o país e a Estácio, conta com o nosso silêncio e a nossa omissão. A "unidade na diversidade", título do referido artigo, esconde a unidade da submissão a uma inverdade. A unidade fica por conta de uma unanimidade baseada no silêncio e no medo.

Esse artigo do sr. Felipe Pena seria mais uma bobagem da Estácio de Sá se não estivéssemos em clima pré-eleitoral para a escolha de mais um presidente com poderes de imperador. Assim como Collor ou FHC, acreditamos no marketing político e vejam onde estamos agora.

Quando argumentação de defesa de uma instituição de ensino sob acusação de prática fraudulenta se baseia em estratégia de marketing agressivo com listagem de facilidades técnicas disponíveis, não temos uma defesa ou um mea culpa. Temos mais uma oportunidade para promoção e vendas. Falem mal, mas falem da Estácio. Nada se fala sobre mudanças.

Quando um artigo surge na imprensa como justificativa para o ingresso de milhares de estudantes analfabetos e semi-analfabetos estamos caminhando por um terreno minado. Cobra-se dos professores da Estácio fazer o milagre de tornar péssimos alunos, mas que pagam muito, em excelentes alunos. O importante é pagar muito e em dia. O que temos é o velho "jeitinho" brasileiro imposto aos pobres professores. Aqueles mesmos pobres coitados segundo descrição do nosso presidente-professor. É só admitir milhares de alunos desqualificados e colocar a culpa num ensino médio público falido. No fim, os professores da Estácio resolvem tudo. Essa é a essência da argumentação do professor Felipe Pena, que deve ter origem numa breve e jovem carreira que contabiliza alguns poucos anos de jornalismo e de sala de aula, mas muito interesse nas possibilidades de um mercado selvagem e ingênuo.

Cuidado gente. Collor também era jovem, moderno e parecia letrado. Pagamos preço muito alto por aquele erro. A educação brasileira caminha da mesma forma. Quando vocês menos esperarem, com toda essa argumentação de mercado, e com a ajuda da maioria silenciosa, o professor Felipe Pena ainda chega a ministro da Educação e a Estácio, uma referência para todas as demais universidades. Os fins justificam os meios. Tudo seria engraçado se não fosse tão possível, recorrente e trágico.

(*) Jornalista, ex-coordenador da TV Estácio e ex- professor de Telejornalismo da Estácio, com muito orgulho!