Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A verdade sobre o Carandiru

FEITOS E DESFEITAS

Marcelo Rech, editor da Zero Hora

 

O

massacre do Carandiru, onde 111 presos foram executados em 1992, é um fantasma a assombrar o Brasil, até hoje tingido pelo sangue de uma  chacina que ganhou mais repercussão internacional do que qualquer outro  fato ocorrido no país nos últimos anos. Somente a verdade pode exorcizar  esse fantasma, e esse foi caminho iluminado por uma série de reportagens  publicada por Zero Hora entre os 18 e 22 de janeiro deste ano.

Infelizmente, toda a extensão da verdade sobre o Carandiru continua  sendo de exclusivo conhecimento dos mais de 1 milhão de leitores de ZH.

Para reconstituir o que de fato se passou na noite de 2 de outubro de 1992 na maior penitenciária da América do Sul, o repórter Ricardo  Stefanelli debruçou-se sobre as 8.230 páginas do processo, guardado em  38 volumes no cartório da Segunda Vara Criminal de São Paulo, no bairro  de Vila Mariana. Ignorado por outros jornais, o processo foi trazido a  público pela primeira vez graças à perspicácia de Stefanelli e a uma  partida de futebol na qual o repórter rompeu os ligamentos do pé  esquerdo. Imobilizado por uma bota de gesso e inquieto por voltar à  ativa, Stefanelli lembrou-se da entrevista de uma promotora paulista que  antecipava o fim da coleta de depoimentos sobre o massacre e percebeu  que ali poderia estar uma reportagem que prescindisse de caminhadas.

Em novembro, Stefanelli bateu à porta do cartório paulista e, para  surpresa dos promotores diante do interesse do repórter gaúcho que  convenceu os funcionários a abrirem a repartição mais cedo durante oito  dias, atrelou-se a uma mesa cercado por pilhas de documentos. Os  principais trechos eram transcritos para um laptop e transmitidos online  para os computadores de ZH. As mais de 800 pessoas que prestaram pelo  menos dois depoimentos cada uma desenhavam, juntamente com laudos de  perícia, fotos e filmes, um relato com impressionante profundidade e  fartura de detalhes.

No início deste ano Stefanelli regressou a São Paulo para recolher  diretamente novos testemunhos de personagens-chave do massacre. Somente  o comandante da operação no Carandiru, o coronel e hoje deputado  estadual Ubiratan Guimarães, foi ouvido em quatro diferentes ocasiões.  Acompanhado pelo editor de Fotografia de ZH, Ricardo Chaves, que  mergulhou em arquivos de jornais e revistas paulistas para identificar  envolvidos no massacre e localizá-los, o repórter também visitou  presídios e fez mais de 40 entrevistas, a maioria com presos e policiais  que se encontraram no Carandiru naquele dia. O retrato que emerge da  narrativa de Stefanelli, que cruzou os depoimentos para recompor até os  diálogos travados nas celas e nos corredores, é irretorquível e  inquietante.

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A íntegra da reportagem:

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