Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

A vitória em que todos perderam

BALANÇO DA GUERRA

Ciro Coutinho (*)

Como o conflito no Iraque parece próximo do fim (?), podem ser feitas algumas considerações sobre os prováveis “vencedores” e “perdedores”, a partir do que foi publicado na imprensa brasileira nas últimas duas semanas.

A revista Veja, por exemplo, na edição que chegou às bancas no dia 5 de abril, anunciava: “A face da derrota”. Claro que os derrotados a que a publicação se referia eram os iraquianos.

Esta antecipação do resultado da “guerra” se efetivou quatro dias depois, quando os americanos derrubaram a estátua de Saddam Hussein em Bagdá e diversos veículos da mídia anunciaram que o regime do ditador iraquiano havia caído. Claro que isso não significava que o próprio havia sido capturado. Mas a “vitória” dos EUA foi proclamada pela grande imprensa mesmo assim.

No embalo desta imagem, uma das mais marcantes do conflito, Dick Cheney (vice-presidente dos EUA), Donald Rumsfeld (secretário da Defesa) e John R. Bolton (subsecretário de Estado para Controle de Armas e Segurança Internacional) aproveitaram para fazer novas ameaças a Estados “fora-da-lei” que abrigam terroristas. Segundo eles, o Iraque deveria servir de “exemplo” a nações como Síria, Irã e Coréia do Norte (“eixo do mal”) e que os EUA têm um papel “civilizador”, de disseminar a democracia pelo mundo e eliminar “pacificamente” programas de armas de destruição em massa. A imprensa repercutiu tudo de modo destacado.

Mas ficaram algumas questões: onde estão as armas de destruição em massa do Iraque, motivo inicial que justificou o conflito? Onde está Saddam Hussein, que os EUA se propuseram a capturar (vale lembrar que 50% dos norte-americanos, segundo pesquisa do Washington Post e da rede ABC divulgada em 10 de abril, consideram necessária a captura ou morte do ditador para que a guerra seja considerada um sucesso)? E, como perguntar nunca é demais, um Estado que vai contra uma orientação da ONU pode ser considerado dentro da lei?

Lucro para poucos

São questionamentos pouco presentes na imprensa, também intimidada pela guerra. Afinal, segundo a Folha de S. Paulo (9/4/03), até aquele momento 12 jornalistas haviam morrido em decorrência do conflito em apenas 19 dias. Este número seria três vezes superior ao da Guerra do Golfo (que durou seis semanas), em 1991, e bastante elevado se comparado ao total de jornalistas mortos em todo o ano de 2002 (20 profissionais, segundo informação de 9/4/2003 deste Observatório, na seção Monitor da Imprensa).

Saindo da frieza das estatísticas, parece haver fatos mais graves envolvidos nas mortes de alguns destes profissionais que estavam no Iraque. O jornalista Robert Fisk, em artigo para o The Independent, questiona, por exemplo, as informações de que havia franco-atiradores no prédio da sede da televisão árabe al-Jazira, atingida por um míssil americano. Fisk utiliza até a palavra assassinato para descrever o que ocorreu, uma vez que, segundo ele, a emissora havia informado ao Pentágono sua localização exata em Bagdá há dois meses e recebido a garantia de que o local não seria atacado.

Apesar de representar uma intimidação clara à liberdade de informar, os casos dos jornalistas mortos no Iraque pelo “fogo amigo” dos americanos foi pouco explorado pela imprensa, o que não deixa de ser surpreendente. A imagem da câmera ensangüentada de um fotógrafo, que deveria ter grande destaque, apareceu secundariamente entre outras tantas.

O resultado de tudo isso é que, indo além da “vitória” norte-americana tão repetida pela grande imprensa, percebe-se que perderam a opinião pública mundial (ao menos a parcela que pedia a paz), a ONU e o direito de informar livremente. As conseqüências disto tudo ainda não estão claras, mas a impressão é a de que poucos lucrarão com mais este conflito no Iraque. Os sobreviventes iraquianos e as ruínas de Bagdá que o digam.

(*) Jornalista