Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Acabou na sarjeta

DOMINGO ILEGAL

Maximus Santiago (*)

Num país onde o número de televisores/residência é maior que o de geladeiras, a TV só poderia acabar nessa sarjeta. Cada uma procura vender mais terror e desgraça do que a outra; Stanislaw Ponte Preta jamais imaginaria um FEBEAPÁ com tal audiência e acompanhamento de novela de Albertinho Limonta, mamãe Dolores ou Sheik de Agadir, com Humberto Martins e Marieta Severo no papel do temível “Rato”. Mas bom mesmo era Beto Rockefeller! Na falta de pão, tome circo! Triste sina deste país; privatizado do éter ao fundo do mar, e nada funciona adequadamente, os escândalos pipocam por todo lado, aumenta o desemprego, caem os investimentos, o futebol é uma vergonha e só serve para exportar bons jogadores, assim como exportamos a melhor carne, o melhor café, nossos melhores intelectos.

Como cinqüentão que sou, conheci um país que ia dando certo, quando o serviço público era de boa qualidade, as pessoas tinham vergonha de serem apontadas como corruptas e o Palácio Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro então Capital Federal, coitado do prefeito, era conhecido como “Gaiola de Ouro”, símbolo máximo das negociatas à época. Verdadeiro jardim de infância nas condições atuais do “toma lá da cá” das épocas do Centrão, que imaginávamos findo; quanta ilusão…

Nos idos de 50 havia uma publicação editada pelo CPC da UNE intitulada Um dia na vida do brasilino, que demonstrava a quase total dependência do estrangeiro, do pente ao sabonete, passando por lençóis e escovas de dente (bons tempos em que as pessoas se preocupavam com os itens de higiene pessoal) para que vivêssemos; época de Assalto ao trem pagador, Tião Medonho, Cara de Cavalo, Cabeleira e outros menos votados. A Atlântica era pista única, o mar era limpo, apesar das loucuras do Jânio, após a bonomia do JK, que nem os majores Veloso e Haroldo e suas revoltas, com o primeiro seqüestro aéreo do mundo, um Constellation da Panair do Brasil desviado da rota de Belém e pousado em Aragarças, conseguiam estragar.

De enlatado a “sitcom”

Esse era um país que se conhecia menos, mas era um país em que se podia andar à noite e só temer “porta de cemitério”ou “mula sem cabeça”; o dinheiro era pouco, sim, mas todos podiam comer carne e o salário mínimo dava para muito mais coisas que do que o de hoje. Era um país praiano sim, mas a Belém-Brasília e a Rio-Brasília começavam a desvenda-lo; daí vieram os tenebrosos tempos da Redentora e suas “falsas-moralidades”, que deram “vida” a muito figurão, político e empresário, que hoje desfilam de democratas e ditam regras para começar a para destruir tudo aquilo que foi cuidadosamente construído nos anos 40/50, em especial o que fez o trabalhador viver com mais dignidade e menos vergonha e quando pobreza não era miséria!

Começaram a destruir os serviços públicos e meia dúzia de deslumbrados colonizados venderam o país na bacia das almas ao capital internacional, a começar pela redes de TV. Enquanto tínhamos o índio na Tupi, canal 6, o dia inteiro na tela por falta de programação, hoje temos crimes que vendem notícias e violência que se torna banal, durante todos os dias da semana. Esses potentados das TVs esqueceram que elas são concessões públicas que podem ser suspensas; talvez esteja chegando a hora de nós, o povo brasileiro, exigirmos de nossos representantes no Congresso o respeito que nos é devido. Talvez tenha chegado a hora de um grande plebiscito popular sobre os rumos e a ética dos conteúdo das TVs no país, pois o que assistimos hoje é o reflexo de anos de impunidade e negociatas feitas ao arrepio das leis ou de leis que são arrepiadas só para atender um ou outro conglomerado midiático que tem seu representante político nas diversas instâncias legislativas e/ou executivas.

Será que já nos esquecemos das obras na década de 90, em todo o Rio, feitas para “melhorar” as calçadas e passar junto os cabos de fibra ótica para a TV a cabo? E a TV a cabo ou satélite passa e repassa as mesmas séries enlatadas, correspondentes à dos anos 50; só que agora, como somos internacionais, atendem pelo pitoresco nome de “sitcom”.

Silêncio apropriado

Como dizem os adolescentes de hoje, sem saber toda a extensão da palavra, “é tosco”. A Panair foi falida na cabeceira da pista do Galeão pronta para decolar para a Europa, e já havia uma tripulação da Varig pronta para voar uma rota que nunca havia sido voada antes; até hoje a Panair é uma das poucas, senão a única, massa falida que dá lucro! Agora é a Varig que está sendo sabotada pelo grupo da Tam, que cresceu vertiginosamente nos anos dourados da Redentora, graças ao extraordinário empenho empresarial do comandante Rolim; a Varig teve suas ações em alta nos últimos dias e está com as contas de combustível em dia. Esse era o principal obstáculo para que voasse e pagasse as taxas aeroportuárias do Brasil, das mais caras do mundo.

Quando esse país tinha jornais matutinos e vespertinos, pois a população sabia ler, dizíamos que certos jornais se fossem torcidos pingariam sangue; hoje fica difícil torcer um aparelho de TV. Frente à quantidade de bobagens que se coloca no ar, quem sabe ainda conseguimos, e aí poderemos fazer uma televisão pública e educativa, e não uma televisão comercial e deseducativa como a de hoje, com raríssimos e honorabilíssimos programas.

Resistir é preciso, pois eles se apropriam de nosso silêncio e fazem o que querem, e aí, como dizia Brecht, não haverá ninguém para reclamar por nós.

(*)

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