Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Acertando as contas da Previdência

Hugo Nigro Mazzilli (*)

 

É fato que o sistema previdenciário do país está em colapso. E providências sérias e urgentes precisam ser tomadas.

Entre os meios com que intenta enfrentar a crise, o presidente da República acaba de editar a Medida Provisória n? 1.720, de 28 de outubro de 1998 (Estado de S. Paulo, 30-10-98, p. A-15), que, alterando a Lei n. 9.630/98, acresce um adicional de 9% sobre o valor da remuneração do servidor público civil da União, das autarquias e fundações públicas federais, se a remuneração ultrapassar os R$ 1.200.

O adicional viola, porém, princípios constitucionais como o da não-progressividade (pois a progressividade só é admitida pela Constituição nos impostos sobre a renda e sobre a propriedade predial e territorial urbana, obedecidos certos parâmetros) e o da isonomia (que supõe proporcionalidade e não-progressividade). Além disso, viola a irredutibilidade de vencimentos dos servidores.

A nosso ver, porém, só há um caminho a seguir: tomar as providências necessárias com rigorosa observância à ordem constitucional vigente.

Primeiro, se há defasagem entre as contribuições mensais dos segurados e os benefícios que estão sendo pagos, impõe-se corrigir a distorção de forma a que cálculos atuariais, que qualquer companhia de seguro privado sabe fazer corretamente, permitam fixar contribuições mensais adequadas que possam efetivamente custear os futuros benefícios.

O que não tem sentido é corrigir isso de uma vez e pretender que os servidores atuais da ativa ou inativos passem de oito para oitenta, e arquem de uma vez com toda a carga da correção de anos e anos de desequilíbrio atuarial. As distorções devem ser corrigidas de forma gradual, obedecendo rigorosa proporção entre o tempo de serviço que já tenha o servidor e o tempo que lhe falte para completar o direito à aposentadoria. Assim, alguém que entre hoje no serviço público deve já se submeter integralmente ao regime novo; os que já se encontram no serviço público devem ter regras de transição; os que já estão aposentados não podem ser atingidos pelas novas regras.

Mas, de qualquer forma, estejam os servidores já aposentados ou às vésperas da aposentadoria, não podem ser colhidos por novos cálculos atuariais e recálculos que inferiorizem seus vencimentos ou seus benefícios previdenciários já adquiridos ou prestes a serem exercidos. E isso porque somente se tivessem outra vida para ser vivida é que poderiam replanejar seus futuros ou suas aposentadorias e assim buscar complementos previdenciários privados. As correções ao sistema só podem ser feitas proporcionalmente, consideradas as regras pelas quais os servidores contribuíram durante toda a sua vida produtiva.

Depois, ou melhor, até mesmo antes disso, é preciso combater a sonegação e as fraudes do sistema. Quantos patrões deixam de registrar seus empregados, quantos registros são feitos abaixo do valor real do salário, quantos desvios e golpes há na Previdência, quantas pessoas que deveriam estar sendo sustentadas, sim, pelo Estado, mas na cadeia, e estão em mansões, em virtude de lucrativos golpes dados no sistema previdenciário?

Em seguida, é mister cobrar efetivamente todos os débitos pendentes da Previdência, inclusive em juízo, assim fazendo com que não seja bom negócio ser devedor. Deve-se ainda impedir que o tempo se encarregue de levar a nada as execuções previdenciárias.

Sobretudo, é mister legislar com responsabilidade e respeito à Constituição e aos direitos adquiridos. Só assim mostrará o governante maturidade e evitará esse clima de permanente incerteza e insegurança que vivemos, e que, só nos últimos dois anos, levou a milhares e milhares de aposentadorias precoces, de servidores que poderiam estar ainda, por muitos anos, a contribuir no serviço ativo, com seu esforço, para o desenvolvimento da nação.

Enfim, se culpados há por essa defasagem atuarial no sistema previdenciário, esses culpados estão entre os governantes, não entre os servidores, que nunca estipularam os limites da própria contribuição, e que passaram, no mais das vezes, toda uma vida de trabalho servindo a nosso país.

(*) Procurador de Justiça em São Paulo e ex-presidente da Associação Paulista do Ministério Público

 



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