Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Acertando o passo

PÓS-GRADUAÇÃO

J.S.Faro (*)

A julgar pelos resultados das reuniões dos coordenadores dos programas de pós-graduação em Comunicação existentes no país, tudo indica que o processo de avaliação desses cursos, periodicamente feito pela Capes (Comissão de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior), será menos traumático. Essa perspectiva otimista ? que sempre pode ser surpreendida pelo humor instável da comunidade acadêmica ? tem alguma razão de ser: em nenhum outro momento da existência dos critérios que foram gradativamente sendo construídos para a mensuração e análise dos resultados da pesquisa científica feita na área, foi possível chegar a um consenso como esse que acaba de ser anunciado agora, depois da terceira e última reunião das lideranças desses programas realizada na UFRJ em junho.

Na verdade, há por trás desses resultados uma persistente, mas tortuosa caminhada. Desde a segunda metade dos anos 90, todas as áreas do conhecimento científico vêm sendo estimuladas pela própria Capes a definir seus próprios critérios e parâmetros a partir dos quais a avaliação dos programas de pós-graduação pudesse ser realizada. A conseqüência mais evidente desse processo foi uma crescente consistência orgânica, ainda não de todo completada, do sistema nacional de pós-graduação que, no Brasil, responde hegemonicamente pela produção científica nacional. Como em outras áreas de atuação do Ministério da Educação, também aqui acabou sendo implantada uma clara sistemática de acompanhamento a partir da qual tem sido possível perceber a definição de uma política de expansão.

No entanto, ao contrário do que ocorreu com os cursos de graduação, cuja explosão acabou por desmantelar os padrões de qualidade do ensino universitário, especialmente pelo papel que teve nesse processo o interesse empresarial, na pós-graduação, o controle do sistema foi feito com base em parâmetros de excelência fixados não apenas pelos próprios núcleos de produção existentes nos vários segmentos do conhecimento acadêmico, mas também em função de seu balizamento em relação a critérios internacionais de excelência e legitimação. O resultado é o que se vê: os programas de pós-graduação existentes no Brasil acabaram preservando aquilo que na pesquisa científica é fundamental: o compromisso social de sua produção.

Mas não é verdade que isso se deu de maneira uniforme e linear em todas as áreas. Naturalmente, a maior ou menor aproximação dos programas de pós-graduação com os critérios dos parâmetros nacionais, sempre esteve atrelada ao grau de coerência interna de cada um de seus campos de conhecimento e à formatação que essa coerência adquiria na ordem acadêmica, um pouco também atrelada ao nível de sedimentação de suas fronteiras e ainda à legitimação conseguida pela inserção dos resultados de suas pesquisas no âmbito das expectativas civis, isto é, das várias instâncias institucionais ? da Universidade às empresas ? que se alimentam da geração do conhecimento. Nesses aspectos, seria natural esperar ritmos diferentes de adequação interna dos cursos ao conjunto dos padrões nacionais do sistema na Química e na Biologia, por exemplo, comparativamente àqueles conseguidos em áreas de maior flexibilidade conceitual (se isso é possível), como é o caso daquelas que formam as Ciências Sociais Aplicadas ? onde se encaixa a Comunicação.

É nesse sentido que a ampliação do consenso em torno dos par&acircacirc;metros de avaliação, responsabilidade que a Capes, através do mecanismo de representação de área, transfere às diversas comunidades, adquire relevância. No caso da Comunicação, os pesquisadores se debatem hoje, talvez mais do que há cinco anos, com uma variedade muito grande de possibilidades de atuação ? certamente razão da riqueza do campo em que se colocam, mas risco de que a elasticidade e a amplitude de objetos de pesquisa, de compreensões epistêmicas, de universos de implementação da transdisciplinaridade, acabem levando o conjunto dos programas a uma ausência de identidade. Além disso, convivem, ainda que indiretamente, com demandas bastante variadas provenientes das áreas profissionais em que se articula a formação graduada. Encontrar, para essa complexidade toda, um conjunto uniforme de critérios, sintonizados com o sistema nacional de pós-graduação e, ao mesmo tempo, com as expectativas que alimentam cada conjunto de pesquisadores, não é um desafio muito simples.

Gradativamente, no entanto, ao longo dos anos 90, coordenadores dos cursos, ao lado da Compós (a Associação Nacional que reúne os cursos de pós-graduação em Comunicação), foram imprimindo uma certa solidificação de parâmetros, cujas conseqüências se traduzem nos resultados das avaliações feitas pela Capes.

Na última oportunidade em que isso ocorreu, no ano passado, com os conceitos atribuídos sobre o desempenho trienal dos programas, não houve propriamente unanimidade. Ao contrário, recaiu sobre o representante da área (Prof. Wilson Gomes, da UFBA), um ressentimento injustificado dos programas avaliados de acordo com suas deficiências e distanciamento dos critérios que ? é bom insistir ? foram construídos com a participação de todos eles. Essas dissensões é que foram objetos das três reuniões ocorridas este ano. Na última delas, na UFRJ, é que se obteve o consenso.

Os resultados não se circunscrevem a meros aspectos técnicos do processo de avaliação, mas não mudam, no fundamental, o que vinha sendo posto em prática: na verdade, tratou-se de uma nova ponderação dos pesos sob os quais vários quesitos são avaliados, um maior refinamento no interior de cada um desses quesitos; e foram mantidos, em sua essência, os critérios de avaliação.

O mais importante, no entanto, foi a reafirmação dos parâmetros da avaliação em relação a inserção das atividades dos programas no próprio campo da Comunicação Social, certamente a questão que tem apresentado o maior nível de sensibilidade na comunidade; aquilo que Wilson Gomes tem chamado de "dispersão temática (…) do conhecimento produzido" nos programas e "a existência de uma parcialmente inadequada cultura de pesquisa", elementos que acabaram se transformando nos eixos da polêmica que se seguiu à avaliação trienal concluída em 2001. As reuniões que culminaram com o encontro de junho na UFRJ acabaram por reafirmar pelo menos dois princípios que podem se constituir na espinha dorsal do crescimento consistente da pós-graduação em Comunicação: primeiro, o de que a avaliação deve necessariamente incidir sobre a maior ou menor proximidade do conhecimento produzido em relação às linhas que demarcam esse campo, naturalmente com os olhos postos naquilo que o documento do representante da área chama de "relevância e impacto (…) sobre todas as dimensões de atuação (ensino, pesquisa e orientação) da própria pós-graduação". Depois, a idéia de que essa coerência temática entre a pesquisa desenvolvida e as linhas demarcatórias do campo são importantes tanto para a sua própria consolidação quanto para uma espécie de oxigenação de toda a área, incluída aí a graduação.

Trata-se, portanto, da superação de uma dicotomia artificial que vem sendo arrastada anos a fio ? a de que a investigação científica dos fenômenos da Comunicação não tem "boa vontade" com aquele terreno que diz respeito às atividades de formação profissional ? superação essa que abre caminho para a absorção, na pós-graduação, das demandas de todo o conjunto da comunidade acadêmica envolvida no processo do ensino e da pesquisa.

Os programas de pós-graduação em Comunicação começam agora a ser avaliados de forma continuada, isto é, terão seu acompanhamento feito para cada ano do triênio, tal como já ocorreu no período anterior. É possível que o empenho da representação da área na busca do consenso ainda enfrente patamares diferenciados de compreensão, especialmente aqueles que revelam uma visão particular (e distorcida) do conjunto e que se colocam como núcleo e modelo da felicidade acadêmica. Mas, ainda desta feita, não será por conta da ausência do debate: em nenhuma outra oportunidade essa comunidade acadêmica olhou tanto para si mesma (ainda que possa não estar gostando do que tem visto). Pode residir aí um dos caminhos para a sua consolidação.

(*) Professor dos cursos de pós-graduação e graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo e do curso de graduação em Jornalismo da PUC-SP