Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Adriana Carranca e Cristina Padiglione

SUICÍDIO AO VIVO

“Polêmica: na briga pelo Ibope, a morte do PM ao vivo”, copyright O Estado de S. Paulo, 12/4/03

“O programa Cidade Alerta, da Record, voltou a vencer o Brasil Urgente, da Band, ontem, por 6,7 a 5,8 pontos de média, segundo a aferição instantânea do Ibope na Grande São Paulo. Na quinta, o Cidade venceu o Brasil por 8 a 6. Os dois programas deram continuidade ao caso do PM Reinaldo Antônio Domingues, que se suicidou, quinta-feira, diante das câmeras, em frente do Palácio dos Bandeirantes – as imagens dele apontando uma arma para a cabeça foram ao ar pela Record, sob a tarja ?exclusivo?. A Band não exibiu as cenas.

Para provar que a Record não tinha exclusividade no episódio, a Band enviou cópia das imagens aos jornais impressos ontem, informando que não exibiu o caso em respeito ao telespectador. A Record defendeu-se num comunicado no qual afirma que não desrespeitou limites éticos, pois não mostrou o PM apertando o gatilho.

As imagens revoltaram telespectadores. A organizadora de eventos Sônia Bogos disse que se desesperou quando viu as cenas. Ao ligar para a emissora pedindo que as imagens fossem tiradas do ar, foi informada de que ?nada podia ser feito?. ?Meus sobrinhos, de 4 e 6 anos, estavam na frente da televisão e a mãe deles não conseguiu evitar que eles assistissem?, disse. ?Começaram a repetir: ?olha, mamãe, também vou me matar?.?

Rosa Crescente, diretora da organização não-governamental Midiativa, criada para discutir a qualidade da programação destinada ao público infantil e jovem, também acredita que o poder público tem de estar mais atento ao que as emissoras transmitem entre o fim de tarde e o chamado horário nobre, quando a maioria das crianças ainda está acordada.

A professora titular da Faculdade de Educação da Universidade São Paulo (USP), Maria Thereza Fraga Rocco, especialista em linguagem de TV, não acredita que as imagens sejam capazes de influenciar casos de suicídio, mas também condenou a transmissão. ?É um absurdo que a concorrência tenha chegado ao ponto de Record e Bandeirantes disputarem quem coloca mais sangue no ar.?”

“Próxima cena: suicídio?”, copyright Época, 15/4/03

“Na quinta-feira, na abertura do Cidade Alerta, da TV Record, o apresentador Milton Neves fez uma pergunta: ?O que leva um homem a apontar uma arma contra a própria cabeça?? Em seguida, surgiu a imagem do policial militar paulista Reinaldo Antônio Domingues, de 32 anos. A poucos metros do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo de São Paulo, ele pressionava um revólver amarrado numa das mãos contra a têmpora direita e ameaçava puxar o gatilho. Na outra mão, segurava uma carta em que denunciava corrupção entre colegas. O desfecho foi imediatamente anunciado pelo apresentador: Domingues havia se suicidado, e a equipe de reportagem da Record conseguira gravar tudo. Neves não anunciou até onde a emissora iria na exibição das imagens. ?Tem muito mais nessa fita. Fique conosco até as 19h30?, convidou. Por duas horas, a cena foi repetida à exaustão. ?Sou um policial honesto e sou perseguido?, repetia Domingues. Nos últimos minutos do programa, o apresentador avisou que o momento exato do tiro não seria exibido. ?A família brasileira já deduziu o que aconteceu. Mostramos 25% das imagens. Isso aqui é vida real, não é cinema.? O Cidade Alerta terminou com um grupo de policiais cercando o corpo do suicida, já no chão.

A exibição dos últimos momentos de desespero de um suicida foi o lance mais escabroso da guerra travada entre a TV Record e a Bandeirantes na guerra pelo horário. O Cidade Alerta teve média de 9 pontos. O Brasil Urgente, comandado por José Luiz Datena na Band, teve 5 pontos. Desde o início do mês, os dois disputam ponto a ponto o terceiro lugar no ranking de audiência. (O primeiro lugar, folgado, é da TV Globo, com média de 25 pontos nas últimas semanas. O segundo, do SBT, 9 pontos de média.) Em março, Datena brigou com a Record e deixou o Cidade Alerta, que apresentava há quase seis anos. Assumiu o Brasil Urgente e levou uma boa fatia do público junto. Escalado para entrar na guerra, Milton Neves atrapalhou a vida do concorrente. A Band quase sempre vence, mas com vantagem apertada.

A decisão de mostrar o PM antes de disparar o revólver num tiro suicida foi tomada minutos antes de o programa ir ao ar. A fita bruta, sem edição, tinha 16 minutos de duração. Editada, foi reduzida a menos de cinco minutos, repetidos várias vezes, até em câmera lenta. O diretor de jornalismo da Record, Luiz Gonzaga Mineiro, decidiu pela exibição depois de consultar o presidente da emissora, Dennis Munhoz. ?O que foi ao ar é de minha responsabilidade. Não mostramos nenhuma das cenas mais violentas. Exibimos imagens de um policial que fazia denúncias contra sua corporação?, diz Mineiro. A Band, cuja equipe de filmagem chegou à cena nos instantes finais, decidiu não mostrar nada.

Naquela tarde, como ocorre diariamente no estúdio de seus programas, Datena e Milton Neves apresentavam suas atrações com um olho nas imagens do concorrente e outro no monitor do Ibope que registra a variação da audiência, minuto a minuto. Quando percebeu que ficara para trás, Datena abraçou uma imagem de Nossa Senhora Aparecida: ?Quem está mostrando esse suicídio é uma emissora que já exibiu até um pastor chutando a santa?, disse, em referência ao episódio de 1995 em que o bispo Sergio von Helde, da Igreja Universal, apareceu no ar quebrando a imagem. Mais tarde, já calmo, declarou a ÉPOCA: ?Sabíamos que eles tinham a gravação. Mas decidimos perder audiência e preservar o telespectador?. Em fevereiro, ainda na Record, Datena transmitiu ao vivo imagens de um homem que ameaçava se jogar de um prédio. O suicida desistiu – mas não se pode alegar que aquelas cenas foram ao ar por respeito a quem as via.

Na semana passada a equipe da Record chegou ao local do suicídio alertada pelo telefonema de um policial. Vários integrantes da PM já estavam presentes. O revólver amarrado à mão direita do soldado impedia qualquer ação para desarmá-lo, pois seria disparado imediatamente. A única solução era tentar convencê-lo a desistir, com argumentos e apelos.

Casado, três filhos, o soldado havia entrado para a corporação há cinco anos. Nesse período, passou por três tratamentos psicológicos. Nos últimos meses, apresentava sintomas de depressão, sendo obrigado a tomar medicamentos para amenizar o sofrimento. Tinha uma vida difícil, como tantos integrantes da força policial do país. Chegou a complementar o salário de R$ 1.200 pintando placas, faixas e painéis. Cometeu o 51? suicídio da corporação nos últimos três anos – um índice altíssimo para qualquer padrão – numa tarde de folga. Pouco antes de se matar, falou duas vezes no irmão, o cabo da Polícia Rodoviária Pedro Domingues. Investigado por concussão, em 1997, Pedro chegou a ser preso. De acordo com a família, Domingues era muito ligado ao irmão – e a investigação acelerou a escalada depressiva. Na carta que segurava pouco antes de morrer, o soldado aponta casos de corrupção em seu batalhão, mas não cita nomes. O papel se encontra com o comando da PM, que promete apurar as denúncias.

Não é a primeira vez que a TV brasileira exibe cenas do gênero. Além de gerar avaliações ácidas, episódios assim têm servido para testar os limites dos espectadores afeitos a esse tipo de cobertura. O programa O Povo na TV, exibido entre 1981 e 1984 pelo SBT, entrou em decadência depois de mostrar a morte de um bebê de 9 meses num hospital. Em 1993 o Aqui e Agora, um dos maiores fenômenos de audiência no país, transmitiu ao vivo o suicídio de Daniele Lopes, de 16 anos. O programa acabou no ano seguinte. ?Há uma linha tênue entre informação importante e violência desnecessária. Chegamos perto dessa linha, mas não ultrapassamos o limite?, diz Mineiro.

Reportagens sobre suicídios costumam ser tratadas com prudência em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde acredita que notícias do gênero podem gerar contágio. Especialistas chamam o fenômeno de ?efeito Werther?, em referência ao livro Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe, em que o protagonista se suicida. Acredita-se que o lançamento do romance, em 1774, motivou uma série de suicídios de rapazes na Alemanha. Hoje, países como Israel e Alemanha conseguiram diminuir as ocorrências reforçando os cuidados na divulgação. (COM SOLANGE AZEVEDO)”

 

BBB 3

“O nada, o nada”, copyright Folha de S. Paulo, 13/4/03

“AINDA o ?Big Brother?.Então, o Dhomini ganhou os R$ 500 mil de prêmio e sua primeira aquisição será, se é que já não foi, um jet-ski. O que significa isso? Assim como no primeiro ?Big Brother? em relação a Kléber Bam Bam, essa terceira edição do ?reality show? criou uma espécie de temor coletivo de que a vitória de Dhomini fosse o fim da picada, pois significaria que forças do obscurantismo, da imbecilidade, da falta de vergonha na cara, da arrogância ignorante do brasileiro médio típico também venceriam. E, nesse caso, tais personagens passariam a representar, de alguma forma, o brasileiro médio ou aquilo que o brasileiro médio admira e até almeja.

Assim, no primeiro ?Big Brother?, dar o prêmio a Kléber Bam Bam seria também uma maneira de o público autocongratular-se pela sua própria estupidez e simploriedade intelectual. Até mesmo Kléber Bam Bam justificava sua popularidade, falando em ?identificação? do público, embora dê para apostar que ele repetia a palavra sem estar lá muito seguro de seu significado. Por onde se dava essa ?identificação?, entretanto, não ficou nunca muito claro.

Segundo o mesmo raciocínio, o fato de Dhomini sair vencedor simbolizaria o estado calamitoso em que se encontram os parâmetros éticos dos brasileiros, portanto premiá-lo seria recompensar, e mesmo admitir como válidos, o machismo, a duplicidade, a corrupção, a violência. Com o final da terceira edição do ?Big Brother?, o frágil sentido ético brasileiro teria sofrido mais uma derrota, pois o público teria considerado merecedor do prêmio um símbolo da falta de ética em vários âmbitos: na política (o sujeito trabalha para um parlamentar, e todos os parlamentares são corruptos; logo, ele é corrupto, ou, no mínimo, conivente com a corrupção), nas relações sociais (de fato e de boato, Dhomini está envolvido em processos por agressão) e no trato com as mulheres (nesse ponto, nada foi subtraído às câmeras).

Contrapondo-se a essas possibilidades, uma torcida contra os dois espertalhões, a favor de antagonistas ligeira e aparentemente mais ?do bem? -a professorinha baiana agora, a moça negra na versão anterior-, se formou e firmou nas semanas que antecederam o desfecho. E, desta vez, com a ajuda bastante consciente do apresentador Pedro Bial, que de tolo e ignorante não tem nada e foi sugerindo ao público essa ?leitura? dos simbolismos do programa.

Será mesmo que o ?Big Brother? tem esse poder de representar o caráter nacional? Antes de qualquer coisa, ?Big Brother? é um programa de televisão, não um experimento sociológico. Antes ainda de qualquer outra consideração, o ?reality show?, como definiu com precisão o professor da ECA-USP Roberto Moreira em reportagem publicada na revista eletrônica ?Trópico? , é aparentado da fofoca, agora produzida e consumida em escala industrial.

Na contracorrente de uma idéia que se alastra como mato, a vitória de Dhomini, assim como a de qualquer outro participante do ?Big Brother?, talvez signifique rigorosamente nada. Para o bem e para o mal, talvez Dhomini não represente coisíssima nenhuma e seja só mais um tolo endinheirado entre tantos outros cuja cara e presença na TV e nas revistas de celebridades teremos que aturar nos próximos (poucos) meses.”