Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Ainda sobre o direito à privacidade

Vera Maria de O . Nusdeo Lopes (*)

 

N

ão é novo o debate acerca dos limites que devem ser observados pelos meios de comunicação de massa com relação ao respeito à intimidade e à vida privada de todas as pessoas, problema mais acentuado quando se trata de personalidades famosas a qualquer título.

Inúmeros acontecimentos recentes, outros nem tanto, demonstram como pode ser perversa esta relação entre a vida pública e a privada e as dificuldades de se estabelecer exatamente os limites de uma e de outra, principalmente quando estão em questão pessoas com atuação pública relevante, como é o caso do presidente Clinton. Parece de meridiana clareza e obviedade a resposta positiva à necessidade de preservação destes aspectos de todos, por mais famosos que sejam.

O ponto crucial, entretanto, não se encontra aí e sim na resposta um pouco mais complicada à pergunta: Por que uma única fotografia da princesa Diana com seu namorado pode chegar a custar US$ 500 mil? Por que mais e mais existe – no mundo inteiro – uma mídia especializada em fofoca?

Infelizmente, a resposta também óbvia, mas um pouco mais dolorida, como inclusive já exposto por alguns comentaristas, é simplesmente porque nós todos, o público em geral, gostamos desse tipo de foto e notícia, promovendo milionárias vendas dos jornais e das revistas que as publicam e aumentando ainda mais o faturamento destes com a venda de espaço publicitário, pois os anunciantes, evidentemente, procuram promover seus produtos e serviços em veículos de ampla penetração.

Por que supor que os homens da imprensa são piores que os demais, como se costuma igualmente pensar de funcionários públicos? Rigorosamente falando, as pessoas não são diferentes só por causa da profissão que exercem. Da mesma forma, não existe uma moral substancialmente diversa daqueles que produzem as notícias em relação aos que as consomem.

Por outro lado, não parece demais lembrar que os famosos, tão pródigos em reclamar das invasões de privacidade de imprensa, também têm sua parcela de culpa nessa, digamos, curiosidade mórbida da grande massa, incentivando revistas do tipo Caras e assemelhadas, que vivem de mostrar a privacidade dos famosos de todos os gêneros, com o seu beneplácito. Ao abrirem-se para o grande público quando querem, os ídolos estão estimulando a especulação sobre sua vida também quando não querem.

Entretanto, a discussão deve ir além, para obrigatoriamente resvalar num ponto tão delicado quanto fulcral: a contradição entre essência de função pública e política do serviço jornalístico e sua forma de organização na sociedade capitalista contemporânea. Este problema é analisado por alguns autores da área, como Modesto Saavedra-Lopez, em La libertad de espresión en el estado de derecho – entre la utopia y la realidad, e Ben Bagdikian, no livro The media monopoly, este com análise minuciosa de casos concretos nos Estados Unidos. Os autores constatam na área jornalística a mesma tendência inerente a inúmeros ramos da atividade privada de oligopolização e monopolização, em função da necessidade de desenvolvimento econômico e expansão dos mercados, exigência de grandes capitais para investimento em empresas de comunicação aplicando tecnologia cada vez mais sofisticada.

Esta mesma situação leva as empresas de comunicação a necessitarem de grandes receitas mediante a venda de espaços para publicidade, levando-as a agir, muitas vezes, mais por imperativo de custo/benefício próprio do que em consideração às suas funções relevantes para a sociedade, considerando a essencialidade da matéria-prima com que lidam no mundo contemporâneo: informações, debates e crítica.

Outra conseqüência deste mesmo problema é a necessidade de conquista do maior número possível de leitores, não apenas como busca natural de sucesso, mas também para garantir maior número de anunciantes, comprometendo a necessária independência e o famoso jornalismo investigativo, combativo e crítico. Isso inibe os veículos de comunicação de assumirem posições claras e definidas a fim de não desagradar possíveis clientes e não espantar leitores, levando – ainda – à criação de sessões do estilo “modo de vida”, “comportamento”, entre outras – nas quais fotos sensacionalistas e artigos tão ocos quanto inúteis, exceto do ponto de vista da curiosidade idiota, causam verdadeira comoção, promovendo o aumento de procura e vendas.

Parece evidente que não há mais espaço para a defesa de um sistema estatal de meios de comunicação e é obvio que não é esta a posição deste artigo.

Porém, é mais do que hora de se lançar o debate quanto à essência da função jornalística, a fim de visualizar as possíveis soluções para o problema. Enquanto os jornais (ou qualquer veículo) tiverem que conjugar o verbo vender em todos os tempos e modos, a função essencial do jornalismo estará seriamente comprometida, gerando situações lamentáveis envolvendo a vida privada das pessoas e garantindo o emprego e a fortuna dos papparazzi e outros inescrupulosos, gerando – muitas vezes – situações trágicas.

(*) Procuradora de São Paulo, mestre em Direito Administrativo pela USP, bacharel em Jornalismo, autora do livro O direito à informação e as concessões de rádio e televisão, da Editora RT, membro do grupo TVER e associada do Instituto Direito e Cidadania.

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