Wednesday, 08 de May de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1286

Ajoelhe-se e ganhe um cargo

POLÍTICOS E IMPRENSA

Márcio Fernandes (*)

A nomeação do executivo Derly Massaud da Anunciação para a função de assessor de imprensa do recém-empossado governador de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira (PMDB), indica como costumam ser perniciosas as relações entre a imprensa e os políticos. Não se discute aqui a competência ou não de Anunciação para o cargo, mas em especial os obscuros fatos que antecederam sua nomeação, ou seja, as relações de amizade e convivência profissional entre o executivo de mídia e o governador.

Cabe lembrar aqui um caso que bem indica a referida perniciosidade. Enquanto prefeito de Joinville, Luiz Henrique conservou o hábito de ligar diretamente para Anunciação sempre que se sentia contrariado com alguma reportagem do jornal Diário Catarinense, veículo que o executivo presidiu até o fim de 2002, quando acabou demitido pela direção do grupo RBS, numa faxina ampla. Num arroubo de vaidade, em 2001 Luiz Henrique sentiu-se injustiçado no instante em que chegou à sua mesa um fax com um pedido de informações sobre as relações da Prefeitura com a Escola de Balé Bolshoi (instalada na cidade) e com algumas empreiteiras que prestavam serviço com freqüência ao poder público local.

Ofensivo por quê?

Seria um pedido a mais não tivesse Luiz Henrique se sentido afrontado, já que, em sua visão, as perguntas colocavam em xeque a lisura de sua trajetória como político. LHS, como é conhecido na imprensa, pegou o telefone e, na condição de prefeito e amigo (sic), pressionou Derly da Anunciação. Este, por sua vez, chamou o editor-chefe do jornal, que acionou a coordenadora da sucursal de Joinville, que acabou por pressionar o repórter, para que esquecesse as pautas em questão. Talvez seja desnecessário ressaltar aqui que nem o presidente do jornal, nem o editor e tampouco a coordenadora se preocuparam em ver se o fax era mesmo ofensivo ou se continha conteúdo normal. Meramente lavaram as mãos. Ou seja, não se deram ao trabalho de tentar ver se havia condições de defender o direito da imprensa de perguntar o que bem entender.

Ao não agirem com brios jornalísticos, ajoelharam-se sem motivo diante de Luiz Henrique, à época à frente de uma prefeitura considerada um dos maiores anunciantes do jornal da capital catarinense. Cabe perguntar: como será a relação do diário (e mesmo da imprensa estadual como um todo) com o agora governador Luiz Henrique? Será que LHS vai se portar do mesmo modo que Antônio Britto, ex-governador do Rio Grande do Sul, que tinha o estranho hábito de arrancar o microfone das mãos dos repórteres do grupo RBS sempre que questionado em algo que não gostaria de responder?

Talvez se possa ter uma noção de como serão as relações justamente a partir da indicação de Derly da Anunciação para o cargo de secretário estadual da Informação. Mesmo que tenha competência profissional para ser o titular da pasta, fica a impressão de que o executivo de mídia está também sendo recompensado pela lealdade ao político Luiz Henrique. Se assim for, perde a imprensa como um todo, que vê sua credibilidade ameaçada mais um pouco. Mas, alguns jornalistas e profissionais da área, claro, devem sair ganhando, mais especificamente aqueles que em anos anteriores receberam ligações de Luiz Henrique e atenderam a seus pedidos. Ou melhor, suas intimações. Devem, quem sabe, ganhar algum cargo em comissão na máquina pública estadual. Certamente irão para o Estado deixando a dignidade num lugar qualquer, já que incapazes de dizer "senhor prefeito, a pergunta em questão não é ofensiva e sua resposta interessa aos leitores, também contribuintes".

Ou será que é ofensivo, por exemplo, perguntar quais as relações entre a Prefeitura de Joinville, a Escola de Balé Bolshoi e uma empresa irlandesa chamada Paramount? Ou pedir a nominata das empreiteiras vencedoras de licitações da Prefeitura de 1997 em diante?

(*) Jornalista profissional e professor universitário