Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alberto Dines

ORIENTE MÉDIO

“Sobre heróis e heroísmo”, copyright Jornal do Brasil, 27/09/03

“As trombetas da fama esvaziaram os pedestais. A era da informação fabrica celebridades e enterra ídolos. Excesso de holofotes, pletora de mágicas e poderosas redes de comunicação exauriram nossa capacidade de criar e entronizar heróis verdadeiros. Imperam farsas e ficções. Da platéia todos os truques se parecem; por isso, no palco, só aparecem coadjuvantes. Igualmente estentóricos. Palavras, excesso de palavras, banalizaram figuras e feitos.

Nesta recém-chegada e indecisa primavera, além da promessa de flores, uma melancólica constatação: esgotaram-se os paradigmas de admiração. Bravura, nobreza e intrepidez de repente exigem outros parâmetros de medição. A superexposição conseguiu o milagre de esgarçar mitos, reputações e agora nos empurra ao outro extremo: imperioso glorificar os anônimos, celebrar os quietos, louvar os escondidos.

Os 27 pilotos da Força Aérea Israelense que se recusam a atacar alvos civis em território palestino representam o novo tipo de herói. Rejeitam os louros e as loas de um mundo irmanado pelo espetáculo e, em vez de troféus, resignam-se aos castigos e incompreensões. Estão marcados para sempre, os nove que ainda estão na ativa já foram ameaçados de prisão, os 18 restantes dificilmente serão autorizados a voar, mesmo como civis.

Soldados de elite, membros de uma das mais admiradas corporações militares do mundo, tiveram inúmeras oportunidades de mostrar perícia e coragem. Agora, preferem mostrar apego às consciências. Não aceitam ilegalidades e imoralidades: existem outros meios de combater o terrorismo.

Não são os primeiros militares israelenses a quebrar o rígido princípio disciplinar em cima do qual se constrói toda a doutrina castrense. Contestam a própria noção de guerra, pacifistas autênticos e, não, disfarçados militantes de causas guerreiras.

Já houve anteriormente manifestos e prisões entre tanquistas e infantes, mas os aviadores pareciam infensos à fermentação que se irradiava da sociedade para as Forças Armadas. Acontece que a Força Aérea é oriunda dos kibutzim, as colônias coletivas onde forjaram-se os fundamentos do sionismo socialista que marcaram as instituições do Estado de Israel antes mesmo da sua criação, no início do século XX.

Essa honrosa e dolorida rebeldia não aconteceu por acaso. No dia 11 de setembro, quando se comemoram dois anos dos massacres de Nova York, o diário francês Le Monde reproduziu na primeira página um extraordinário texto assinado por Avraham Burg, deputado trabalhista, ex-presidente do Parlamento israelense, que começa com a seguinte frase: ?O sionismo está morto e seus agressores estão instalados nas poltronas do governo em Jerusalém… A revolução sionista repousava sobre dois pilares: a sede de justiça e uma equipe dirigente submetida à moral cívica.?

Edward Said morreu na quinta-feira em Nova York. O mais importante intelectual palestino provavelmente não chegou a ler o artigo de Burg nem foi informado a respeito da insubmissão dos pilotos israelenses. Polígrafo, cosmopolita e humanista, re-inventou Arafat em 1974, quando se apresentou perante a Assembléia da ONU, depois dele afastou-se e embora tenha sido contra os acordos de Oslo jamais pronunciou uma palavra de incitamento ao ódio e ao derramamento de sangue. Juntou-se ao pianista e regente argentino-israelense Daniel Barenboim e com ele iniciou uma cruzada de convivência entre as crianças palestinas e israelenses.

Pretendia um Estado binacional na Palestina, a mesma solução defendida antes da partilha pela esquerda judaica, inclusive por alas sionistas. Factível ou não, preferiu um sonho decente ao pesadelo do terror.

Said era reconhecido internacionalmente, Burg só é conhecido em seu país, desconhecidos são os nomes dos bravos insubmissos da Força Aérea Israelense. Fazem parte da nova fornada de heróis fiéis apenas às suas consciências. Insubornáveis, não se fascinam com piruetas nem capitulam à notoriedade fácil. Com gente assim, vale a pena esperar pelo verão.”

 

IRAQUE

“Mídia iraquiana vive surto pós-Saddam”, copyright Folha de S. Paulo, 28/09/03

“A mídia iraquiana está há quase seis meses numa situação meio caótica. O que é bom sinal. As estimativas sobre o número de novos jornais oscilam de 80 a 400.

Equipes de jornalistas e técnicos que saquearam as instalações do regime deposto colocaram em funcionamento precário emissoras regionais de rádio e TV. Existe a IMN (Rede Iraquiana de Mídia), patrocinada pelos norte-americanos, com boa tecnologia e possivelmente menor credibilidade.

A deposição do ex-ditador Saddam Hussein trouxe um clima de liberdade de expressão atestado por três recentes pesquisas independentes: o da organização Repórteres Sem Fronteiras, o da Rádio Nederlands, emissora pública holandesa, e o da Royal Television Society, entidade britânica.

Paul Bremer, o administrador americano, baixou em junho um decreto em que ameaçava de fechamento órgãos da mídia que incitassem o ódio racial, étnico ou religioso. O decreto já foi aplicado duas vezes: contra uma rádio e contra o jornal ?Al Mustakilla?.

Além disso, na última terça-feira, o Conselho de Governo Iraquiano suspendeu temporariamente o acesso das TVs árabes Al Jazira e Al Arabiya a imóveis e a eventos do governo, alegando que ?encorajaram o terrorismo?.

Os episódios são vistos como isolados. Não há campanha internacional contra a ?censura? dos EUA. Prevalece a discussão sobre a necessidade de regras estáveis de funcionamento da mídia.

Bremer instalou há dias uma comissão de imprensa vinculada ao Ministério das Comunicações. A comissão é dirigida por Simon Haselock, diplomata da ONU, e subordinada ao ministro e, é claro, à administração americana.

O problema consiste basicamente em evitar que o caldeirão étnico (curdos contra árabes) ou muçulmano (xiitas contra sunitas) não tenha seu fogo alimentado por um estilo panfletário de jornalismo. Há também normas empresariais e de repartição do espectro hertziano.

Os Repórteres Sem Fronteiras notam que os jornalistas são, em geral, comedidos. Acostumados a obedecer nos tempos de Saddam, usam hoje com muita parcimônia a liberdade de que dispõem. Com o fim da censura criaram quatro bons jornais e ainda semanários de economia e cultura.

Há o ?Al Adala?, ligado aos xiitas, o ?Taakhi?, dos curdos de esquerda, o ?Assaman?, dirigido por Saad El Bazzaz, ex-diretor da TV estatal de Saddam e em seguida exilado no Reino Unido.

Durante a ditadura, a produção e a difusão de programas de rádio e televisão eram extremamente centralizada em Bagdá. A destruição, durante a guerra, da infra-estrutura de retransmissão impediu a reconstituição dessa rede.

No lugar dela há ?a televisão dos americanos?, como é chamada a IMN, captada num raio de 70 km ao redor da capital. Ela transmite seis horas diárias de programação. Seu primeiro diretor, o ex-exilado Ahmad Rikabi, demitiu-se há dois meses e acusou os EUA de não investirem o suficiente. Mas foram também outras as divergências. Rikabi recomendava a transmissão abundante de versos do Alcorão, do que a administração americana discordava.

Em Bagdá é também captada a Al Alam, TV iraniana em árabe, e mais duas estações curdas. Entre as rádios, além das precárias locais, há a BBC em árabe e a TMC, rede privada francesa com boa implantação no Oriente Médio.

A ditadura deposta proibia antenas parabólicas. Elas hoje são objeto de um amplo comércio. Custam em torno de US$ 120, uma quantia proibitiva para os mais pobres, mas que já se tornou para os mais ricos um bem de consumo essencial.”

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“Lei deve conter ódio na mídia, diz especialista”, copyright Folha de S. Paulo, 28/09/03

“A Royal Television Society é uma entidade que tem entre suas atribuições avaliar a qualidade e a equidade da TV no Reino Unido. Ela enviou recentemente uma missão ao Iraque, também ocupado por tropas britânicas.

Stephen Claypole, pesquisador e chefe da missão, afirma que, diante da recém-adquirida liberdade de imprensa, é necessária uma legislação que impeça a transformação de jornais, revistas e emissoras TV em instrumentos de incitação ao ódio.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Claypole concedeu à Folha. (JBN)

Folha – Os jornalistas iraquianos ficaram anos sob censura ferrenha. Como lidar agora com seus próprios enfoques sobre o noticiário?

Stephen Claypole – Creio que seja o que agora realmente acontece. Há um grande esforço a ser feito. Mas as coisas já se definem com certa rapidez. De 12 jornais que passaram a ser publicados em Bagdá logo após a queda de Saddam Hussein, só dois não tinham linhas editoriais muito nítidas. Os demais aparentemente sabiam que tipo de orientação deveriam seguir.

Folha – Como é que de uma hora para outra surgiram tantas gráficas, e de onde vem o papel?

Claypole – Há muito papel que entra hoje no Iraque pela Jordânia e também pelo Irã. Os iranianos são fornecedores preferenciais de regiões controladas pelos xiitas, embora outra parcela das importações venha de empresas iranianas só interessadas em ganhar dinheiro e que vendem para qualquer comunidade muçulmana.

Folha – E quanto às gráficas?

Claypole – Essas centenas de pequenos jornais de que se fala são na verdade improvisados e têm uma circulação muito reduzida. O que me surpreendeu, no entanto, foram dois ou três jornais com projeto gráfico sofisticado e com muitas páginas em cores. Apenas em Bagdá há quatro gráficas muito bem equipadas. Elas foram subutilizadas nos últimos anos de Saddam pela carência de papel e tinta, provocada pelo embargo.

Folha – No Iraque só trabalha como jornalista quem tem diploma de jornalismo. Isso bastaria para a qualificação da mão-de-obra?

Claypole – A sociedade iraquiana é em geral sofisticada. Há muitos jornalistas formados por lá, e também na Europa e Estados Unidos. Quanto à qualificação, eu daria um exemplo menor. Nas semanas antes da guerra uma quantidade imensa de jornalistas estrangeiros se instalou em Bagdá. Parte dessas equipes contratou iraquianos. Esses contratados se acostumaram a um tipo de equipamento e a formas de trabalho que serão úteis a partir de agora.

Folha – Os iraquianos têm condições de enfrentar a concorrência de audiência com TVs e emissoras de rádio de outros países árabes?

Claypole – Tão logo Saddam caiu, caminhões carregados de antenas parabólicas começaram a chegar da Jordânia. Mas não foi para sintonizar apenas outros canais árabes. O que eles também querem é sintonizar canais britânicos, italianos ou espanhóis que transmitam partidas de futebol, uma paixão nacional no Iraque.”

 

CÍCERO SANDRONI NA ABL

“Por unanimidade, Cícero Sandroni é eleito para a cadeira de Faoro na ABL”, copyright Folha de S. Paulo, 26/09/03

“O jornalista Cícero Sandroni, 68, foi eleito ontem por unanimidade para a ABL (Academia Brasileira de Letras). Ele teve o voto dos 36 imortais e ocupará a cadeira número 6, vaga desde a morte do jurista Raymundo Faoro, em maio.

Para Sandroni, o ingresso na academia ?não é o repouso do guerreiro, é uma missão a mais?. ?Terei que redobrar os esforços para produzir na área literária?, disse.

O acadêmico Carlos Heitor Cony, colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, afirmou que ?a unanimidade é uma prova da bem-querência da academia com ele [Sandroni] e dele com a academia?.

Após a eleição, os acadêmicos foram até a casa de Sandroni, no Cosme Velho, zona sul do Rio, para cumprimentá-lo.

O jornalista demonstrou surpresa ao saber que tinha recebido todos os votos: ?Acabei de saber [que houve unanimidade]. Os acadêmicos estão me dando um recado: não desperdice esses 36 votos, faça algo com eles?.

Para os imortais, a eleição de Sandroni não foi surpresa. O jornalista costuma frequentar a academia há 50 anos, desde que se casou com a filha do ex-presidente da ABL Austregésilo de Athayde, Laura. Ele escreveu a biografia de Austregésilo, ?O Século de um Liberal?.

O presidente da ABL, Alberto da Costa e Silva, disse considerar Sandroni ?o herdeiro natural de Barbosa Lima Sobrinho?.

Além de Sandroni, concorriam à vaga os escritores Felisbelo da Silva, Marilena Salazar, Marco Aurélio Lomônaco Pereira e Jorge Tannuri.

Das 40 cadeiras, apenas a de Roberto Marinho permanece vaga. O critico literário Alfredo Bosi e o escritor e colunista da Folha Moacyr Scliar não puderam votar porque, apesar de eleitos, ainda não tomaram posse.”