Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alberto Dines

GOVERNO LULA

“A ressaca das utopias”, copyright Jornal do Brasil, 27/12/03

“O mote deste fim de ano parece definido. Segundo a praxe, deve converter-se em musa intelectual do verão e eventualmente pautar as lucubrações dos produtores de eventos da temporada seguinte. Pode até ser incluído num capítulo da novela das oito da Rede Globo.

O Fim das Utopias está sendo proclamado com igual veemência pelos pragmáticos e pelos puristas. O que parece ser o fim das quimeras é apenas o resultado da apressada periodização daqueles que se seduzem pela história instantânea. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial tivemos pelo menos uma dúzia de ilusões sucessivamente inventadas e esvaziadas, inclusive a própria esperança de que o fim do nazi-fascismo – o Mal Absoluto – significaria o início de uma era de paz e entendimento.

A mecânica da utopia é igual à das bolhas, espécie de exuberância psíquica ou delírio espiritual que transforma projetos vagos em realidades frustrantes. A doença da simplificação produz esses mal-entendidos, em geral fabricados pelo emprego abusivo de palavras insuficientemente entendidas. Com um pouco mais de etimologia, menos vã seria nossa filosofia.

Utopia (do grego ou+tópos, nenhum lugar), segundo o seu decapitado inventor Thomas Morus, era um território imaginário, desde a sua origem descomprometida com a factibilidade. A sonhada quimera (também do grego, Khímaira) é um horror: monstro híbrido com cabeça de leão, corpo de cabra, cauda de serpente que nas horas vagas lançava fogo pelas narinas.

O ?socialismo utópico? precisou garantir-se contra a dissipação dos seus diletantes, criando sua antítese, o ?socialismo real?, concreto. Foram juntos para o brejo. Empurrados pela arrogância, que é o outro nome da incompetência. O ?fim da utopia? nada tem a ver com o teor dos princípios. A diferença entre sonho e projeto, entre esperança e concretização, entre ilusão e realidade, está na capacidade de converter retórica em resultado.

Só a vontade – ou isso que chamam de ?vontade política? – não basta para materializar um ideal. Mesmo amparado em razoáveis doses de conhecimento, o utopismo não dispensa um compromisso orgânico com a viabilidade. E viabilidade depende menos de recursos (humanos ou materiais) do que de foco, preparação e, sobretudo, empenho vital.

É preciso reconhecer que a ressaca das utopias está sendo agravada em grande parte pela avaliação deste primeiro ano do governo Lula. A expulsão dos dissidentes (ou rebeldes ou puristas – dá no mesmo) é a parte mais visível ou mais dramatizada da questão. Também o ?aparelhamento? ou loteamento do governo pelos quadros do partido majoritário não foi o responsável pelo internamento, na UTI, da utopia petista.

Se, por exemplo, o senador Aluízio Mercadante, petista histórico mas professor de economia, fosse o presidente do Congresso, não cometeria a imensurável besteira de sugerir a renegociação da dívida externa, como acaba de fazer o imortal José Sarney, inconteste cacique da Botucúndia, para desespero do ministro Palocci e de todos os brasileiros que estão apertando o cinto para mostrar aos mercados que o país leva a sério a questão da responsabilidade fiscal.

Sem competência, utopias condenam-se ao fracasso – por mais sublimes que sejam seus propósitos. O quesito compreende uma serie de atributos que transcendem à aptidão ou habilidade. A utopia concebida pelos patriarcas da república americana deu certo ao longo de cerca de 230 anos e, mesmo vitalmente comprometida como agora se encontra, é um caso de estudo rico em lições. O projeto dos Founding Fathers deu certo porque concentrou-se numa questão elementar: a materialização da democracia em todos os níveis, da taxação amarrada à representação ao equilíbrio entre os poderes. Mesmo a idéia do Colégio Eleitoral – responsável pela marmelada que levou Bush Jr. à Casa Branca -, no seu tempo, foi essencial para garantir o equilíbrio federativo.

A utopia petista foi em outra direção: em vez de escolher, espalhou-se. Desdenhou a regra básica das histórias de sucesso e, no lugar de concentrar criatividade e energia, pulverizou-as. Tudo era prioritário, tudo emergencial, tudo levava a etiqueta do ?bola pra frente?. Resultado: o jogo embolou antes mesmo do tiro de meta. O mito da negociação foi usado como poção mágica para todos os males e chave de uma utopia tipo colcha de retalhos, vasta e imprecisa. Produziu uma formidável conversa mole em torno de coisa nenhuma.

A Folha de S. Paulo, em sua edição de ontem, listou 13 projetos empacados na área social, apesar de proclamados como urgentes. Não incluiu o Fome Zero, porque nos últimos tempos o programa aparentemente conseguiu deslanchar (o estudo certamente já estava pronto quando foi revelado que os fundos arrecadados estão parados no Tesouro Nacional).

Não foi mencionado o Programa de Economia Solidária, confiado a um dos fundadores do PT, especialista no assunto, o professor de economia Paul Singer. Num momento em que o capitalismo emite estridentes sinais de esgotamento, ameaçando ricos e pobres, deveriam ser estimulados todos os formatos de organização econômica – do cooperativismo à gestão colegiada.

Aqui localiza-se uma utopia definida, viável, central, capaz de afetar decisivamente o magno problema do desemprego e projetos secundários como o do Primeiro Emprego, Agricultura Familiar, Microcrédito, Regularização Fundiária das Favelas, Programa Conviver e outros. Não foi mencionada porque o governo não enxergou seu potencial mercadológico para acender holofotes e acionar seus tambores.

Esse o problema do nosso utopismo: quando se imagina que foi superado o obstáculo da competência, aparece outro, intransponível – o fascínio pelas lantejoulas.”

“Bom jornalismo”, copyright O Dia in Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 22/12/03

“Vira e mexe, sou cercado por repórteres à cata de entrevistas. A maioria quer obter informações concernentes ao meu trabalho e às áreas de meu interesse, como Fome Zero, literatura e religião.

Outro dia, reencontrei um tipo de repórter que sempre se faz presente quando se trata de entrevistar políticos ou funcionários do poder público: o que traz, junto à pauta, uma penca de bananas. Enquanto ouve as perguntas de seus colegas, o repórter come, uma a uma, as bananas e, cuidadosamente, separa as cascas. Na sua vez de indagar, não lhe interessa se o Fome Zero beneficia mais de um milhão de famílias ou erradicou a mortalidade infantil em vários municípios. Quer pôr lenha na fogueira: saber o que penso da viagem da ministra, da expulsão da senadora, da frase infeliz do ministro. Não está preocupado em cumprir sua missão jornalística, que consiste em bem informar ao público. Seu objetivo é jogar mais gasolina no incêndio, contrapor figuras públicas, captar uma afirmação que lhe possa assegurar uma intrigante chamada de alto de página. Sobretudo, levar o entrevistado a escorregar na casca de banana. Se o entrevistado foge das cascas de banana e não oferece o prazer do tombo aos olhos do repórter, este se enfurece.

O bom jornalismo se faz com objetividade, no intuito de informar. Essa, porém, é uma jóia rara. Basta ver certas revistas semanais que editorializam todas as matérias. A opinião dos editores torna-se, no texto, mais evidente que a notícia. A adjetivação se sobrepõe às informações substantivas.

Entrevista não pode se confundir com interrogatório, nem jornalismo com tiro ao alvo. Por respeito ao público, que tem direito à informação e ao discernimento crítico.”

“Governo investiu 70% do orçamento de publicidade”, copyright MMOnline (www.mmconline.com.br), 18/12/03

“O Governo Federal chegou ao final de 2003 executando 70% do orçamento de R$ 112 milhões definidos no início do ano para gastos com publicidade. Esse percentual é resultado do contingenciamento que afetou todas as áreas governamentais este ano.

Para 2004, o secretário adjunto da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom), Marcus Flora, informa que a proposta orçamentária é de R$ 118 milhões para a secretaria e de R$ 170 milhões para os ministérios. Os valores, no entanto, podem sofrer alteração, uma vez que a proposta do orçamento ainda tramita no Congresso Nacional.”

“Crédito Para Lula”, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 23/12/03

“O governo Luiz Inácio Lula da Silva termina seu primeiro ano com a mesma aprovação verificada no terceiro mês de gestão. Pesquisa Datafolha publicada no domingo revelou que 42% consideram a gestão de Lula ótima ou boa, contra 43% que assim a avaliavam em março.

De negativo, houve um aumento dos que classificam o governo de ruim ou péssimo – de 10% para 15%. Lula também foi pior na expectativa para os próximos anos. Em março, 76% acreditavam que seu desempenho vindouro seria ótimo ou bom, contra 63% em dezembro. Esse é um aspecto que poderá eventualmente ser modificado caso se confirmem as expectativas de que a performance econômica de 2004 será melhor do que a de 2003.

Em relação a seus antecessores, Lula tem desempenho só comparável ao de Fernando Henrique Cardoso, que tinha a seu favor o estrondoso sucesso do Plano Real.

É sempre possível supor que os eleitores consultados não dispõem de informações suficientes ou que podem estar sendo levados por imagens construídas pelo marketing oficial. Quanto a isso, é bom lembrar que desinformação e propaganda governista não são elementos novos no cenário político. É razoável supor, na realidade, que, com a sucessão de pleitos e de governos, o eleitor vá adquirindo parâmetros mais realistas para avaliar. Como observou o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino, a cultura política do brasileiro hoje tende a ser mais elevada do que no passado, tornando-se a experiência democrática mais rotineira.

O provável é que a pesquisa revele um eleitorado que contava com um ano difícil e não esperava grandes soluções imediatas. Isso parece contrariar uma outra avaliação frequente à época da eleição: a de que parte dos eleitores depositaria em Lula expectativas messiânicas, o que poderia gerar grandes e perigosas frustrações já no primeiro ano ao se verificar a impossibilidade de realizá-las.

Lula, portanto, contou em 2003 com um crédito dos eleitores. Resta saber se ele será renovado nos próximos anos -quando resultados mais palpáveis precisarão aparecer.”