Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Alberto Dines

ASPAS

"Quem acompanha Sansão para o beleléu?", copyright Jornal do Brasil, 28/4/01

"O desfecho da história de Sansão não foi fulminante: depois da fanfarronada em que revela o segredo da sua força, os cabelos, teve-os cortados por Dalila. Capturado, cego, é alvo da chacota até que, com os madeixas crescidas e um resto da velha força, derruba as colunas do templo e morre soterrado junto com os adversários.

Tudo isso leva tempo para narrar, a dramaturgia exige elaborações que se contrapõem à impaciência dos espectadores, no caso a mídia. Ainda mais quando se trata de história já delineada. O ritmo distendido impõe-se nos relatos inexoráveis e também nas ocasiões em que é preciso esmero para espremer todos os detalhes.

Como agora, quando o vetor da verdade atinge velocidades jamais vistas nestas paragens. De nada adianta a ânsia pelo justiçamento sumário, como deram a entender as manchetes de ontem. Além dos ritos, há que cumprir os requisitos da eqüidade ? justiça é para todos.

Hoje é outro dia e outros são os réus. Não estamos pescando com linha, mas com rede. Imperioso estendê-la para que nada escape, peixões ou peixinhos, fauna aquática ou anfíbia. Natural que as atenções estejam fixadas em ACM, com o seu surpreendente parceiro de violações, mas não se deve descurar do desafeto, o atual presidente do Senado, Jader Barbalho, embora as acusações contra ele corram céleres na esfera policial.

A decadência e a queda de ACM (como de todos os ungidos pelos deuses), devem ser narradas em andamento lento, como num adágio. O seu depoimento na quinta foi pífio, repetição piorada da única peça do seu repertório que, de tanto uso, exibe-se esgarçada: combinação de veemência com docilidade, esperteza com sinceridade, malandragem com pitadas de filosofia de almanaque.

A tal da ética da responsabilidade ? peça chave da sua defesa ? é a caricatura da Ética de Aristóteles ou Spinoza. Ética relativizada por qualquer aposto deixa de ser ética para converter-se em conveniência. Disfarce. Se desejasse preservar a imagem da Casa depois da inédita cassação de um senador, seu presidente não deveria jactar-se, como fez diversas vezes, de conhecer os votos, teoricamente secretos, dos colegas.

Na verdade ACM repetiu José Roberto Arruda, que primeiro negou e, depois, assumiu. A diferença está no formato: o treino mediático levou ACM a produzir um único compacto onde nega e assume ao mesmo tempo, mas de forma tão tíbia que só consegue reforçar a convicção de que mais assumiu do que negou. Foi mandante e um dos beneficiários da infração.

O depoimento público de ACM apenas confirma as confissões à repórter Dora Kramer publicadas um dia antes no Jornal do Brasil (quarta, 25, primeira página). Estas sim, extremamente relevantes, porque compõem o auto-retrato implacável e irretocável de uma figura pública sobre a qual tanto se tem publicado e tão pouco se conhece.

Este ACM visto por ACM é definitivo. Quando, um dia antes da aparição na Comissão de Ética, reconhece que a sorte está lançada, o ex-vice-rei do Brasil assina a capitulação. Quando diz que ?tudo vai depender da imprensa, a quem ando pedindo um crédito de confiança até o meu depoimento?, o grande manipulador da opinião pública admite abertamente sua parte no jogo sujo de ludibriar a boa fé da sociedade brasileira. Obrigou, com isso, os velhos cúmplices a romper imediatamente os pactos anteriores, como ficou patente nos jornais e telejornais destes dias. Ao reconhecer-se como ?escravo do ódio?, o mais recente árbitro da moralidade escancara os desígnios e motivações da última cruzada. Como todas, de santa tinha apenas o nome. O resto era sede de poder.

Esse filme precisa ser exibido sem premências, se possível com repetições e play-back. Talvez mesmo em câmara lenta, para que sejam percebidos todas as situações, nuanças, desdobramentos, e identificados todos os personagens. Sansão sabemos quem seja, Dalila é metáfora para designar a soberba, a arrogância, a insolência. Acaso lingüístico ter nome de mulher ? homens é que são dados à prepotência e à bazófia.

Incógnitos por enquanto são aqueles que deverão ser soterrados junto com o guerreiro aloprado quando ruírem as colunas do templo. Há suspeitos em todos os cantos e facções, situação e oposição. Prova é o epílogo do artigo de sexta-feira de Teresa Cruvinel (O Globo, página 2) em seqüência à matéria do dia anterior no Correio Braziliense e que ontem mesmo já ocupou o final do depoimento de Arruda no Senado. Trata-se de uma patuscada de senadores da oposição que talvez não implique falta de decoro mas fere a compostura e o regimento. Ao deixarem-se fotografar exibindo o seu voto, enquanto se processava a votação para a Mesa do Senado, produziram infração tão grave quanto a violação do painel.

Vetor da verdade em velocidade de cruzeiro, falta saber quem – pessoa física ou jurídica, singular ou plural ? acompanha Sansão para o beleléu. Este é o jogo do momento"

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