Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

André Machado e Nelson Vasconcelos

TV DIGITAL

“TV digital: técnicos debatem padrão brasileiro”, copyright O Globo, 12/01/03

“Divulgada na primeira semana de governo, a idéia do ministro das Comunicações, Miro Teixeira, de criar um padrão de TV digital próprio para o Brasil – ou em parceria com Índia ou China – cumpriu seu objetivo: abriu um debate entre os especialistas. Todos admitem que o país tem profissionais bastante gabaritados, mas, para alguns, desenvolver uma tecnologia desse tipo demandaria muito tempo e dinheiro. Também há quem diga que a decisão não seria comercialmente interessante, num momento em que o país busca maior presença no mercado global. E há quem recomende cautela.

Uma cifra considerável está por trás da discussão. Quando o governo decidir qual tecnologia será adotada para a TV digital do país, estará em jogo um mercado estimado em pelo menos R$ 100 bilhões, ao longo de dez anos, diz Izabel Mattos, diretora da Laboris Consultoria, especializada em tecnologia.

– Esse dinheiro será gasto na adaptação de vários setores da indústria de tecnologia, programação, marketing e empresas de interatividade, entre outros – explica Izabel.

Tecnologias estrangeiras disputam mercado brasileiro

Desenvolver uma tecnologia de TV digital não é trabalho rápido. O sistema europeu (DVB), por exemplo, entrou em fase de testes em 1991 e as primeiras transmissões ocorreram somente em 1998. Já o americano (ATSC) começou a ser testado em 1995 e entrou em operação em 1998. E o padrão japonês está em testes desde 1998 e só deverá estrear com força total este ano.

Desde 1998, esses três padrões estão sendo testados pelo governo, sob responsabilidade da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a quem caberá escolher o padrão definitivo para o país.

É uma escolha difícil e não há data certa para que ela ocorra – principalmente se o governo decidir investir em um novo padrão. Segundo um professor de uma universidade pública do país, a palavra-chave, agora, é investimento.

– Sou a favor de criar um padrão de TV digital aqui. Seria mais uma comprovação da nossa competência técnica. Mas o governo tem que investir pesadamente nos grandes centros de pesquisa. Do contrário, fica difícil – diz o acadêmico, que prefere não se identificar.

Luiz Cláudio Rosa, vice-presidente de Desenvolvimento de Negócios da Lucent Technologies, também não despreza a idéia do ministro e diz que não se deve amarrar o Brasil a uma tecnologia rapidamente. Ele pondera que os padrões de TV digital são recentes mesmo em seus países de origem e devem ser mais bem estudados antes de qualquer decisão.

– Vale refletir e esperar que os modelos estejam mais maduros. Por isso, não descarto a idéia do ministro.

A disputa é acirrada, e os defensores das tecnologias estrangeiras apresentam suas armas. Para Salomão Wajnberg, presidente da Associação Brasileira de Telecomunicações (ABT) e representante do padrão europeu no país, a criação de um padrão brasileiro não seria economicamente viável:

– Nenhum país da Europa se atreveu a desenvolver um padrão digital sozinho. Eles se uniram e criaram o DVB. A política da cautela manda que sigamos os caminhos mais simples, já testados e corrigidos. E nosso mercado consiste em Europa e EUA, não China e Índia.

Ele diz que a fabricação dos componentes envolve milhares de especificações, que podem custar milhões de dólares, e montar um padrão brasileiro é uma decisão que só pode ser tomada por quem formula a política industrial.

– Aconselho nossos dirigentes a verificarem a complexidade da indústria televisiva na Zona Franca de Manaus.

Também para Murilo Pederneiras, consultor do Digital Broadcasting Experts Group (DiBEG), responsável pelo padrão japonês, o governo precisa estudar bem o caso. Ele diz que desenvolver um padrão próprio demandaria tempo e recursos demais e acabaria atrasando a implantação da TV digital no país.”

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“Modelos de China e Índia ainda estão em testes”, copyright O Globo, 12/01/03

“O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, cogita a possibilidade de o Brasil desenvolver um padrão de TV digital em parceria com países como China e Índia, que estão criando suas próprias tecnologias. Para analistas do setor, talvez não seja uma boa idéia. O motivo: os sistemas desses países ainda não estão prontos.

– Os padrões desses dois países não têm registro em nenhum organismo que regulamenta tecnologias. Com todo respeito, não acredito que consigam desenvolver algo tão bom ou próximo aos padrões que já existem – diz Nestor Almeida, diretor da Sterling do Brasil e conselheiro do International Broadcasting Convention (IBC), entidade que reúne especialistas em tecnologia. – Não vamos inventar a roda. A roda já foi inventada.

Por sua vez, o grupo Abert/Set (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão/Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão e Telecomunicações) já solicitou uma audiência com o ministro para discutir a TV digital no país. A instituição acompanhou o desenvolvimento e os testes de todos os sistemas. Segundo Liliana Nakonechnyi, vice-presidente da Set, diretora de telecomunicações da TV Globo e membro da Abert, desenvolver um padrão brasileiro só faria sentido caso nenhum dos existentes atendesse aos requisitos já identificados no Brasil e caso não fosse possível chegar a um acordo saudável de contrapartidas para o país com os detentores da tecnologia selecionada.

– Caso contrário, estaríamos gastando milhões e um tempo precioso, condenando a indústria de radiodifusão a perder mercado interno e a indústria eletroeletrônica a perder o potencial mercado externo.”

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“?Podemos ser padrão latino-americano?”, copyright O Globo, 12/01/03

“O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, está entusiasmado com a idéia de o Brasil criar um padrão de TV digital. Para ele, desenvolveria a indústria do país e geraria empregos. Mas o importante, diz, é que essa possibilidade seja discutida pelos vários segmentos da sociedade.

É mesmo viável o Brasil desenvolver uma tecnologia própria de TV digital?

MIRO TEIXEIRA: A idéia é pôr em debate essa possibilidade. Adotar uma tecnologia é uma deliberação do Estado brasileiro, e não exclusivamente do ministério. Até agora, a discussão estava limitada a três padrões de TV digital: o americano, o europeu e o japonês. Até se compreende isso, porque foram desenvolvidos e estão em exposição há mais tempo. Mas não existe consenso sobre a perfeição de todos eles. Acompanhei essa discussão e, ainda antes da posse, me ocorreu abrir esse debate. O que não quer dizer que vamos ter ou adotar um modelo brasileiro. Mas já tive manifestações da indústria, conversei com centros de pesquisa. Espero ter em 20 dias as primeiras impressões sobre essa possibilidade. Celso Amorim (ministro das Relações Exteriores) me disse que está encantado com a idéia e já pediu a embaixadores dados sobre a tecnologia de outros países.

Índia e China são países cotados para essa parceria?

MIRO: A Índia e a China, entre outros, começaram a desenvolver padrões próprios. Sobre a China, por exemplo, tive informações de que evoluiu para uma matriz tecnológica própria, o que evita o pagamento de royalties . Então imagino essa outra hipótese, de desenvolver em conjunto com esses dois grandes mercados.

Mas desenvolver um padrão não seria caro?

MIRO: Em sua maioria, não são investimentos públicos, mas privados. Além disso, poderá incentivar o desenvolvimento científico e tecnológico, a produção de componentes eletrônicos, de televisores etc., gerando empregos, reduzindo royalties e os preços dos televisores. A cada dia, estou mais convencido dessa possibilidade. Estou entusiasmado. E outro fator importante: podemos ser o padrão latino-americano.

E não haveria perda de tempo na adoção da TV digital?

MIRO: Não existe um tempo certo para que se adote uma tecnologia, qualquer que seja. Temos que fazer isso no tempo economicamente suportável. E é claro que vamos ouvir a indústria, os meios de comunicação, representações de usuários. Importante é não ter a fixação de ser o dono da verdade. Deve-se perceber que é uma discussão útil para o país e que, na pior das hipóteses, a de não haver um padrão brasileiro, pode-se adotar tecnologia estrangeira e, em contrapartida, negociar redução de alíquotas de exportação de produtos brasileiros, por exemplo. Nessa negociação bilateral, o país pode ter ganhos. Mas não podemos ficar quietos, só aceitando o que nos impõem.”

“Digital: aposta no conteúdo”, copyright Jornal do Brasil, 14/01/03

“Voltou à tona, no final da semana passada, um antigo componente da discussão sobre o padrão de TV digital a ser adotado no Brasil. Trata-se da possibilidade de desenvolvermos nosso próprio padrão, em vez de escolhermos entre as opções ofertadas pelos americanos, europeus e japoneses. Essa alternativa foi colocada pelo novo ministro das Comunicações, Miro Teixeira, na reunião que teve quinta-feira com o presidente da Anatel, Luiz Schymura. Ao contrário do que muitos jornalistas inferiram, tal possibilidade não é estranha à própria agência. Ela havia sido colocada há pelo menos seis meses, quando os testes em torno dos modelos existentes já estavam avançados. Por isso, e pela sua indiscutível carga de exotismo, não foi levada em consideração. O projeto do ministro, embora não detalhado, toma como base aquela proposta. Ela enxerga um padrão digital desenvolvido em conjunto com a China e a Índia. Os especialistas argumentam que o sistema chinês não chegou a ser homologado pela UIT. E a Índia adotou o sistema DVB-T, europeu.

Fora da esfera política, são poucos os que acreditam na possibilidade de haver tempo, dinheiro e capacidade técnica para desenvolver tal padrão. São em menor número ainda os que percebem algum benefício no desenvolvimento de um padrão digital sino-indo-brasileiro, mesmo que ele venha a se concretizar.

O principal argumento para isso foi dado pelo próprio ministro, quando se referiu ao padrão de cores PAL-M como um exemplo. Esse padrão, adotado no Brasil, resulta de um hibridismo entre o padrão americano NTSC e o europeu PAL. Foi a opção tomada nos anos 70 com o propósito de alavancar a fabricação de equipamentos no Brasil. Não é o que aconteceu. Durante algum tempo, videocassetes domésticos tinham que ser transcodificados no técnico da esquina, muitas vezes com danos irreversíveis ao aparelho. Equipamentos profissionais jamais chegaram a ser fabricados, nem no país nem fora dele. Até que a situação de fato prevaleceu e todo o procedimento de produção, pós-produção e reprodução, profissional ou doméstica, passou a ser feito no velho e bom NTSC, fácil e barato. De PAL-M, mesmo, só a codificação no momento da transmissão.

Apesar de operando desde 1998 nos EUA e na Europa (no Japão o digital terrestre entra em operação definitiva este ano), as plataformas digitais ainda engatinham. Ninguém tem alguma noção clara do caminho que o processo tomará, exceto por exercícios de premonição. De inquestionável mesmo, só o fato de que as plataformas digitais implicarão modificações radicais na demanda por conteúdo.

É justamente este que pode ser um bom direcionamento para a política de comunicações do país. O ex-ministro Juarez Quadros inaugurou a fusão das discussões sobre outorgas e conteúdos no projeto da Lei de Comunicação Social Eletrônica. Há um imenso caminho a ser percorrido. Trafegar por ele pode ser mais seguro do que mergulhar no desenvolvimento de padrões tecnológicos superiores aos que os americanos, europeus e japoneses vêm trabalhando há anos. E mais vantajoso, tanto ao nível de criação de empregos quanto de exportação industrial. A aposta no desenvolvimento de conteúdo, software, é segura e paga bem.”

“Cultura Digital”, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 13/01/03

“O novo titular da pasta das Comunicações, Miro Teixeira (PDT-RJ), assumiu retomando a promessa, tantas vezes repetida por outros ministros durante o governo anterior, de conectar todas as escolas públicas do país à internet.

O Ministério das Comunicações perdeu poder. Mas isso se deve não apenas à privatização e à posterior criação da Agência Nacional de Telecomunicações. Ocorreu nos últimos anos uma transformação tecnológica em escala global resumida na expressão ?cultura digital?. É raro o país que não busque atualmente a sua política de ?inclusão digital?. A tarefa é muito ampla, ultrapassando o alcance de um ministério ou de uma agência reguladora isolados.

O governo FHC avançou nessas áreas, mas não produziu uma política integrada de inclusão digital. Surgiram fundos públicos, como o Fust, cuja utilização foi prejudicada pelo ajuste fiscal e pela insuficiência das regras e das instituições que deveriam cuidar de sua distribuição.

A promessa de inclusão das escolas na rede mundial foi repetida à exaustão, mas não se resolveram questões estratégicas como a do software a ser utilizado. O debate sobre a escolha do padrão brasileiro para a televisão digital foi interrompido.

Em postos supostamente secundários do governo federal, como nas pastas de Comunicações ou de Ciência e Tecnologia, o governo Lula por enquanto apenas deu mostras de uma política que contempla partidos aliados sem que se consiga vislumbrar que estratégias integrarão essas áreas.Trata-se de setores sofisticados, imersos numa dinâmica de inovação e competição que não se enfrenta com slogans simpáticos como ?internet para todos?.

É necessário combinar na mesma estratégia as áreas de educação, cultura, ciência e tecnologia, desenvolvimento e comunicações. Está em jogo o futuro não apenas da escola ou da internet, mas dos jornais e das televisões, das universidades e das instituições de pesquisa.”