Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Antigos nautas, modernos internautas

LEITURAS ESCONDIDAS

Deonísio da Silva (*)

Num lindo monumento às margens do rio Tejo, em Lisboa, de onde partiram os audazes navegantes que levaram nossa língua, fortalezas, conventos e outras instituições relevantes a vários continentes, estão inscritos esses versos de Luís de Camões: "na quarta parte nova os campos ara, e se mais mundo houvera, lá chegara". E o corpo do poeta está ao lado do de Vasco da Gama à entrada do célebre Mosteiro dos Jerônimos.

O de Pedro Álvares de Gouveia, que não fazia jus ao sobrenome do pai (Cabral), com o qual passou à História como descobridor do Brasil, não está lá. Cabral não teve muita sorte. Primeiro, o rei não o perdoou pelo naufrágio de tantas embarcações na viagem que resultou no achamento de nossa terra. E nos tempos republicanos sua efígie, elaborada com muita imaginação, pois não havia dele imagem alguma, logo foi outra vez esquecida por obra da inflação que desmoralizou o barbudo na nota de mil cruzeiros.

Recentemente, porém, o escritor gaúcho Walter Galvani arrebatou o Prêmio Casa de las Américas com Nau Capitânea, biografia romanceada do injustiçado comandante, fixando-lhe o perfil com mais propriedade e isenção, depois de muitas pesquisas. Como, entretanto, "o Brasil não é para principiantes" e entre nós o sucesso pode ser ofensa grave, segundo Tom Jobim, o livro de Galvani, que vende uma edição por trimestre, não tem tido o reconhecimento que faz por merecer. Compreensível: o público leitor é bombardeado em tempos de crises por balas perdidas de todo lado, algumas das quais vêm de onde menos se espera. Que nome foi cogitado para a Academia Brasileira de Letras? O de Walter Galvani, não, malgrado seu livro ter surgido em meio às celebrações dos cinco séculos de nosso descobrimento. E nossas revistas e suplementos especializados em autores e livros gostam muito de encobrir o Brasil de leitores e escritores. Bem, o descobrimento continua! Sigamos em frente. Singremos em frente e compensemos a perda de muitas naus celebrando a memória dos navegantes!


"Ó mar salgado, quanto de teu sal são lágrimas de Portugal! (…)Valeu a pena? Tudo vale a pena/ se a alma não é pequena/ Quem quer passar além do Bojador/ tem que passar além da dor."


Fernando Pessoa, outro dos maiores poetas de Portugal, não se esqueceu de homenageá-los, enaltecendo seu papel na cultura lusitana, severamente criticada por Camões num momento de melancolia: "dá a terra lusitana Cipiões,/ Césares, Alexandros, e dá Augustos,/ mas não lhe dá, contudo, aqueles dões, cuja falta os faz duros e robustos".

Outras navegações

Todos os dias toneladas de mensagens invadem nossos endereços eletrônicos. Valem a pena? Respondo com Fernando Pessoa, temperando a melancolia de Camões. Apesar de faltar editores na internet, e esta falta ter conseqüências terríveis, volta e meia chegam textos cuja procedência e autoria são difíceis de ser identificadas. Transcrevo uma dessas mensagens quase anônimas, com o fim de deleitar, entreter e partilhar com os leitores o que os remetentes ? sem aqueles dões cuja falta os faz duros e robustos? ? manifestam em pontos, que são os seguintes:

1. Você tenta teclar sua senha no microondas;

2. Você não joga paciência com cartas de verdade há anos;

3. Você pergunta pela internet se seu colega ao lado vai almoçar com você e ele responde, também por mensagem eletrônica: “me dá cinco minutos”;

4. Você tem 15 números de telefone diferentes para contatar sua família de três pessoas;

5. Você navega e contata via chats várias vezes ao dia desconhecidos do mundo todo (Europa, Ásia etc.) mas não falou nenhuma vez com seu vizinho este ano;

6. Você compra um computador de última geração e seis meses depois ele já está ultrapassado;

7. O motivo pelo qual você perdeu o contato com seus amigos e colegas é porque eles têm um novo endereço na internet;

8. Você não sabe o preço de um envelope comum;

9. Para você, ser organizado significa ter vários bloquinhos de cores diferentes;

10. A maioria das piadas que você conhece, você as recebeu pela internet;

11. Você fala o nome da firma onde trabalha quando atende ao telefone em sua própria casa;

12. Você digita o número zero para telefonar de sua casa;

13. Você senta há poucos anos no mesmo escritório e já trabalhou para muitas firmas diferentes;

14. Você vai ao trabalho quando ainda está escuro, volta para casa quando já escureceu de novo;

15. Seus pais o apresentam aos amigos assim: "ele trabalha com computadores…";

16. (Essa é de matar… e pior que é verdade) Você reconhece seus filhos graças às fotos que estão em cima da escrivaninha;

17. Quando seu computador pára de funcionar parece que foi seu coração que parou. Você fica sem saber o que fazer, sente-se perdido;

18. Não lembra quando foi a última vez que viu uma folha de papel carbono;

19. Você leu esta página e balançou positivamente a cabeça em alguns pontos;

20. Você já está pensando para quem você vai enviar esta mensagem. É a vida… fazer o quê?"

Mas, ainda que mal pergunte, você aceita sugestões de leitura? Não quer ler o que já escreveram sobre outros navegantes que tinham com você pontos em comum, entre os quais a busca do novo? No momento, me ocorre como fecho deste artigo a resposta de um famoso escritor à pergunta se ele era pós-moderno: "Sou pós-antigo".

(*) Escritor e professor universitário; seu romance mais recente é Os Guerreiros do Campo