Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Antônio Brasil

EDUCAÇÃO & JORNALISMO

“Univerçidade, fraudes e videotape”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 19/05/03

“O nome da Universidade Estácio de Sá está cada vez mais presente na nossa imprensa. Infelizmente, a instituição não prima pelas realizações acadêmicas. A presença maciça na mídia é garantida com o gasto de verdadeiras fortunas em muitos anúncios veiculados nos mais importantes jornais de circulação nacional e pelo envolvimento em escândalos dignos das páginas policiais desses mesmos jornais.

Uma coisa é certa. A Estácio está sempre se superando, tanto no grande número de alunos, produto de um marketing cada vez mais agressivo, quanto no tamanho dos problemas que se envolve com uma freqüência assustadora.

Agora mesmo está às voltas com mais um caso policial: o tiroteio no campus da rua do Bispo, no Rio de Janeiro. O crime pode ter deixado como vítima, uma estudante de 19 anos que provavelmente vai ficar tetraplégica. O incidente parecia ser igual a tantos outros que insistem em acontecer no Rio de Janeiro da violência e dos traficantes. Os culpados eram os mesmos de sempre: os bandidos dos morros cariocas que teriam atirado na pobre estudante a sangue frio e sem maiores explicações. A destemida universidade tinha sido mais uma vítima das ameaças desses terríveis criminosos. Mas logo nas primeiras investigações da polícia, começaram a surgir inúmeras contradições em depoimentos dos funcionários da instituição e diversas provas do crime começaram a desaparecer misteriosamente. O que era para ser mais um incidente carioca está virando uma verdadeira trama de novela de TV.

Pelo jeito, na Estácio, vale tudo. Todos os dias somos surpreendidos com mais denúncias de fraudes, muitas mentiras e imagens de vídeo adulteradas. Mas, apesar do envolvimento evidente da universidade Estácio de Sá, fica também claro que a cobertura da imprensa parece estar ?pisando em ovos? ao tratar do envolvimento do grande e poderoso anunciante. Ah, se os mesmo fatos estivessem acontecendo em uma universidade pública, por exemplo. Já imaginaram o tamanho do escândalo e das denúncias?

De qualquer maneira, a cada dia que passa, a Estácio está cada vez mais enrolada nas investigações policiais. Segundo o jornal O Globo deste domingo, o responsável pelo tiro na estudante não seria um traficante. Mas, sim, um inspetor de polícia identificado como Marco Ripper. O problema é que diversas testemunhas afirmam que ele também é contratado da Estácio como ?responsável? pela segurança da universidade. Todos negam tudo. A polícia agora investiga as contradições dos depoimentos dos acusados. De qualquer maneira, por coincidência, o inspetor também é cunhado do recém empossado chanceler da universidade, o famoso jornalista, ex-crítico de TV de O Globo, ex-senador da república, Artur da Távola. Quem diria, o velho senador acabou na Estácio! Mais uma grande jogada de marketing da fábrica de diplomas.

Mas, infelizmente, parece que a experiência traumática, as tentativas apressadas de justificar o crime à imprensa e aos alunos, ou seja, explicar o inexplicável, não devem ter-lhe feito bem à saúde. Por ironia do destino, o velho jornalista acabou internado com problemas cardíacos no mesmo hospital onde a jovem estudante Luciana Gonçalves de Novaes luta pela vida. Ambos têm em comum o envolvimento desastroso com uma instituição de ensino muito polêmica que está sempre envolvida em diversos escândalos.

Vamos aproveitar a oportunidade e relembrar alguns fatos recentes divulgados pela imprensa que descrevem os antecedentes da longa ficha policial, quero dizer, da longa trajetória educacional da Universidade Estácio de Sá:

1. Traficantes foram presos no campus da Estácio há alguns anos atrás. Eles foram surpreendidos pela polícia residindo no sótão do Hotel-Escola da própria universidade. Segundo dirigentes da instituição, ninguém sabia da presença dos criminosos e a segurança da universidade não havia notado nada de anormal.

2. Em polêmica entrevista ao jornal Folha Dirigida, o fundador da Estácio, João Uchoa Netto, declara que ?a ignorância é uma opção que deveria ser respeitada e que a pesquisa acadêmica no Brasil é uma ?inutilidade pomposa?. O conteúdo explosivo dessa entrevista ainda pode ser acessado na internet neste endereço. É imperdível e inacreditável!

3. Desaba a passarela do novo campus da Estácio na Barra em dia de vestibular. Segundo a cobertura da imprensa na época, a universidade ainda não tinha autorização da prefeitura para funcionar. Vários estudantes ficaram feridos no acidente.

4. Estácio promove festa para ?conquistar? calouros de outras universidades que acaba em ?quebra-quebra?! Milhares de jovens tentavam entrar no parque Terra Encantada, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde a bebida estava liberada quando o tumulto começou. Diversas instalações do parque foram destruídas e muitos estudantes sofreram ferimentos graves.

5. Apesar de ter sido demitido pela CNN por falsear notícias, a Estácio concede prêmio ao jornalista, correspondente de guerra, Peter Arnett em grande cerimônia e divulga nos seus diversos programas de auto-promoção da TV Universitária do Rio de Janeiro. O polêmico jornalista ainda seria demitido novamente da rede de TV americana NBC e pelo jornal inglês Daily Mirror por conduta anti-ética durante as poucas semanas da guerra no Iraque. Um recorde de demissões no mesmo conflito em tão pouco tempo. Para a Estácio o jornalista acusado de fraudar notícias é um herói!

6. Vestibular da Estácio aprova candidato analfabeto. Sem comentários! Todo mundo ainda se lembra do escândalo.

7. Tiroteio na Estácio atinge aluna de 19 anos. Segundo declaração dos médicos, após 3 cirurgias, a vítima tem poucas chances de recuperar os movimentos dos braços e das pernas. A bala que atingiu a estudante foi disparada de dentro do campus da universidade e é do mesmo calibre da arma utilizada pelo principal suspeito, o inspetor de polícia Rieper.

Ou seja, para os dirigentes da Estácio o importante é estar sempre em evidência e seguir o lema: ?falem mal, mas falem da Estácio?. Pelo jeito, priorizam um marketing cada vez mais agressivo que justifica tudo ao seduzir um número cada vez maior de alunos a ingressarem de qualquer maneira na gigantesca universidade. A qualidade do ensino é no mínimo duvidosa. Mas os fins mercadológicos sempre justificam os meios. As universidades privadas como a Estácio, em um país com sérios problemas de fiscalização no setor educacional como o Brasil, podem ser polêmicas, mas são sempre muito lucrativas. O pior é que ao contrário do ensino público gratuito de qualidade, essas fábricas de dinheiro se espalham por todo o país.

Mas a Estácio não está nunca satisfeita. Agora mesmo, investe pesado em um reconhecimento acadêmico e quer reverter o quadro adverso junto ao público e à imprensa. Na mesma edição de O Globo que trata das novas denúncias do envolvimento da Estácio com o inspetor suspeito, anuncia um grande seminário ?internacional? de jornalismo. Estão sendo convidados jornalistas e pensadores acadêmicos importantes para participar do evento que tem um sugestivo tema em forma de uma indagação: ?Jornalista precisa de diploma?? Muito conveniente. É claro que a Estácio também está muito preocupada com a obrigatoriedade de um diploma que certamente tem lhe garantido altos lucros. Mas já que estamos em climas de perguntas, poderíamos começar sugerindo aos organizadores do seminário de jornalismo algumas questões sobre a própria Estácio para serem discutidas durante o evento.

O que estaria fazendo um policial armado dentro de uma universidade com tantos alunos em horário de aula? Por que a Estácio se vangloria de ter tantos alunos entulhados em um campus tão pequeno, inseguro e tão próximo de uma das mais violentas favelas do Rio de Janeiro? Este número de alunos não seria excessivo para as condições de ?insegurança? do local? Por que as imagens das diversas câmeras da TV da Estácio foram adulteradas de forma tão rápida e grosseira? Quem autorizou a fraude? Qual era o conteúdo tão comprometedor dessas imagens? A Estácio possui equipamentos, pessoal especializado e condições técnicas em seus núcleos de TV para fazer esse tipo de adulteração? Os dirigentes da universidade estão cientes de que adulterar provas é crime? Não adianta os dirigentes da universidade dizerem que não têm nada a ver com isso, que a culpa é dos funcionários da empresa de segurança. Mas, afinal, quem é o responsável pela contratação dessa empresa? Quais foram os critérios utilizados para a sua seleção? Segundo o Fantástico deste domingo, uma fita de vídeo com imagens provavelmente adulteradas do campus da universidade no dia do crime surgiu misteriosamente em um banheiro da instituição. O problema é que a localização da fita já tinha sido registrada pelo livro de ocorrências desde sexta-feira. Por que a fita só foi liberada para polícia após vários dias? Teria sido para apagar alguma cena comprometedora? Tudo muito estranho, não acham? Quem diria que um dia uma universidade brasileira estaria envolvida em tantos ?escândalos policiais?!

Pelo jeito, os participantes do seminário de jornalismo terão outros temas muito mais importantes para discutirem, além da mera obrigatoriedade do diploma de jornalismo para a prática profissional.

E num cenário de grande violência na heróica e valorosa cidade do Rio de Janeiro também seria interessante discutir a possível contribuição da Estácio para essa situação de violência. Mas também gostaria de aproveitar a ocasião para sugerir uma ótima ?jogada? de marketing aos jovens e ambiciosos dirigentes da Universidade Estácio de Sá. Que tal aproveitarem o momento adverso junto ao público e à mídia para trocarem o nome da instituição? Ao invés de comprometerem o nome do fundador da cidade, o velho e heróico Estácio de Sá, por que não aproveitar a oportunidade para homenagear o próprio fundador da universidade carioca. Considerando as suas declarações sobre o ensino superior, creio que a homenagem seria bem mais apropriada. O fundador da cidade do Rio de Janeiro certamente não merece ter o próprio nome envolvido em tantas polêmicas e em tantos casos de policia. Deve estar muito envergonhado, dando voltas no túmulo! E será que o Rio de Janeiro ou o Brasil realmente precisam de universidades como a Estácio?”

 

JORNAL DA IMPRENÇA

“Besteiras es-pe-ta-cu-la-res”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 15/05/03

“Diretor da sucursal brasiliense desta coluna, o implacável Roldão Simas Filho folheava o Almanaque Brasil e deparou com tantas e tamanhas digressões acerca do Dia do Trabalhador que não descansou a pena e escreveu aos redatores da, com licença da palavra, obra:

?O primeiro parágrafo do texto sobre o 1? de maio diz que é a chegada da primavera na Europa, que os antigos romanos agradeciam às deusas Flora e Maia pelas flores e cereais e que, na Idade Média, escravos e camponeses eram liberados do trabalho. Isso não tem nada a ver com a comemoração do Dia do Trabalhador. Além de ser incorreto astronomicamente, pois a primavera na Europa começa em 20 de março, o dia 1? de maio fica no meio da primavera.

As quatro linhas deveriam informar sobre a origem da comemoração do Dia do Trabalhador nesta data, o que não é mencionado.

O Dia do Trabalhador foi fixado em 1? de maio pela Segunda Internacional Socialista, realizada em Paris em 1889, em homenagem aos Mártires de Chicago, os oito líderes operários condenados à morte por dirigirem a greve pela redução da jornada de trabalho em 1886?.

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Aulinha de história

O leitor Carlos Veiga Valladares pede desculpas pelo atraso no envio da notinha que leu na coluna do Claudio Humberto, em pleno Carnaval, entre caninhas e chopes vários: ?Corda no pescoço – Comentário de um assessor do ministro do Planejamento, Guido Mantega, às vésperas do Carnaval: ?Se o povo soubesse o que FhC fez com os fundos de pensão, seu destino seria, no mínimo, igual ao de Mussolini: pendurado num galho de árvore?.

Meu secretário adorou: ?Considerado, não era só o Carlos Veiga Valladares quem estava enfiado na caninha e no chope; Claudio Humberto, também; afinal, Mussolini não foi enforcado num galho de árvore, porém amarrado pelos pés, juntamente com a amante, num poste de iluminação?. É verdade. Lá está, à página 285 do quarto volume de Ascensão e Queda do Terceiro Reich, indispensável Curso de História do jornalista William L. Shirer.

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Copacabana Palace

Chegou às nossas ávidas mãos o livro/álbum sobre o Copacabana Palace, este símbolo do bom e velho Rio de Janeiro, que completa 80 anos de existência. É uma obra de arte especialíssima, certamente o melhor de todos os lançamentos da Dórea Books and Art (DBA); jóia para se guardar e consultar. O texto, excelente, é do nosso considerado Ricardo Boechat, que conhece a história do hotel como poucos. Aliás, por falar no Boechat, tenho recebido mensagens que perguntam pela ?briga? entre este colunista e o do JB. Pois respondo que não existe e nunca existiu briga alguma. Houve apenas um mal-entendido, resolvido numa simples troca de e-mails. Ricardo Boechat, jornalista competente e honesto, é, principalmente, um cavalheiro.

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Mais uma do Roldão

De: Roldão Simas Filho

Para: Redação do Correio Braziliense

Assunto: Assembléia da CNBB

Data: sexta-feira, 9 de maio de 2003 16:31

Na página 14 o Correio de 9 de maio informa que a Assembléia Geral da CNBB realizou-se em Itaici, em Indaiatuba (sic). Afinal, onde foi? Em Itaici ou em Indaiatuba? E em que estado brasileiro fica tal localidade (ou município)?

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Não é pra comer

Nossa considerada Auri leu no Diário da Manhã, de Goiânia, logo abaixo do título Soja goiana pode virar até calcinha: ?Duloren cria lingeries ecológicas, fabricadas com fios de soja que não são comestíveis?. Distraído, pois cuidava da ração do nosso burro Fabrício (que se alimenta, preferencialmente, de farelo de soja transgênica), Janistraquis escutou minha leitura do despacho da Auri e lamentou: ?Pô, considerado, mas se as meninas vestirem calcinha de soja e a gente não puder comer, não tem graça, é até sacanagem!?. Concordo plenamente.

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Lições de futebol

Esta coluna cumprimenta a ESPN Brasil pela contratação de Roberto Porto, o qual brilha no programa ?Loucos Por Futebol? desde a semana passada. Robertão, botafoguense que nem a ?segundona? consegue abalar, deu um show de competência em sua estréia, com fotos e documentos da verdadeira paixão nacional – e, mais ainda, com sua memória, riquíssimo arquivo de tudo o que se jogou aqui, desde que Charles Müller nos trouxe ?o vírus é bola?, como diz Janistraquis num trocadilho pra lá de infame.

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Nota Dez

Nosso considerado Elio Gaspari escreveu a melhor da semana, em O Globo: ?Para quem trabalha, a vida está dura. Para quem vive de juros, ela continua maravilhosa. Entre 1989 e 2001, a renda nesse mundo de

afortunados foi remunerada a taxas que, como lembra o vice José Alencar, ?em determinados casos a gente poderia tachá-las de assalto?. Diziam que um governo petista mudaria isso.?

Errei, sim!

?CABRAS MACHOS – Esta é do Jornal do Commercio, do Recife. A foto mostrava quatro marmanjos a mexer em instrumentos de percussão e a legenda dizia: ?As alunas do Centro de Atividades Maria da Conceição aprendem a costurar na oficina?. Foi de lascar. Indignado, Janistraquis explodiu: ?Como pernambucano, quero registrar o meu protesto; a legenda do Jornal do Commercio transmite a impressão de que a gente não sabe a diferença entre um cabra safado e uma filha de Maria!?.”

 

CRÔNICA

“É verdade: eu não trabalho”, copyright O Estado de S. Paulo, 18/05/03

“Tenho relutado muito em aceitar a dura realidade, convicção da própria família. Na opinião de todos os que sequer mal ouviram falar em mim, quanto mais dos que conheço de perto, eu não trabalho. Está aqui, fanada e marronzinha, vítima dos tempos, minha primeira e única carteira do Ministério do Trabalho. A cara de fato não faz inspirar muita fé nem na minha diligência nem na minha inteligência, embora eu não tivesse bigode na época, o que me acrescenta hoje, na foto do passaporte, um pouco a aparência de contrabandista de maconha ou seqüestrador de avião, que podem não ser ofícios lícitos, mas pelo menos são trabalho, imagino eu.

Claro, nem sempre foi assim. Quando eu tinha 17 anos, meu pai, democrata público e autocrata doméstico, me convocou a sair e me botou para trabalhar num jornal, em Salvador, sem, obviamente, fazer nenhuma sondagem de opinião quanto a meu ponto de vista sobre o assunto. Eu vivia tirando umas notinhas boas em redação no colégio e ele achou de testar aquilo. Metido a redigir bem, que fosse ser jornalista, no tempo em que os colegas bem mais antigos ainda usavam caneta para escrever as matérias e era feio não se empregar o plural de modéstia, quando o autor se referia a si mesmo. Meu jornal era moderníssimo e, embora eu nunca tivesse encarado um teclado de máquina na vida, fui obrigado a assumir um, onde minha primeira matéria, de menos de duas laudas, levou umas quatro horas para ser escrita, entre suores frios e a certeza de que meu pai já estava com minha passagem só de ida comprada para a Sibéria, no caso de fracasso na tentativa.

Sim, dessa época em diante trabalhei um pouco, não se pode negar. Fui até professor e, premido por duras exigências financeiras em conseqüência de um namoro acima de minhas posses, cheguei até, de paletó e gravata, a vender livros (melhor vender do que escrever, creiam em mim), no tempo em que as pessoas deixavam alguém entrar em suas casas para vender livros, ou qualquer outra coisa. Ficava meio cabreiro, até porque nunca soube vender nada, mas ia lá e cumpria. O sertanejo era antes de tudo um forte e eu lia sempre, na Seleções do Reader?s Digest, que vários livreiros e editores zilionários americanos haviam começado suas carreiras assim.

Mas chegou o dia em que resolvi, de novo meio no estilo Seleções, viver do que achava que sabia fazer direitinho, ou seja, escrever. Não viver de escrever livros, coisa para três ou quatro gatos pingados em todo o mundo, mas de escrever o que pintasse. Nas fases mais duras, até receita de espaguete e bula de remédio, não enjeitava nada. Até hoje, tem gente que pensa que, além de não trabalhar, vivo de livros, ao que respondo que, da grana que a distinta amiga ou o simpático cavalheiro pagam ao livreiro, o escritor leva 10%, após uma certa espera. Isso mesmo, 10%, embora todo mundo ache que leva tudo. Para não falar que escrever livros não dá trabalho nenhum. Eu sou massageado às 9 da manhã por uma especialista tailandesa, saboreio um breakfast igualmente exótico, viro um gênio do mercado e dito à Miss Jenkins, minha secretária inglesa, inúmeras páginas magistrais, que logo se publicarão, venderão mais que pão quente e acabarão por me afogar em dinheiro.

O resto do tempo sobra para quê? Para o consumo de quantidades industriais de uísque de cinco milhas a garrafa, charutos de US$ 2 mil e altos papos com quem quer que esteja em notoriedade no momento. (Preciso, aliás, responder aos telefonemas da Giselle Bündchen urgentemente, já está ficando chato a moça telefonar e eu não retornar, ela só quer um autógrafo.) Sim, e finalmente a parte principal do dia, que é examinar o que, carinhosa e afetuosamente, chamo de ?meu expediente?.

É pouca coisa. O carteiro que passa aqui deve me odiar, porque está virando gradualmente o corcunda de Notre Dame. São alguns originais, chegados de todo o Brasil, para minha ?leitura e encaminhamento?, como sugerem muitos dos autores. Ou seja, eu largo qualquer coisa que possa estar não fazendo no momento, agarro avidamente aqueles originais, lei-os sem conseguir parar para respirar, saio às janelas para proclamar novo gênio literário, publico o livro em uma das minhas editoras, ele vende aos milhões, o autor passa a ser disputado pelas melhores mulheres do mundo e negocia os direitos para Hollywood por US$ 120 milhões. Não importa que cheguem cinco ou seis originais num dia só, dá tempo para tudo isso, é minha função mesmo e, além disso, adoro bancar o agente literário, é a profissão mais mole do mundo, depois da de escritor.

Em seguida, vêm as cartas. Antigamente, eu passava o sábado e o domingo respondendo às cartas. Achava chato ignorá-las ou responder com cartas pré-escritas, como faz muito escritor que eu conheço. Mas agora não tem mais jeito, agora o sábado e o domingo não dão – e o resto da semana também, não, embora ninguém acredite nisso, porque não faço nada. Fiquei metido a besta de repente e, além disso, como desincumbir-me dos meus compromissos diários em colégios, faculdades e entidades diversas, inclusive (sic) hospitais? E grupos escolares, onde eu faria a felicidade eterna (até a hora do recreio) de uma porção de pequerruchos cujo ideal de vida é apertar minha mão e me beijar como só criança sabe beijar?

Olho para cima aqui neste gabinete, contemplo parte da montanha de coisas que acabo de mencionar, e suspiro. Apareceu um probleminha novo, formigas no computador. É, não vou poder fazer nada disso de que falei, virei um monstro insensível e ocioso e agora vou me dedicar a matar essas formigas. Sofrerei reprimendas do Ibama? Sofrerei mais o quê? Ah, nós, escritores e monstros sagrados, não temos que nos preocupar com essas coisas bobas, Miss Jenkins cuida do resto. Ou será que Miss Jenkins não deveria também cuidar dessas formigas? Na Bienal agora, terei sido informado sobre se secretárias inglesas matam formigas de computador, porque, se matam, nem isso mais eu vou fazer.”