Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Antonio Brasil

GOVERNO LULA

“A BBC, o governo britânico e a Radiobras”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 3/10/03

“Afinal, o que a BBC, o governo britânico e a Radiobras teriam em comum? Muito simples. Todos estão sob intenso ataque da mídia e sofrem enormes críticas sobre o seu verdadeiro papel na sociedade.

Esta semana terminou a fase de depoimentos do inquérito Huttton que investiga a morte de um alto funcionário do governo britânico, especialista em armas que teria se suicidado. David Kelly forneceu informações consideradas sigilosas e embaraçosas pelo ministério da defesa britânico a jornalistas da BBC sobre o potencial militar do Iraque. O caso virou uma verdadeira novela televisiva, com algumas cenas de ?baixaria? nos últimos capítulos, quero dizer, nos últimos depoimentos. Os advogados da família do cientista britânico chegaram a insultar o ministro da defesa, Geoff Hoon com gritos de ?hipócrita e mentiroso!?.

Nesse embate, de um lado está a toda poderosa BBC e do outro, o governo ?trabalhista? de Tony Blair. O capitulo final dessa novela deve acontecer nos próximos dias. Lorde Hutton deve apresentar seu relatório e certamente vai causar inúmeras vítimas em ambos os lados. Em luta pelo direito a informação independente e pela capacidade de influenciar a opinião pública, vale tudo. Ninguém é completamente inocente. Mas certamente os britânicos terão muito a aprender sobre os procedimentos considerados ?duvidosos? de apuração jornalística da BBC e sobre as tentativas do governo britânico de distorcer ou manipular essas mesmas informações. Trata-se de uma luta entre a pratica jornalística e o governo. Os dois não deveriam se misturar jamais sob o risco de se transformar em ?propaganda institucional? ou ?relações publicas?.

A BBC sempre foi uma referência internacional de qualidade em jornalismo, mas suas práticas jornalísticas, o seu enorme poder e custos cada vez maiores nunca foram motivos de investigações sérias e independentes. Assim como o governo, é considerada uma instituição acima do bem e do mal. Mas a BBC sempre foi considerada uma grande ameaça até mesmo para os governos mais populares.

Hoje, o mundo está envolvido em uma guerra contra o terrorismo e contra muitas liberdades consideradas incômodas pelos novos donos do poder. E nesse caso especifico, a velha BBC pode ter dado motivos para que seus inimigos e competidores exerçam um controle maior sobre o seu futuro e sobre a sua independência. Insisto, Jornalismo e governo não deveriam se misturar. A nossa história recente está repleta de tentativas de controle, manipulação e até mesmo de convívio amistoso ou indiferente. Mas, jornalismo ?de verdade? e governo ?ambicioso?, certamente, não se misturam.

Mas o que isso tem a ver com a nossa Radiobras? Tudo a ver, minha gente. Nos últimos dias, o jornal O Estado de SP denunciou a criação de uma supermáquina de informação por parte do novo governo. Só a Radiobras disporia de 1.150 funcionários (pasmem!), ao custo de R$ 90 milhões por ano. Mas segundo o secretario de imprensa da Presidência da Republica, o nosso colega Ricardo Kotscho, a história não é bem assim. A estrutura que foi montada no Palácio do Planalto é para a ?produção de noticia? (sic), visa a alimentar um site na internet e não abastecer uma agência noticiosa. Não entendi. Enquanto isso, o ministro Luiz Gushiken teria cerca de R$150 milhões em comunicação institucional do governo.

Enquanto isso, o assessor especial do ministro, o renomado jornalista e professor Bernardo Kucisnky, viaja para a Inglaterra e para os EUA ?para observar e estudar os sistemas de comunicação do governo americano, em especial na Casa Branca e no Departamento de Estado? e chega a surpreendente conclusão que ?eles (americanos e europeus) nem sabem o que é propaganda institucional?. Kucisnky constatou em suas pesquisas que ?o governo americano, como os europeus, relaciona-se com a opinião publica por intermédio dos meios de comunicação, tendo jornalistas como interlocutores?.

Ou seja, deve estar sobrando dinheiro em Brasília. Mas, também alguns vão alegar que, em terra de Ratinho, Gugu, Faustão e do todo-poderoso JN, ?quem não faz… leva?. Ou seja, para enfrentar ?baixarias? ou desinformação, a única solução é criar novas estruturas de informação, de preferência com verbas públicas. Ou seja, querendo ou não, nós somos obrigados a financiar com os nossos impostos, as alternativas de informação do próprio governo. E tem gente que ainda acredita que acha que a Voz do Brasil é ruim, desnecessária e só sobrevive porque é estatal e obrigatória. Agora imagine uma poderosa agência noticiosa nos moldes da Voz do Brasil.

Enquanto todos reclamam da falta de recursos em todos os setores do governo, principalmente na educação, lemos notícias sobre os novos projetos da Radiobras. No entanto também lemos sobre o sucateamento da Rádio Nacional. Faltam recursos para consertar ou renovar seus velhos transmissores. A emissora, pelo jeito, deve fazer parte da velha Radiobras. No Brasil é sempre preferível criar algo novo do que conservar o que já temos. É melhor criar uma nova proposta de agência noticiosa nacional do que prestigiar modelo estabelecidos como a TV Cultura de SP. A emissora paulista, apesar de igualmente dependente da ?boa vontade? dos governos estaduais, ainda é provavelmente a melhor, mais independente e confiável das nossas emissoras de TV. Assim como tantas coisas boas no Brasil, a educação pública, por exemplo, a TV Cultura luta pela própria sobrevivência. Em tempos de pensamento único, uniformes e patriótico, ninguém parece realmente interessado em ?independência?. As notícias sobre mudanças radicais que nunca chegam e promessas a serem cumpridas não convivem com um jornalismo independente.

Mas afinal, para que serve uma agência de comunicação institucional como a Radiobras? O próprio presidente da Radiobras, Eugenio Bucci, disse em mais desses inúmeros e caríssimos seminários de jornalismo que discutem muito, prometem mais ainda e apresentam tão poucas soluções que ?teria respaldo do governo para profissionalizar, produzir conteúdo objetivo e fornecer dados para a formação da consciência critica do cidadão?. Mas que, infelizmente, ?a dificuldade seria a própria cultura do jornalismo oficial?. Segundo ele, ?tradicionalmente as empresas de comunicação publica do Brasil foram concebidas, administradas e entendidas como uma extensão da maquina de propaganda dos interesses do governo e que isso seria uma distorção?. Mais adiante diz estar comprometido em fazer da Radiobras uma empresa pautada pelo direito a informação, não pela propaganda. ?Em todas as democracias sólidas, a presença de comunicação publica é sólida?. Sinceramente, não entendi. O que seria uma comunicação pública sólida ou até mesmo uma democracia… Sólida. Os estados físicos da natureza não deveriam influenciar a Democracia. Em tempos da ditadura, os militares insistiam que estavam criando uma democracia ?à brasileira?. Na Radiobras do Brasil de hoje, talvez estejamos vivendo em uma democracia ainda líquida ou quem sabe até… gasosa! Mas, certamente, governo e jornalismo de verdade não se misturam.

Sinceramente, não acredito em promessas de independência de noticiário controlado e financiado pelo governo. Também não creio que seja prioridade do governo gastar enormes verbas para tornar se utilizar do ?jornalismo?. O resultado, para quem não é ingênuo, será sempre tendencioso, ideológico e partidário. Objetividade em jornalismo requer independência financeira. Jornalismo independente e governo é um paradoxo!

Para nós brasileiros, é importante voltar os olhos para o embate entre a BBC e o governo britânico. É preciso compreender que a BBC possui alguma independência porque tem seus recursos garantidos pelo pagamento de licenças por parte do público britânico. Ou seja, a independência jornalística custa caro, mas o ônus recai sobre o público. Assim como os impostos sustentam o governo, licença de TV pública britânica garante a maior parte dos recursos da BBC. Mas governo e jornalismo não se misturam.

Essa ?quebra-de-braço? entre a independência da BBC e o desejo do governo britânico de impor ?limites? a esse poder é um grande alerta para todos nos brasileiros. O modelo centralizador da produção de noticias pela Radiobras sob controle direto do governo pode significar um retrocesso na prática jornalística brasileira. Jornalismo e governo não se misturam. Mas, se a questão é simplesmente garantir um monte de empregos bem remunerados para milhares de colegas jornalistas em tempos de crise e desemprego, então tudo bem. Vamos em frente. Todos a bordo de mais um ?trem da alegria?. Mas se estamos realmente interessados em mudanças verdadeira que não sejam confundidas com meras promessas, poderíamos repensar o próprio conceito de ?comunicação institucional? sustentada por verbas públicas milionárias.

Mas os ?trabalhadores? brasileiros no poder poderiam aprender muito com os colegas ?trabalhistas? britânicos. A Radiobras e a BBC não tem nada em comum. E aqui entre nos, em tempos de guerras contra terrorismo ou mesmo contra a fome, jornalismo independente e investigativo incomoda e pode ser muito perigoso. Mata inocentes, derruba governo ou perde eleições!”

“Reportagem contra Gushiken leva AGU a acionar repórter de pequeno jornal”, copyright O Globo, 4/10/03

“O ministro da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica (Secom), Luiz Gushiken, acionou a Advocacia Geral da União (AGU) para interpelar judicialmente uma repórter de um pequeno semanário de Brasília, o ?Planalto Central?, porque se sentiu desrespeitado na função que exerce no governo. Segundo a Secom, Gushiken se sentiu ofendido com uma reportagem sobre suas supostas ligações com fundos de pensão. A reportagem, intitulada ?A irmandade dos fundos de pensão?, chega a chamar Gushiken de ?o PC do esquema de privatização da Previdência?, numa referência a Paulo César Farias, o PC, que foi tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor.

Em sua próxima edição, o jornal deverá publicar uma defesa de Gushiken, um texto usado pela Advocacia Geral da União na apresentação da interpelação, como forma de evitar qualquer futuro processo. Segundo a secretaria, a AGU foi chamada para defender Gushiken porque é mencionada a sua função de ministro de Estado. Gushiken, segundo seus assessores, considerou a reportagem ofensiva e desqualificada.

A Secom negou que o uso da AGU possa ser interpretado como uma tentativa de intimidação e de uso da máquina pública em caráter particular, argumentando que a própria Advocacia Geral da União considerou que era o caso de defender Gushiken por ele ter sido citado como uma autoridade do primeiro escalão.

Gushiken espera explicações de autora da reportagem

O ministro não teria sido procurado pelo jornal para falar a respeito. A reportagem expõe supostas ligações de Gushiken com o mercado de aposentadoria complementar, que teria interesses na reforma da Previdência.

Após receber as explicações da jornalista, Gushiken decidirá se processará ou não o jornal por crime contra a honra. A repórter Maria Carla Lisboa, do ?Planalto Central?, foi interpelada pela 12? Vara da Justiça Federal em Brasília.

A reportagem, publicada na edição de 13 a 19 de agosto do semanário, foi feita com base em um livro do diretor jurídico do Sindicato do Poder Legislativo, Magno Mello, chamado de ?A face oculta da reforma previdenciária?.

A Secom disse que Mello não foi citado na interpelação, mas que poderá ser, no futuro, alvo de uma ação. No livro, o sindicalista relata episódios relacionados à Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, e revela uma suposta vinculação de Gushiken com o fundo. Gushiken é conhecido no PT como um especialista em Previdência.

O ?Planalto Central? foi criado há um ano e meio e é distribuído em gabinetes de parlamentares e em escritórios públicos.”