Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Antraz coloca a mídia na linha de frente

GAVETA 11 DE SETEMBRO
Edição 143 # 17/10/2001


Alberto Dines

No intervalo entre a redação deste texto e a sua divulgação pela internet os dados numéricos poderão sofrer alterações. Mas os primeiras doze casos de ações bioterroristas nos EUA ? com esporos de antraz ou não ? comprovam que o alvo agora é a mídia. Ou o ânimo da mídia.

O depoimento da repórter Judith Miller, especialista em guerra bacteriológica, ela própria vitimada por uma das ações intimidoras, é suficiente [ver Aspas, nesta edição].

O caso ocorreu na sexta-feira, 12/10. Os primeiros exames mostraram que o pó branco do envelope era inofensivo. Antraz negativo, mas a carta ameaçadora ? em português ? é concreta. Prova positiva de intimidação.

Mesmo que em alguns episódios (como este) o tal pó seja inofensivo, o simples fato de ter sido remetido para jornalistas ou empresas jornalísticas depois de um caso fatal no The Sun, da Flórida, denota a clara intenção de intimidar aqueles que neste momento ocupam uma posição crucial na guerra contra o terrorismo.

Não pode ser minimizado o fato de a vítima ser autora de um importante livro sobre guerra biológica, recém-publicado (setembro de 2001) e muito comentado na mídia depois do 11 de setembro. Também não pode ser desprezada a informação de que Miller é uma veterana no Oriente Médio com um livro sobre o assunto (publicado em maio de 1997).

Anotem os títulos, que estão disponíveis nas livrarias virtuais:

** Germs: biological weapons and America?s Secret War

** God has 99 names: reporting from the militant Middle East

Tom Brokaw, da NBC, não é um especialista, é apenas um âncora famoso. Aqui não se tratava de assustar uma expert mas de apavorar uma figura poderosa. Brokaw recebeu duas cartas, ambas ameaçadoras, uma delas contaminada, com a data de 11 de setembro sublinhada. Infectou a sua secretária. A carta continha ameaças aos judeus.

O jornalão nova-iorquino noticiou discretamente o episódio envolvendo a sua repórter. Mas foi obrigado a avisar os leitores de que todas as suas rotativas estão instaladas em gráficas fora de Manhattan. Seus exemplares, portanto, não podem disseminar o bacilo. Mas sempre pode aparecer alguém disposto a cancelar sua assinatura para não receber em casa, dentro do jornal, um cisco envenenado. Os terroristas não jogaram bombas na redação do mais influente jornal do mundo. Mas avisaram que podem encostá-lo à parede.

A mídia americana está tratando o assunto com responsabilidade. Sabe que o bioterrorismo quer atingir, por seu intermédio, a nação americana. Os jornalistas perceberam que o terrorismo quer torná-los cúmplices da aterrorização coletiva. Daí a prudência, o cuidado em não "fazer barulho". O caso é grave demais para ser manipulado por impulsos rasteiros de jornalistas paranóicos.

Este mesmo senso de responsabilidade manifestou-se no próprio dia 11 de setembro quando as redes de TV, no auge da tensão, tomaram a sábia decisão de poupar os telespectadores das cenas escabrosas de gente que pulava das torres gêmeas e estatelava-se no chão.

No entanto, o filósofo José Artur Gianotti tomado pelo mesmo desvario interpretativo dos acadêmicos mais jovens, considerou este cuidado como uma forma de "maquiar" os efeitos dos atentados (caderno Mais!, Folha de S.Paulo, domingo, 7/10).

Certamente aparecerão nos próximos dias jornalistas e intelectuais brasileiros cobrando dos colegas americanos mais ardor e maior ênfase na divulgação deste primeiro surto mundial de bioterrorismo. Quando o patrulhamento está solto, tudo pode acontecer. A imprensa brasileira macaqueia a imprensa americana no que tem de pior. Podia começar a imitar alguns dos seus melhores atributos.