Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Apesar dos avanços, velhos cochilos

BURACOS NEGROS

Alberto Dines

Não custa repetir: foi a nossa mais longa campanha eleitoral,
a mais disputada, a mais exposta e a mais bem coberta pela mídia.
Um pedaço do que antes circulava nas colunas políticas
saiu dos corredores, dos cochichos, e hoje está na boca de
todos.

A pauta nacional foi socializada, o que não significa que a “solucionática” exibida pelos quatros principais candidatos ao primeiro turno estivesse isenta de demagogia.

Se em nossas grandes cidades ainda circulassem os bondes ouviríamos, certamente, aqueles cavalheiros do Rum Creosotado discutindo superávit primário e responsabilidade fiscal como se fossem resultados de futebol. Graças ao acompanhamento das discussões e debates.

Dito isto e isto posto, não podemos esquecer que a nossa mídia, especialmente a mídia impressa, continua sonhando com grandes façanhas esquecida que estas, em geral, são compostas por uma sucessão de pequenos feitos.

Três matérias publicadas no último fim de semana (19-20/10) comprovam que a “zona do cochilo” ainda é grande mas, em compensação, há profissionais capazes de acionar o despertador. Pena que foram publicadas com grande atraso. O que não impede que no day after sejam recolocadas na ordem do dia. A saber:

** Na Veja (edição 1.774,
de 23/10, pág. 130), Roberto Pompeu de Toledo reportando-se
a um estudo jurídico publicado na revista Inteligência
levanta uma questão que se não foi totalmente ignorada
pelas águias da crônica política ficou na pasta
de “amanhã eu cuido disso”. A questão é essa:
por que razão no Maranhão o cunhado de Roseana Sarney
foi impedido de disputar a sua substituição e, no
Rio de Janeiro, Rosinha Mateus foi autorizada a concorrer ao cargo
deixado pelo marido? Os dois casos têm a ver com o pleito
de 6 de outubro, originam-se no mesmo esforço para controlar
a questão de parentesco e nepotismo mas, apesar disso, produziram
sentenças díspares. Atilados juristas e magistrados
perceberam, porém, sutis diferenças entre os dois
episódios [leia o texto da Veja na rubrica Entre
Aspas, remissão abaixo
]. O que
importa aqui não é a discussão bacharelesca
mas o descaso da imprensa em cumprir, a tempo, sua parte do contrato
social.
Não deve ter sido a intenção
do articulista e certamente não é deste Observador
discutir o resultado das urnas. Votou está votado. Mas quando
alguém cochila precisa ser advertido ? pode dar vexame.

** No domingo, 20/10, no Globo (pág. 14), um levantamento mostra que a bancada dos processados vai aumentar no novo Congresso. Apesar da derrota de 18 parlamentares enredados na Justiça, outros 41 candidatos nas mesmas condições conseguiram escapar da malha fina da mídia: foram eleitos. Alguns deles são apenas suspeitos, outros já em adiantado estado de incriminação. Lástima que a matéria tenha sido publicada duas semanas depois da votação e não uma semana antes.

** Matéria do caderno “Eleições” da Folha de S.Paulo (domingo, 20/10) é um caso à parte: “32 parlamentares ?fracos? são reeleitos”. Publicada com o maior destaque (manchete da pág. 2), oferece várias leituras simultâneas: a) camuflado mea maxima culpa do Datafolha a respeito do levantamento publicado no caderno “Olho no Voto”, em 27/9. Nele, o instituto explica que só pode medir “ações quantificáveis”, por esta razão parlamentares com atuação “fraca” ou “muito fraca” tiveram grandes votações enquanto outros, apresentados como “atuantes” ou “muito atuantes”, não foram reeleitos. Então, por que meteu-se o jornal a medir o que não é quantificável?; b) se, em vez de um calhamaço de 56 páginas publicado pouco antes do pleito, houvesse um acompanhamento regular sobre o desempenho parlamentar tais injustiças teriam sido evitadas e as subjetividades contornadas antes de transformarem-se em injustiças. Está em tempo: a legislatura ainda não acabou e a próxima sequer começou.

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