Thursday, 18 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aprovado projeto de lei de acesso à informação


ARGENTINA
(*)

Andrés C. D?Alessandro, de Buenos Aires

(tradução: Jô Amado)

Após dois anos de trabalho, com a efetiva participação de 200 organizações não governamentais, a Câmara de Deputados argentina aprovou, no dia 8 de maio, o projeto de lei de Acesso à Informação Pública. O projeto será agora enviado ao Senado, onde se prevê que a nova legislação seja ratificada. De acordo com a nova lei, todo funcionário deverá responder a qualquer pedido de informação pública, por parte de qualquer cidadão, no prazo de 15 dias. Leis, decretos e documentos confidenciais ? que não tenham sido expressamente reclassificados como tais ? existentes há mais de dez anos deverão tornar-se de acesso público num prazo de doze meses. Na realidade, a norma consistiria na simples regulamenta&ccccedil;ão do direito de acesso à informação estabelecido, há nove anos, pela Constituição de 1994.

Esta lei significa um passo importante rumo à transparência da gestão pública, já que tanto os cidadãos comuns quanto os jornalistas poderão ter acesso à informação ? o que antes dependia exclusivamente da vontade dos funcionários públicos, muitas vezes implicados nos mesmos documentos que se pretendia consultar, com o que a maioria das gestões resultava inviável. Caso a lei seja finalmente aprovada, os funcionários ? e juízes ? ficarão obrigados a apresentar as informações solicitadas, sob pena de serem intimados judicialmente a fazê-lo.

A figura que irá garantir o cumprimento da lei será o Defensor do Povo da Nação. O Estado só poderá negar-se a responder, por motivos excepcionais, nos seguintes casos: quando se tratar de informação confidencial baseada em "razões de defesa ou de política externa"; quando for uma informação que possa por em perigo o funcionamento correto do sistema financeiro; quando se tratar de segredos industriais, comerciais, financeiros, científicos ou técnicos, que pertençam à administração pública ou a terceiros, obtidos por direitos ou interesses legítimos; e quando se tratar de informação referente a dados pessoais de caráter suscetível.

O projeto concluiu a primeira etapa de um percurso que teve início quando o Departamento Anticorrupção do Ministério da Justiça, que desenvolveu um processo de elaboração participativa de leis, convocou cerca de 200 organizações da sociedade civil para o elaborar. Entre outras entidades, participaram da iniciativa a Associação pelos Direitos Civis (ADC), o Centro de Implementação de Políticas Públicas pela Equidade e pelo Crescimento (CIPPEC), a Fundação Ambiente e Recursos Naturais (FARN), a Fundação Poder Cidadão, A Associação de Jornalistas, Vida Silvestre Argentina, a Associação Consciência, a Universidade Austral, o Instituto para o Desenvolvimento Econômico Argentino (IDEA), a Associação Cristã de Dirigentes de Empresas (ACDE), o Inecip, o Fórum Social para a Transparência e o Fórum de Jornalismo Argentino (Fopea).

O projeto também recebeu emendas do governo e dos deputados Luis Molinari Romero, Elisa Carrió, Nilda Garré, Margarita Stolbizer, Alfredo Bravo, Fernanda Ferrero, Eduardo Camaño y Juan Manuel Urtubey. Ao ser apresentado pelo poder executivo nacional na Câmara de Deputados, em 18 de março de 2002, o projeto teve sua aprovação solicitada por entidades que congregam diversos setores da sociedade, como o Conselho de Acompanhamento das Ações para a Reforma Política do Acordo Federal e a Mesa de Diálogo Argentino.

Ao ser posto em votação, o texto ? inspirado no Decreto de Liberdade de Imprensa dos Estados Unidos (Freedom of Information Act) ? já contava com o aval das Comissões de Assuntos Constitucionais e de Liberdade de Expressão e, desde 16 de setembro de 2002, estava em condições de ser discutido nas sessões ordinárias.

As ONGs que incentivaram o projeto enviaram previamente uma carta a cada um dos 257 deputados, salientando que "a sociedade civil deveria ter em mãos a possibilidade de controlar e monitorar as ações do governo e só o pode fazer se tiver conhecimento, em tempo e na forma devida, da atividade que se desenvolve na esfera pública e que abrange as ações dos governantes. Sua assinatura é fundamental para começar a reverter a crise de representatividade que decorre da falta de credibilidade dos atos do governo".

A íntegra do documento apresentado à Comissão de Assuntos Constitucionais da Câmara de Deputados da Argentina

A Associação pelos Direitos Civis (ADC), o Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS), a Fundação Poder Cidadão, a Fundação Ambiente e Recursos Naturais (FARN) y o Instituto de Estudos Comparados em Ciências Penais e Sociais (INECIP), compartilhamos da idéia de que una lei de acesso à informação deve contar com determinados requisitos e elementos que garantam sua eficiência.

Neste sentido, consideramos que uma lei de Acesso à Informação é necessária para que não seja violado o exercício do direito constitucional ? reconhecido em diversas instâncias internacionais ? a solicitar informações em poder do Estado. Para ser efetiva, esta lei deve contar com certos elementos mínimos que garantam a execução e o exercício deste direito.

Enumeram-se, em seguida, alguns dos obstáculos que normalmente se apresentam ao exercício deste direito, assim como o modo pelo qual uma lei de Acesso à Informação os poderia remover, tornando eficaz seu exercício:

1. Legitimidade ativa

A lei deve reconhecer legitimidade ativa para o exercício do direito ao acesso à informação a todos os cidadãos.

A solicitação de informação justifica-se no princípio republicano de publicidade dos atos do governo e, por conseguinte, a mera condição de ser cidadão habilita qualquer pessoa a requerer informação sem serem levados em conta os motivos do requerimento.

Se a transparência é uma das estratégias mais eficazes de controle do governo pela cidadania, não pode ser o próprio governo a decidir se libera a informação, avaliando, em cada caso, se existem motivos para que um cidadão solicite a informação. Por isto, a informação deve poder ser requisitada por qualquer cidadão e não apenas por aqueles que a administração considere legítimos para fazê-lo.

2. Tipo de informação que o Estado tem a obrigação de liberar

A lei deve ser clara quanto ao tipo de informação que o Estado é obrigado a liberar quando um cidadão entra com um requerimento. A lei deveria estabelecer, como princípio geral, que se trata de toda e qualquer informação que esteja em poder do governo, com exceções que devem ser expressamente enunciadas e a que logo nos referiremos. O princípio citado exclui o direito de exigir do Estado a produção de informação.

A única exceção a este princípio geral poderia corresponder à obrigação, por parte do Estado, de liberar informação cuja produção assumiu por meio de tratados internacionais ou outras leis.

Este é o caso de numerosos tratados referentes a direitos humanos, que requerem que o Estado produza informação sobre a evolução e o cumprimento gradativo de seus compromissos internacionais, o que normalmente não é feito.

Finalmente, prevendo uma possível recusa em liberar a informação sob o argumento de que esta se encontre armazenada em local de acesso impossível ou difícil, a lei deveria enfatizar, de forma explícita, que se trata de informação, de qualquer formato, em poder do Estado. Poderiam apresentar-se alguns exemplos de possíveis formatos de informação (escrita, gravada, fotografada etc.), porém não se deveria, de modo algum, considerá-las como referências únicas e taxativas, pois o avanço das novas tecnologias irá, com certeza, gerar formatos para armazenar informação não considerados pelos atuais legisladores.

3. Legitimidade passiva

O sujeito passivo do requerimento deve ser o Estado em seu conjunto, abrangendo o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Jurídico. Consideramos também importante que sejam incorporados os demais órgãos criados pela Constituição nos artigos 85, 86, 114 e 120.

A lei deve garantir uma legitimidade passiva ampla, de modo a não excluir setores do governo cuja informação se possa eximir de ser objeto deste direito. Neste sentido, sugerimos que sejam levados em conta os antecedentes da Lei 3764, da província de Chubut, e da Lei 104, da cidade de Buenos Aires.

O direito de acesso deve também abranger a informação privada de natureza pública. Existem várias hipóteses em que a informação de domínio privado se refira e seja de interesse de toda a sociedade. Em relação a este ponto, a lei deve incluir as empresas privadas prestadoras de serviços públicos como sujeitos obrigados a fornecer informação.

4. O princípio é a publicidade e o sigilo é a exceção

O direito à informação se encontra justificado pelo princípio da publicidade e da transparência na gestão do governo. Por isto, é necessário que a lei o estabeleça de forma explícita e que o sigilo seja a exceção.

5. Prazos breves

Uma das maneiras comuns de impedir o acesso à informação é a de negá-la por meio da demora ou omissão da resposta. Por esse motivo, e com o citado objetivo de que uma lei como esta procura fechar todos os possíveis pretextos para evasão da responsabilidade estatal, devem ser estabelecidos prazos breves para que a administração responda aos requerimentos dos cidadãos.

Como o objetivo desta lei é o de tornar pública a informação que se encontra em poder do Estado, também devem ser consideradas situações em que seja realmente necessário à administração contar com mais tempo do que aquele estabelecido pela lei. Por isto, é recomendável que a lei incorpore a possibilidade de que o Estado solicite uma prorrogação do prazo estipulado com a devida justificativa de tal requerimento.

6. Recusa

Uma vez que a recusa pode basear-se em razões distintas, a lei deve referir-se às mais comuns, estabelecendo a forma pela qual trata cada uma. Por esse motivo, parece importante a incorporação na lei de um capítulo exclusivamente referente a este tema, o0nde serão estabelecidas as exceções. Poderiam existir duas opções: a) estabelecer taxativamente as exceções; ou b) estabelecer legalmente as áreas ou os temas sobre os quais poderão versar as exceções, ao mesmo tempo que se estabeleça um procedimento legal por meio do qual caberá ao Estado determiná-las.

Cabe também à autoridade justificar por escrito os motivos pelos quais entende que a informação solicitada se enquadra em alguma das exceções previstas. Desta maneira, opera-se uma autêntica inversão do ônus probatório ? não é o cidadão que deve justificar o motivo de seu pedido e, sim, o Estado que deve justificar a razão pela qual não pode facilitar o acesso.

7. Recurso judicial

No caso de o requerimento ter sido apresentado e, uma vez cumprido o prazo estipulado por lei, o pedido de informação não tiver sido atendido, ou a resposta à solicitação seja ambígua ou parcial, será considerado que existe a recusa em liberar a informação, sobrando a via judicial. Nesse caso, é imprescindível garantir um procedimento sumaríssimo para exigir a proteção do direito perante a justiça.

8. Responsabilidades: falta grave e responsabilidade penal

A Lei de Acesso à Informação deve inverter os motivos que um funcionário possa normalmente ter para negar informação. Os motivos normalmente alegados são o receio da reação de um superior com o fato de ter liberado informação, o risco de comprometer o Estado por liberar dados que possa ser usados contra ele, ou a simples resistência que se encontra em toda a burocracia diante de abrir-se a quem não pertence a ela. Somando-se a isso a inexistência de qualquer tipo de punição diante da recusa em fornecer informação, o funcionário, ao ter que optar por responder afirmativa ou negativamente ao requerimento, muito provavelmente se inclinará pela última alternativa.

Por isso, uma Lei de Acesso à Informação deverá estabelecer responsabilidades claras, a começar pelo funcionário que tenha optado por recusar a informação sem motivos justificáveis e contrariamente ao que determina a lei. Essa responsabilidade poderá ser de caráter administrativo, qualificando a conduta como falta grave. Poderão também se acrescentar as responsabilidades do tipo penal, vinculadas ao não-cumprimento dos deveres de um funcionário público. De modo geral, o regime de sanções penais prevê este tipo de conduta e, portanto, não parece necessário incluí-la na lei de acesso à informação. No entanto, é de fundamental importância um regime de responsabilidades claras e severas, no sentido de que o funcionário encarregado de decidir sobre liberar informação em poder do Estado se sinta incentivado a dar a informação, ao invés de receber um estímulo oposto.

9. Acessibilidade

Em conseqüência do direito de acesso à informação pública surge a obrigação, por parte do Estado, de evitar que sejam estabelecidas restrições ? de qualquer ordem, inclusive econômicas ? que impliquem em discriminação no acesso à informação. Por este motivo, consideramos que o princípio que deve reger o acesso à informação pública é gratuito. Assim, o acesso deverá ser gratuito desde que não se solicite reprodução da informação. Caso existam custos de reprodução, estes ficariam, em princípio, a cargo do solicitante.

(*) Publicado originalmente no sítio Interprensa <http://www.ipyspe.org.pe/interprensa.htm>, boletim semanal do Instituto Prensa y Sociedad <http://www.ipyspe.org.pe/>