Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Aqui é ‘SexgateÂ’, lá é ‘MediagateÂ’ (Pequeno roteiro para perceber diferenças)

 

Dez dias depois de iniciada a nova sessão mediático-circense envolvendo a Casa Branca nota-se uma evidente discrepância entre o tom da cobertura da grande imprensa brasileira e a linha dos veículos de prestígio americanos.

Enquanto estes, liderados pelo New York Times, resolveram enfrentar corajosamente a maré montante de irresponsabilidade jornalística que começou na Internet, passou para as TVs a cabo, chegou às redes abertas e infectou alguns grandes diários, aqui, a mídia (com a notável exceção do JB), embarcou e emborcou no lodo do escândalo sexual antes mesmo que fosse comprovado.

Por que razão não foram aqui republicados os sete artigos antológicos do NYT (o último na primeira página da edição de domingo, 1/2/98) e a nota editorial do Newsweek explicando porque recusou dar o furo sobre o caso? (Ver, abaixo, ligação com Midiagate e Entre aspas.)

Quando morreu a princesa Diana, nossos jornalões reproduziram tudo o que se publicou na Inglaterra a respeito. O debate sobre o papel da mídia como cúmplice da sua morte foi para as primeiras páginas de grandes jornais e o horário nobre da TV.

Agora, nossa mídia recuou. Mesmo sem investigar, assumiu que Clinton é culpado. Simplesmente porque o teor das acusações anti-mídia, vocalizadas por grandes jornalistas americanos, coloca frontalmente em xeque os procedimentos usuais aqui adotados de publicar qualquer tipo de acusação. Venha de onde vier.

O jornalismo reativo hoje imperante na maioria das nossas redações (qualquer acusação é publicada com mais destaque do que a resposta que a desqualifica) está sendo abertamente denunciado pelas melhores cabeças do mundo mediático americano.

Isso, nossas cabeças coroadas não podem admitir. Fair play não é atitude que se cultiva em nossas plagas. Por isso insistem no sexgate. O mediagate é um escândalo que deve ser abafado.

Este é o rol brasileiro do Midiagate:

* Começou com a Folha, evidentemente. A manchete da segunda-feira, 26/1/98, com matéria do correspondente em Washington, anunciava que já se cogitava de renúncia. Foi baseada numa notícia da CNN de sábado, logo retificada e sequer mencionada na primeira página do NYT no domingo ou segunda. Jornalismo para a Folha só é legitimo quando se depõe um presidente, o resto é firula. No dia seguinte, nem procurou justificar a precipitação.

* O Estadão, detentor exclusivo no Brasil dos direitos de republicação do NYT, só veio a publicar um dos contundentes textos do jornal americano oito dias depois de iniciada a série (domingo, 1/2/98; ver em Midiagate, abaixo). Nesse dia abriu seu Caderno Especial com uma grande matéria sobre a história dos escândalos sexuais na Casa Branca. Assumia assim, antes mesmo da Justiça americana, que agora, efetivamente, houve um escândalo sexual na Casa Branca. Durante toda a semana o jornalão (com vínculos históricos com o NYT) manteve os textos críticos na gaveta mas inseriu uma coluna de fofocas intitulada “Presidente em Apuros”. Mais verdadeiro e mais original seria dizer “Imprensa em Apuros”.

* O Jornal do Brasil finalmente lembrou-se de buscar uma forma de individuação e personalização, fugindo ao nivelamento por baixo dos concorrentes. Na quarta-feira e na quinta (28 e 29/1/98) publicou as primeiras matérias de crítica à mídia com base no que saiu na mídia americana. Não continuou.

* Veja, com acesso direto ao material de Newsweek, sucursal em Nova York, acesso on-line ao NYT e ainda mais com uma semana inteira para preparar algo diferente do resto da mídia brasileira, ignorou esta oportunidade e foi na onda do sexgate.

* Outro vexame da Folha. Repetindo a febre dominical de valorizar celebridades e convertê-las em jornalistas, publicou no dia 1/1/98 chamada na primeira página para um texto assinado por Contardo Calligaris, psicanalista italiano. Pura perversidade. Num caso destes, em que o articulista nada sabe sobre mídia, ainda menos sobre as últimas notícias da mídia americana, o jornal deveria tê-lo brifado antes. Não o fez. Porque está interessado em martelar a tese contida no texto do psicanalista: a imprensa americana está cumprindo com o seu papel, o público, idiota, é que não se interessa.

Este psicanalista, sem o querer, acabou oferecendo algumas chaves para entender por que nestas bandas todos preferem o sexgate ao midiagate: a mídia idiotizou-se e o público, depois de ser divertir por alguns dias com a picardia, passou a exigir mais seriedade.

* O Jornal Nacional da Globo, que dispõe de uma portentosa Manhattan Conection, durante uma semana comeu mosca. Na edição de 2/2/08, finalmente, começou a mostrar o tamanho do midiagate. Então, tudo mudou.

 

Pingos no ii: Na edição anterior, na nota “Folha obtém Pulitzer de sandice”,
sobre a infeliz “entrevista” de Cosette Alves com um “assessor” de George
Soros, está dito que a Editora de Primeira Página da Folha é a futura
ombudsman do jornal. É verdade, só que não estava de plantão naquele
fim-de-semana. 

 

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