Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Aquiles Rique Reis

RÁDIO

“Era uma vez um rádio…”, copyright O Estado de S. Paulo, 26/09/03

“Avô serve para duas coisas básicas: deixar os netos fazerem tudo aquilo que proibiam aos filhos e contar historinhas de antigamente. Assim, Luisa, tome aqui esses bombons, esses pirulitos e essa caixa de chicletes de bola que é para você poder ir se alimentando enquanto seu avô vai lhe falar de uma coisa muuuito antiga. Presta um pouquinho de atenção e só faz bola com o chiclete quando o vovô parar pra respirar, tá?

Era uma vez um rádio. Um rádio de onde saia som de música, som da voz do mocinho da novela ou ainda o som da voz do locutor que contava pra gente o que estava acontecendo no Brasil e no resto do mundo. O rádio da história do vovô era bem grandão… Não, do tamanho do seu pai, não, menor -, mas era um belo rádio. Todo de madeira. No alto abaularam as quinas e fizeram com que ele ficasse com jeitão da entrada de uma caverna. Logo abaixo tinha um círculo coberto com um pano bem grosso… Isso, mais ou menos como a cortina que a vovó Nil pôs aqui na sala dela -, então, esse pano ficava indo pra frente e pra trás, parecia até que estava com soluço, mas não estava, é que pelo lado de dentro tinha um negócio parecido com um prato de sopa… Tudo bem, o vovô deixa, hoje você não precisa tomar a sopa que a vovó está fazendo, não, hoje a gente janta só pirulito, bombom e chicletes de bola e, de sobremesa, nós podemos comer um saco bem grande de pipoca doce, que tal? -, mas, escuta só, o nome do prato, que ficava por detrás do pano grosso, era alto falante. Era dele que vinham os sons que o rádio fazia pra gente poder escutar. Se você virasse o rádio e tirasse a madeira de onde saia o fio que era pra ser ligado numa tomada, você podia ver umas coisas parecidas com umas lâmpadas compridas que tinham uns filetes em forma de rabisco rápido… Sabe quando o vovô pega o lápis da Luisa e esfrega ele rapidinho assim: da direita para a esquerda? Então, eram as válvulas do rádio do vovô -, e se ele ficasse ligado por muito tempo, essas válvulas esquentavam tanto que tinha gente que chamava ele de ?rabo quente?. Não, acho que ele não chorava quando chamavam ele desse nome feio não -, por quê? Ora, eu acho que era porque ele sabia que todos gostavam muito dele e aí esse ?xingo? ficava até parecendo elogio. Sei lá!

O rádio da historia do vovô nasceu há 80 anos, foi quando um sujeito muito legal que criou uma rádio muito inteligente e criativa. E a rádio virou a casa do rádio. Melhor, a rádio é a mãe do rádio, é ela quem ensina o rádio a falar. Ela levava ao rádio as orquestras, as novelas, os noticiários… A mãe-rádio tinha tanto carinho pelo rádio que o educou para só retransmitir coisas legais que fizessem bem às pessoas. O nome de quem criou a primeira rádio no Brasil é Roquette-Pinto. Ele chamou a rádio dele de ?Rádio Sociedade?. E foi aí, Luisa, que quem cresceu ouvindo rádio pôde ficar um adulto assim que nem o vovô, cheio de historinhas pra contar. Alguns anos depois, o Roquette-Pinto deu… é, Luisa, deu dado, doou a sua rádio para o governo federal com a condição de que este indicasse o ministério da Educação para tomar conta dela.

Mas aí o tempo foi passando, foi passando, a ?Rádio Sociedade?, do Roquette-Pinto, passou a se chamar ?Rádio MEC? e o rádio do vovô foi ficando cada dia mais calado, cada dia mais sem importância… Claro que o rádio do vovô ficou triste… Chorou, claro que ele chorou -, mas o que mais fazia o rádio sofrer era que outras mães-rádio que vieram depois começaram a não se preocupar mais em educar seus radinhos. Já nem ligavam para tocar a cultura, mostrar a realidade…

Muitos anos depois surgiu uma amiga para ajudar o rádio a mostrar coisas da Cultura e da Educação e para continuar levando civismo e cidadania para todo o Brasil. À essa amiga do rádio deram o nome de televisão e ela passou a dividir com ele a tarefa de divertir as pessoas através da difusão da alma da nossa gente, através da mostra da grande diversidade do nosso folclore e levando as notícias para cada município do Brasil.

Mas aí as mães-rádio foram envelhecendo e, para tristeza delas, as filhas que as sucederam não tiveram mais o mesmo jeito que elas tinham para cuidar dos filhos-rádio. E foi aí que começou a queda das rádios e do meu rádio. O rádio foi como que perdendo seu charme até que passou a ser deixado de lado. A televisão, que no início pareceu que formaria um belo casal com o rádio, passou a competir com ele. Mais fraco do que a televisão, pois ele só sabia usar a voz e ela usava a voz, mas também sabia usar a imagem, o rádio foi perdendo suas forças. As ondas dele, que eram médias e curtas, mas muito potentes, ficaram moduladas e enfraquecidas. O rádio está virando peça de museu, Luisa!

E o rádio foi ficando como que um vagabundo a pedir esmolas e hoje quase ninguém mais dá atenção pra ele. Ao contrário, fogem dele. As mães-rádio começaram a ter que se virar para levar alimentos para seus rádios e por isso, infelizmente, e me desculpe a palavra feia, viraram prostitutas a se venderem por quaisquer dinheiros. Quem paga para que elas se prostituam, são pessoas do mal que compram os espaços, que antes eram da Cultura e da Educação, e neles divulgam seus lixos, suas porcarias que fazem o vovô ter até raiva só de pensar como esses caras puderam destruir algo que era tão bonito… Chora não, vovô Aquiles, pode deixar que eu falo pro meu pai e pra minha mãe arranjarem dinheiro pra eu comprar pra você um rádio igualzinho ao que você tinha no começo da historinha…

Tudo bem, mas agora a Luisa vai dormir e sonhar com o anjinho que está sempre pousado na caminha dela, tá? Pode, Luisa… Mas é só hoje que você pode ir dormir sem escovar os dentes, hein…! E amanhã também? Tá bom, Luisa, amanhã também…

Aquiles Rique Reis, além de avô da Luisa é músico e integrante do MPB4″

 

TV FAZ MAL

“Televisão demais faz mal à saúde e pode viciar”, copyright Folha de S. Paulo, 24/09/03

“Para estudiosos da comunicação ou do comportamento humano, há uma diferença colossal entre assistir diariamente ao ?Discovery Channel?, por exemplo, e a um programa de auditório recheado de closes ginecológicos e/ou cenas de violência. Porém, seja qual for a qualidade do programa, o meio de comunicação, por si só, se consumido em excesso, é capaz de causar grandes estragos. No caso, certas funções orgânicas do telespectador, como as faculdades cognitivas ou até as articulações e a postura, é que são prejudicadas. E mais: a TV, tal qual o cigarro e o álcool, pode causar dependência.

Assim como o dependente de cocaína tem o impulso de cheirar mais para manter o estado de euforia, o telespectador contumaz sente necessidade de ficar grudado à TV para manter a sensação de relaxamento que o hábito produz. Essa foi a conclusão de um amplo estudo realizado pelos pesquisadores americanos Robert Kubey, diretor do Centro de Estudos de Mídia da Universidade Rutgers, e Mihaly Csikszentmihalyi, professor de psicologia da Universidade de Claremont.

Para o estudo, a dupla monitorou as ondas cerebrais, a resistência da pele e os batimentos cardíacos de voluntários diante da televisão. Sua principal contribuição foi explicar o que faz as pessoas se tornarem escravas da televisão.

Quando assiste à TV, a pessoa se sente relaxada, mas essa sensação se esvai tão logo o aparelho é desligado. Porém o estado de passividade e de diminuição de atenção permanecem.

Mas, claro, a televisão informa, diverte, entre outros atributos. E nem todo fã da telinha é viciado nela (leia abaixo os sinais da dependência). Saber como se dá o poder de atração da TV sobre o telespectador pode ajudá-lo a exercer um controle sobre ela.

Em texto publicado na revista ?Scientific American?, a dupla de pesquisadores afirmou que participantes desse tipo de pesquisa comumente dizem que a televisão chupou-lhes a energia, deixando-os depauperados, com mais dificuldade em se concentrar. Muitos, diz o texto, também relatam melhora no humor após a prática de esportes. Mas, depois de ver televisão, o humor deles não se altera ou fica pior do que antes. Outra curiosa constatação da pesquisa: quanto mais tempo as pessoas passam diante da televisão, menos satisfação elas conseguem obter.

O tempo considerado ideal para manter corpo e mente ilesos dos danos que o excesso de TV pode causar é de uma hora diária, em média, segundo diversos estudos. ?A média do brasileiro é de quatro horas e, em São Paulo, chega a seis horas diárias?, diz Gabriel Priolli, crítico de televisão e presidente da Associação Brasileira de TV Universitária. Os europeus dispensam três horas e meia, os americanos, uma hora a mais.

Em entrevista por e-mail ao Equilíbrio, Robert Kubey alerta: ?Se você assiste à televisão por cerca de três horas por dia, quando chegar aos 75 anos, você terá gastado nove anos inteiros da sua vida vendo TV. E, se dorme oito horas por dia, terá permanecido acordado apenas 50 dos 75 anos?.

Segundo levantamento da ONU, 93% das crianças do mundo têm acesso à TV. E elas passam pelo menos 50% mais tempo ligadas ao aparelho do que em qualquer outra atividade não-escolar. Entretanto a TV não pode ser considerada o bicho-papão que ?estraga? a criança. ?É um companheiro dela e, muitas vezes, sua babá. É preciso que os pais limitem seu uso?, diz Ana Mercês Bahia Bock, presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.”