Tuesday, 16 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1283

As muitas TVs de poucos

MONÓLOGO
DA FAMA

Eduardo Augusto (*)

Quem não gosta de ver televisão? Essa caixa quadradinha traz um mundo dentro… Receber uma programação de qualidade é direito de todo telespectador. Mas, quando se pensa em uma TV de qualidade, muitos a associam a programas, diríamos, para poucos, como os de música clássica, por exemplo. Pensar assim é reduzir o universo da criatividade, pois de tudo se pode falar. Faz pouco tempo que nossa mídia descobriu sua vocação para a banalidade. Faz pouco tempo que a mídia brasileira descobriu duas minas de ouro: sexo e intimidade. O primeiro surgiu há uns 11 anos aproximadamente; o segundo, a partir dos reality shows, mais especificamente a partir do programa No limite, que inaugurou uma fase.

Esses fenômenos, portanto, são muito recentes. De lá para cá corpos esculpidos e rostinhos bonitos tornaram-se sinônimo de sucesso rápido e grana fácil. Isso já não é mais novidade para ninguém. O público, claro, adora. Sexo mobiliza as pessoas, para dizer o mínimo.

Então, onde está o problema? Se o público gosta!? O problema fica na falta de critério. Fica a sensação de que tudo é válido, de que pode tudo. Não pode! Não pode porque senão joga-se toda a ética por terra, ou pelos ares, via antenas de TV. Quando se fala hoje da influência da internet na vida das pessoas creio que se pode relativizar. Afinal de contas, o Brasil não deve ter 10 milhões de usuários, numa população de 180 milhões de habitantes. Já a televisão chega a mais de 90 milhões de lares brasileiros. Ou seja, muito maior é a influência da televisão.

Quando se trata de relacionar mídia e educação podemos tirar alguma conclusão. Imagine você, meu caro leitor, que se pode ensinar ética nas escolas. Árdua tarefa para professores, sobretudo os de Filosofia. Ensina-se ética na escola e os alunos aprendem algo. Mas eis que, ao cair da noite, já em casa, o aluno vê seu pai assistindo ao Programa do Ratinho. Rompe-se aí uma lógica. O vale-tudo televisivo é muito mais sedutor e dinâmico. Informa sobre tudo, desinformando. E então, como fica a aula de ética aprendida pela manhã? O aluno pensa, ou sacode seus pensamentos, e diz a si mesmo: "Mas meu professor falou que a ética…" Nesses tempos da imagem estroboscópica, a novidade acaba sendo o Thiago Lacerda ou o Gianecchini. Ou quem sabe o… a…

O professor pode até falar do filósofo Sócrates. Mas, se experimentasse dizer, "Meninas, o Thiago Lacerda acabou de chegar aqui na escola!" seria o caos! Poderia ser a Feiticeira também.

A mídia vende seus ídolos, que os comprem os menos desavisados. Você já percebeu que todo domingo, ou melhor, de segunda a segunda, o que se vê nos canais comerciais são as mesmas pessoas de sempre? Vamos então dizer assim: a mídia hoje é de poucos. A autopromoção tornou-se a marca registrada de grande parte das TVs hoje. Inclusive é comum vermos profissionais dos próprios canais sendo entrevistados e/ou homenageados pelos colegas de empresa. Ou seja, o monólogo da fama vem ganhando status privilegiado. A televisão está deixando de dialogar com a sociedade. O lema é: mostre-se! Tudo isso só vem empobrecendo a programação, tornando repetitiva a vida de quem faz e vê televisão. Penso que é preciso acabar com esse jogo de cartas marcadas: a mídia finge que agrada, o telespectador finge que "engole tudo numa boa", ou no mínimo finge que nada está acontecendo. O controle remoto garante a dança dos canais.

O Brasil tem uma bela cara

O Brasil produziu na década de 70 e 80 uma televisão bem diferente dessa a que estamos assistindo. Claro, o mundo era mais romântico e os hippies eram paz e amor; havia o sonho do comunismo e a guerra parecia mais fria. Os beijos eram quase de mentirinha e o sexo, bem, ficava para bem mais tarde.

Gosto de pensar a televisão, esse veículo sedutor. E gosto de ver televisão. O que não dá mais para agüentar é essa cultura institucionalizada da autopromoção. "Diga o que quiser a todo mundo que aqui o show é seu!" Essa é a cultura da banalização, essa diluição das fronteiras entre o certo e o errado. Seus 15 minutos de fama podem valer ouro, e dane-se a ética, o romantismo e a naturalidade. Dane-se enquanto durar a programação… Mas, enfim, o estrago está sendo feito!

"Para não dizer que não falei de flores", tenho um amigo que me disse certa vez: "Nós não estamos completamente perdidos, mas também não estamos completamente salvos." É por aí!

Longe de mim satanizar a televisão. Há programas de qualidade e não são poucos. Inclusive naqueles canais que alimentam a guerra de audiência. Quem quiser, pode assistir por exemplo, no domingo, por volta das 10 da noite, na Rede Minas, e mais cedo na TV Cultura, a um programa de sensibilidade: Provocações, com Antônio Abujamra. Lá você vai encontrar sanfoneiros, mendigos, professores-doutores, pivetes, cineastas, donas-de-casa, padres e outros. Muitos outros. Contando de sua vida e do que pensam do Brasil. É a voz de um país que existe.

Elis Regina cantava numa de suas canções que "o Brasil não merece o Brasil…" Esse Brasil boboca e repetitivo tenho de concordar… mas o Brasil de João, Maria e Clarices, o Brasil da força inventiva de todo dia, esse sim, quer aparecer em viva voz e tem uma bela cara. Vale assistir Provocações. Você vai se sentir provocado. Quanto a outros programas é preciso olhos para ver…

(*) Bacharel em Filosofia