Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

As rainhas do crime

(*)

Angela Adnet

 

Os leitores que acompanham a trajetória de Esdras do Nascimento irão certamente se encantar com Lição da noite, a nova obra desse escritor já consagrado como um dos grandes autores do moderno romance urbano brasileiro.

É em torno da magia do número sete que a trama se desenvolve: sete núcleos narrativos; sete capítulos organizados em grupos de sete; sete personagens principais. Numa narrativa realista, densa e rica em detalhes, surgem os muitos vícios e as poucas virtudes de uma sociedade dominada pelo hedonismo e o materialismo exacerbado. Flashback, monólogo interior direto e indireto e múltiplos pontos de vista se interligam em perfeita harmonia, criando um clima que envolve o leitor como se fosse uma sinfonia.

Os personagens de Lição da noite são angustiantes e angustiados. Amorim é um jovem professor universitário, alucinado pelo teatro grego. Apesar do sucesso profissional e da facilidade com que conquista belas mulheres, sente enorme vazio interior. Resolve, então, ir para o Nordeste em busca de algo que justifique sua existência. Na realidade, não percebe que está fugindo de sua própria história; história que ele mesmo construiu e não consegue suportar.

David é o arquiteto comilão, amigo íntimo de Roberto de Aquino (personagem que aparece em quase todos os romances de Esdras, fazendo o perfil do intelectual sedutor). Sarita (por quem suspira Caio Porfírio Carneiro no elegante, delicado e correto texto de introdução), separada de Amorim, tenta reorganizar sua vida, enquanto Adélia, que tem caso com David, transforma sua ambição por dinheiro em obsessão, para desespero do namorado. Dos Anjos, mulher atraente, vai sendo tomada pela insegurança aos primeiros sinais de envelhecimento em seu corpo. Cláudia é a intelectual que se submete ao sadismo de Mário Có, um cantor vulgar e medíocre, mas de enorme sucesso.

Fato curioso no romance é a presença de personagens que fazem parte do mundo real, como o romancista Marcos Santarrita e a poeta Suzana Vargas. E nessa mistura de realidade e ficção, de carência e êxtase, de amor e ódio, Lição da noite vai envolvendo o leitor de forma prazerosa, mas também angustiante e doída.

Esse mesmo leitor é levado à reflexão para o tempo em que vivemos, quando a busca de amor se confunde com escapismo sexual, quando se escamoteia a ausência de afeto em badalações sociais e ambição desmedida, quando valores relativos a sentimento passam para um segundo plano.

E, ao final da leitura, vem a vontade de se ler tudo outra vez. Quem sabe o texto nos mostre uma fórmula, um caminho, que torne menos ampla e dolorosa a solidão, e mais possível e próxima a felicidade?

(*) Copyright O Dia, 1710/98