Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Autor brasileiro plagiado

CENTRO & PERIFERIA

Max e os felinos, livro do escritor Moacyr Scliar, conta a história de um jovem judeu que sobrevive a um naufrágio e divide um bote salva-vidas com uma pantera. Publicada em 1981, a obra foi traduzida para outras línguas e recebeu críticas favoráveis da imprensa especializada dos Estados Unidos e do Canadá. Em outubro passado, o escritor canadense Yann Martel ganhou os 75 mil dólares do Booker Prize, um dos mais prestigiosos prêmios literários do mundo, por um romance de enredo parecido. Em A vida de Pi, um jovem indiano escapa de um naufrágio e divide um bote com um tigre.

As semelhanças não são mera coincidência: Martel reconhece ter se "inspirado" na obra de Scliar, que diz ter conhecido pela resenha do escritor John Updike para o New York Times Book Review. Na introdução do livro, ele até agradece ao autor brasileiro "pela fagulha da vida". Ainda assim, a imprensa literária foi inundada de críticas de que o canadense, aproveitando seu primeiro sucesso comercial, teria plagiado um dos mais célebres escritores da América Latina.

Em entrevista ao The Guardian, Martel diz ter ficado encantado com a premissa do livro de Scliar, resenhado por Updike. Larry Rother [New York Times, 6/11/02] revela, no entanto, que uma pesquisa no arquivo do suplemento literário não encontrou nenhum artigo do escritor sobre Max e os felinos, e o próprio Updike afirmou nunca ter ouvido falar da obra. Yann Martel chegou a citar a tal resenha num texto para o sítio da livraria independente Powell?s, confessando-se "invejoso e frustrado" por não ter tido a idéia de colocar um jovem e uma fera num bote, "uma união perfeita de tempo, ação e espaço". Como Updike não teria gostado do livro, o canadense conclui que a premissa brilhante talvez tenha sido arruinada por um "escritor menor".

A sugestão de que Moacyr Scliar seria um escritor menor causou irritação na imprensa especializada, conta Rother. Autor reconhecido tanto no Brasil quanto no exterior, Scliar acaba de receber um prêmio do National Yiddish Book Center, que incluiu O centauro no jardim na lista dos 100 melhores romances judeus. Procurado pelo Times, Scliar disse que, ao mesmo tempo em que se sente de certa forma "lisonjeado" por um outro escritor ter considerado sua idéia boa, lembra que uma idéia é propriedade intelectual e ele a usou sem o consultar ou informar. O autor declarou que vai ler o livro e comparar os dois textos, para só então decidir se entrará com processo legal; e lamentou que, embora o Brasil produza literatura de alta qualidade "que deveria ser reconhecida pelos seus méritos, só ganhamos atenção quando algo extravagante acontece".

Uma conseqüência imediata da controvérsia é a provável desistência da Companhia das Letras ? atual editora de Scliar ? de adquirir os direitos da publicação da obra de Martel no país. Segundo o editor Luiz Schwarcz, o autor teria feito "comentários grosseiros" sobre o brasileiro.