Saturday, 20 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Autoritarismo e medo do debate

PROVÃO 2002

Rafael Freitas (*)

No dia 23/5 o Centro Acadêmico da ECO-UFRJ e a Coordenação de Jornalismo organizaram um debate sobre Avaliação Institucional, com a participação dos professores Victor Gentilli (Ufes), Ana Arruda Callado (PUC-RJ), José Dias Sobrinho (educador da Unicamp) e do mestrando Rafael Freitas (ex-coordenador geral da Enecos). O debate foi ótimo e serve de exemplo para as demais instituições. Poderíamos dizer que o embate foi vencido com facilidade pelo representante da visão da Enecos, e não deixaria de ser verdade; preferimos porém que aqueles que assistiram ao encontro tirem suas próprias conclusões.

A despeito de quem massacra quem, o boicote ao Provão nos cursos de Jornalismo cresce a cada ano, apesar da mídia e da pressão das faculdades. A Uerj ? onde um professor, na última edição do Diretório Acadêmico, diz ter arrasado nos debates ? também deverá ser afetada pelo boicote dos formandos. Aliás, no dia em que o professor quiser participar de um debate de verdade convoque-o nos moldes da UFRJ: participaremos, para sermos "massacrados" ou não. Pega mal pedir para participar de uma reunião de formandos para discutir Provão quando se é professor da turma, como aconteceu no episódio da Uerj, soa a patrulhamento ideológico. Na "politizada" UFRJ isso não acontece.

Movimento estudantil é coisa séria, sim senhor! É tão sério que há muito tempo não vemos professor defendendo o Provão abertamente. Inclusive no debate da UFRJ, mesmo que em diferentes níveis, todos foram categóricos ao afirmar que o Provão é ruim como instrumento de avaliação institucional. Parece-nos que não existem mais argumentos a favor do exame. Todos decapitados pelo movimento estudantil. Poderíamos dizer que vencemos o debate? Questão de ordem! Companheiros, chegamos a um acordo. Para que discutir mais? Ponto. Vamos deixar outro ponto acordado também para não haver mais dúvidas: o movimento estudantil de Comunicação nunca foi convidado para discutir o Provão nos seminários do Inep e/ou nos Fóruns de Professores de Jornalismo, apesar de insistentes apelos. Autoritarismo e medo do debate ou, já sei, seríamos massacrados?

O que nos preocupa não é quem vence quem e onde, e sim o futuro da educação neste país. Lutamos por universidades públicas, gratuitas, para todos, com ensino, pesquisa e extensão voltadas para a sociedade e para os trabalhadores. Pedimos o que está na Constituição, nada mais democrático. Para isso, fizemos nosso dever de casa, estudamos o Provão, os sistemas de avaliação institucional e a política educacional brasileira em diversos seminários e encontros ao longo desses anos, inclusive com a intensa participação de professores.

Chegamos à óbvia conclusão de que o Provão não serve para transformar a universidade no que queremos. Pelo contrário, o Provão serve e muito bem como um real instrumento de implementação de toda a política educacional do governo. "Avaliando" o ensino superior como se fosse composto por grandes escolões de 3o grau, sem pesquisa e sem extensão, voltadas unicamente para atender aos anseios do mercado de trabalho. Para o Provão, isso basta. Produzindo um ranking para os "consumidores" da educação. O MEC agora é nossa Anatel, não provê, só fiscaliza e mal! Educação é um produto e nada mais. Não serve mais para transformar pessoas, sociedades ou países, é similar a um papel higiênico na prateleira. Pague pelo mais macio.


"Como tudo o que é humano e, portanto social, como é o caso da educação, se banha em valores e ideologias e tem uma significação ineludivelmente política, a avaliação de uma instituição educativa deve ser também compreendida como um fenômeno público e que interessa a toda a sociedade, muito mais que uma tarefa simplesmente técnica e de ação restrita, que pudesse encobrir as dúvidas e as contradições que são virtualmente portadoras de transformações. Sendo mais direto: a avaliação institucional, neste momento pode ser um instrumento de neoliberalismo e, então, entre outras coisas, de favorecimento das políticas franca ou veladamente privatizantes ou, por outro lado, a avaliação universitária se realiza como um programa de resistência a essas políticas, de afirmação do sentido público de educação e de seus valores e princípios mais consistentes." (José Dias Sobrinho, educador e professor da Unicamp, retirado do artigo "Avaliação e privatização do ensino superior")


Agora uma pergunta estilo Provão! Responda rápido com o dever de casa feito e com muita inspiração: por que o governo não substitui o Provão pelo Paiub (Programa de Avaliação Institucional das Universidade Brasileiras), que foi formulado pela academia, é muito mais democrático, completo e barato? Tempo… A resposta está no enunciado acima. Porque são avaliações diferentes para modelos de universidade, de educação diferentes. A premissa é básica: ao se avaliar, os critérios de avaliação condicionam o objeto ao que se quer alcançar com a avaliação. Portanto, lutar contra o Provão é ser contra as universidades picaretas, as fábricas de diploma e os shopping centers do ensino.


"Se o importante é para os alunos passar nos exames e, para o curso, é classificar-se bem, alimenta-se, então, a tendência a ensinar aquilo que supostamente ?vai cair na prova? e os mais adequados jeitos de se obter bons resultados" (Avaliação da Educação Superior, José Dias Sobrinho. Ed. Vozes, 2000; RJ)

"Um exame tende a restringir o currículo e a incentivar a atenção indevida e mesmo exclusiva dos professores e dos estudantes para o conteúdo privilegiado pelo exame. Esta orientação do currículo para o exame pode levar à exclusão de importantes objetivos e experiências educacionais. A tendência é de os exames determinarem a forma do currículo e não este determinar a forma daqueles. Em suma, um poderoso sistema de exame pode estreitar e homogeneizar o currículo e o ensino-predizagem." (José Camilo dos Santos Filho, retirado do artigo "Análise teórico-política do Exame Nacional de Cursos")


Bom, se chegamos a esse acordo também, discordamos em um ponto que consideramos menor na questão, porém não menos importante para o êxito da contestação. A forma como o boicote é praticado. Pregamos que se deixe a prova em branco. Além de não prejudicar o estudante que foi autoritariamente obrigado a fazer o exame, desqualifica o ranking (principal instrumento de consolidação do Provão na mídia), expõe a crítica e gera o debate sobre avaliação tanto na sociedade quanto na universidade. Não comparecer é virar as costas ao modelo de educação que está sendo implementado, porque não se desmoraliza essa avaliação, ela acontece sem imprevistos. Dizer que o MEC não saberia o que fazer se não comparecêssemos ao exame é ser muito otimista. Nós sabemos o que o MEC faria: nada.

Aliás, o Provão agora é lei, depois de vigorar muito tempo como medida provisória. Entrar na Justiça contra uma lei é perder tempo e dinheiro (coisas que na imensa maioria das vezes estudantes não têm). Ainda assim, enquanto durasse a ação, os estudantes ficariam sem poder trabalhar e não poderiam também ingressar nos cursos de pós-graduação. Além disso, de uma coisa estamos certos: atitude política não se caracteriza por seu potencial em prejudicar o manifestante, como fazem crer alguns que sugerem essa idéia tão freqüentemente. Ou seja: um protesto não é tão mais político quanto mais arriscado.

Também arriscamos dizer que o boicote não prejudica a faculdade, muito pelo contrário, a faz refletir sobre seu ensino, sobre o curso e a quem serve. A faculdade pode ostentar, inclusive, com todo o orgulho que foi em grande parte a qualidade da sua formação crítica que os levou a esse ato político de contestação. Formou, e não "moldou". Dizer que o boicote prejudica a imagem da faculdade é preferir aparentar ser do que ser. Aliás, todos os argumentos de crítica ao boicote, no fundo, escondem a hipocrisia dos escravos da palavra "imagem". Professores que prostram sua crítica para aderir ao consenso midiático. Tudo bem num mundo onde imagem é tudo e fome é nada. Lutar contra essa lógica demonstra a grande capacidade de reflexão dos estudantes, enorme coragem e, por que não, a qualidade do curso. Coragem que os professores também deveriam ter na prática, e não só no discurso. Alguns têm, muitos não, sabemos identificá-los. Coragem, e não covardia. Coragem de futuros comunicadores sociais que não se dobrarão aos patrões oligarcas da comunicação, que trabalharão com ética profissional e cidadã, que lutarão para comunicar com verdade a população.

Nossa resposta, mais do que esse texto, virá com a luta e a verdade histórica. Conhecemos a nossa força e não desistiremos, muito obrigado. Pasmai professores, queremos ser E!

(*) Estudante e integrante da diretoria do C.A. da ECO/UFRJ, gestão Armando a Lona no Picadeiro