Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Avaliação pra valer!

DIRETÓRIO ACADÊMICO

BOICOTE

Lídia Neves (*) e Ademar Possebom (**)

As discussões sobre o Provão têm se dividido em dois grupos: o do debate mais técnico do instrumento, que analisa o papel da prova no que toca a toda uma avaliação institucional de verdade; e o político, que considera as implicações políticas desta lógica de avaliação imposta pelo MEC no cotidiano das universidades. Situando o debate, podemos discutir alguns conceitos e também a nossa atuação.

Queremos avaliação pra valer!

É consenso que os cursos (e todas as demais instituições) precisam de avaliação. Ela permite conhecer e discutir a pertinência de cada idéia ou projeto. Em avaliações de verdade podemos detectar os problemas de cada trabalho, bem como conhecer melhor a realidade em que se insere. Portanto, o que mais precisamos hoje é de avaliação de verdade, que mostre o que está errado e o que deve ser feito. Isso, repetimos, parece ser consenso, pelo menos é o que percebemos nos discursos.

E já que estamos falando de cursos de formação superior (ensino, pesquisa e extensão, e não só ensino!), precisamos projetar e elaborar instrumentos que nos permitam conhecer cada vez com mais profundidade e amplitude o que são os cursos de comunicação social do Brasil. Algumas experiências já foram promovidas em diferentes lugares, com objetivos bem diferentes destas "avaliações" promovidas pelo MEC.

Problemas técnicos

Confundir o Provão com avaliação institucional tem se tornado comum. Mesmo quem discute as avaliações sente alguma dificuldade em estabelecer as diferenças, tão grande é a confusão. Portanto, inicialmente, é preciso ter claro que o Provão não é avaliação institucional; é uma prova de quatro horas com algumas questões a serem respondidas pelos formandos de Jornalismo (não de Comunicação), que avalia basicamente a resposta àquelas questões.

A avaliação institucional que encontramos nas mais qualificadas referências trabalha com muitas outras variantes: corpos discente, docente e técnico-administrativo, estrutura e organização do curso, demanda social e pertinência do projeto acadêmico. Não trabalha somente com o olhar de fora, mas principalmente envolve todos os interessados no processo: os debates são cada vez mais públicos e as decisões tomadas democraticamente, uma vez que as atividades das instituições interferem no espaço público. O trabalho é continuado e busca cada vez mais entrar no cotidiano, nas atividades do dia-a-dia, e o máximo que o Provão provoca com suas aparições anuais são grandes choques, caracterizando o processo com sazonalidade ou discussão externa ao dia-a-dia e aos espaços menores, como as salas de aula e os projetos de pesquisa e extensão.

Temos ainda a questão dos parâmetros nos quais se baseia o Provão. Vão de encontro ao que as entidades de comunicação discutiram na época da formulação das Diretrizes Curriculares. O caso é o mesmo da LDB, debatida e construída pela sociedade civil, que terminou atropelada pela que temos hoje, a proposta governista relatada por Darcy Ribeiro.

Então, tecnicamente, não temos avaliação institucional. E mesmo a Avaliação das Condições de Oferta (ACO) não traz grandes avanços, já que seus parâmetros de comparação são praticamente os mesmos do Provão, com sua aplicação pontual e seu modelo de curso que não compreende nem respeita a diversidade dos projetos.

Mas o que se quer, então, quando se diz que um curso é "insuficiente" ou "E"?

Problemas políticos

Claramente, não se quer descobrir os problemas e incentivar melhorias. Dando "notas" para cursos e universidades temos mesmo mudanças, mas são para adaptar-nos ao que é exigido pelas mesmas "avaliações", e não para buscarmos desenvolver o potencial de cada lugar. E nem mesmo o que é "exigido" é decidido pela sociedade, mas por um grupo de pessoas que defendem a idéia como se estivessem numa disputa de projetos entre iguais, quando na verdade usam de autoritarismo para impor o que pensam. Todos são colocados num mesmo grupo, como se não existissem as características saudáveis de cada ambiente, que deveriam ser estimuladas, e as que devem ser sanadas para a efetiva melhoria da qualidade.

A cultura que estas "avaliações" incentivam entra numa lógica paternalista muito perigosa. É como se as escolas não estivessem interessadas nem fossem capazes, autônoma e responsavelmente, de elaborar seus instrumentos de avaliação, devendo haver uma intervenção externa para lhes dizer o que deve ou não ser feito. Isso tudo vai justamente de encontro à idéia de construção coletiva, de responsabilização social e autonomia universitária, princípios muito comentados mas cada vez menos respeitados no Brasil.

O que queremos

Queremos aproveitar o momento para cobrar posturas. Se entendemos que avaliação institucional é fundamental para os cursos superiores, é preciso um envolvimento real de cada estudante, professor e profissional na construção dos modelos de avaliação e na discussão ampla do assunto, o que pressupõe a discussão em todas as escolas de Comunicação. É preciso ter como premissa, desde sempre, o direito à participação e à decisão de todos, já que todos temos com que contribuir neste projeto. O boicote é uma das ações neste sentido, já que a única forma de conseguir espaço nos meios de comunicação é deformando o ranking. Enquanto a classificação de universidades e faculdades estiver alterada, reacendendo a discussão de avaliação institucional, o Provão não é "uma batalha vencida na mídia", como gostaria o ministro Paulo Renato.

Se não houver comprometimento da sociedade, principalmente de todos os estudantes, professores e profissionais, o que vamos continuar fazendo é discutir amenidades técnicas sobre estas avaliações, quando o que precisamos é pôr fim a esta lógica e lutar pela construção de uma cultura saudável de avaliação, que associe responsabilidade pública, participação e autonomia. É por isso que lutamos, e com este objetivo o movimento estudantil de Comunicação está disposto a trabalhar. Não é o caso de ficar esperando esta ou outra entidade, ainda mais quando estes trabalhos são urgentes.

(*) Estudante de Jornalismo da USP e secretária de Políticas Educacionais da Enecos. (**) Estudante de Jornalismo da Ufes e coordenador geral da Enecos.

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