Tuesday, 23 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Avaliar a capacidade de redigir e de ler

Se há algo em comum entre tantas gerações de jornalistas é a pronta disposição para falar mal de escolas de comunicação. Quem está na faculdade ou acabou de sair dela sente ainda de forma aguda as deficiências acadêmicas inerentes à maioria; quem já cumpriu a obrigação legal de conseguir um diploma se compraz com o óbvio – que cursos universitários de jornalismo não preparam profissionais para a realidade das redações. Apesar de ressentida, ligeira e automática, essa crítica tem muito de verdade. O provão poderá ajudar a evidenciá-la.

Em primeiro lugar, o teste a ser aplicado em formandos deve tentar um diagnóstico da penúria de conteúdo nas faculdades. Os jovens que se candidatam a vagas de jornalistas ou de trainees na Folha desconhecem coisas básicas sobre a profissão que escolheram. Mas não se trata da suposta vergonha por não saber o que é retranca, fotolito ou lide (antigamente era a calandra). O problema é nunca ter ouvido falar de Cláudio Abramo, Truman Capote e Benjamin Bradlee. Ou ser incapaz de relatar o papel da imprensa na história recente, como no caso das Diretas-Já e do impeachment de Fernando Collor.

Para quem duvida de que a situação é séria, mas também para injetar um pouco de humor numa história sombria, eis algumas respostas dadas por candidato ao 25o Programa de Trainees da Folha: Cláudio Abramo – político, Brasil, (anos) 90; Benjamin Bradlee – esportista, EUA, 90; Truman Capote – mafioso, EUA, 30. O detalhe é que essas respostas foram dadas por um dos 10 escolhidos entre 480 candidatos, e não por um desclassificado.

Alguém poderá argumentar que não é função da faculdade ensinar história do jornalismo, mas sua técnica (como escrever um lide, como fazer um título etc.). Ou, quem sabe, sua teoria (empulhações como fundamentos filosóficos da comunicação). Ou ainda, sua prática (torturar meninos com jornais-laboratório de qualidade raquítica e periodicidade idem). E por que não tudo de uma vez? – perguntará o adepto mais convicto da geléia geral.

Ao menos no caso do provão, essa eterna confusão programática do ensino do jornalismo estará contornada. Não parece afinal exeqüível, num teste como esse, avaliar domínio técnico do jornalismo tal como é praticado nas redações, mesmo porque os critérios e padrões variam de uma para outra. A prova deveria em primeiro lugar avaliar a capacidade de redigir bem e de maneira articulada em português, deficiência pela qual a faculdade não pode ser responsabilizada, mas da qual também não deveria descuidar.

Outra boa pedida seria averiguar se os candidatos ao diploma sabem distinguir gêneros como reportagem, crítica, comentário, crônica, editorial, ensaio, artigo. A solução de alguns dilemas éticos simples do dia-a-dia da profissão, com base apenas no bom senso, também poderia ser solicitada. Se não for pedir demais, uma questão ao menos de matemática básica, aritmética, mesmo. E história, muita história – do jornalismo, do Brasil, do mundo, da atualidade.

Se a escola de jornalismo não for capaz de incutir nos futuros profissionais a obrigação de escrever bem e de ler muito, inclusive jornais, para que servirá? É a pergunta que o provão deveria responder.

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