Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Babel, esperanto, línguas e profecias

Vera Silva (*)

Parece mesmo que vamos precisar olhar com mais atenção para a TV, não só para os telejornais, mas para toda a programação. Há alguns dias li na TVFolha que o diretor do programa Domingão do Faustão bloqueara o acesso de alguns artistas ao programa em represália por cantarem no Domingo Legal, do Gugu Liberato. Esse diretor reclamou por haver “alavancado a audiência” desses artistas e eles irem “receber Disco de Ouro no concorrente”.

Diante de um fato como este, fiquei matutando sobre os objetivos de uma TV: se ela é uma concessão pública, deve universalizar seu conteúdo; se não o faz, está usando uma concessão pública para fazer troca de favores e extrair benefício financeiro disso. Isto é corrupção ou não?!

A agência marqueteira do artista vende a sua audiência potencial à agência marqueteira da gravadora X. A gravadora X vende para a agência marqueteira da empresa Y a audiência potencial do artista em questão. A gravadora X “compra” o direito de apresentar o artista no programa. A empresa Y “compra” a audiência do programa onde o artista da gravadora X vai se apresentar. Tudo em casa.

Como esses contratos não precisam cumprir regras de licitação pública, nem é necessário esconder a troca de favores.

Todos por um

O efeito desse procedimento é que vemos e ouvimos sempre os mesmos cantores e conjuntos em todos os canais e nos mesmos momentos (graças ao videoteipe). Aqueles institutos de pesquisa não precisariam nem se preocupar em separar a audiência de um canal da do outro. Os resultados por certo vão indicar apenas que, como tudo é igual, para que gastar energia mudando de canal, deve pensar o ibopeado (ou seria ibobeado?)?

Mas o Faustão quer exclusividade. O programa dele deve se destacar dos demais, não é mesmo? Assim, ele resolveu que somente os melhores devem cantar no programa dele e estes melhores devem ir apenas ao Domingão. Afinal de contas, quem promove os discos desses artistas?

E a multiplicidade cultural onde fica, você deve estar concluindo. Não fica, inexiste, tanto quanto inexiste a democratização das informações. Fica tudo igual. Até mesmo as chamadas dos programas são iguais

Os telejornais mostram as mesmas notícias na mesma ordem. Assistir a um deles é praticamente assistir a todos. Os que têm redatores mais criativos ou críticos mostram alguma diferença. Isto é jornalismo?

Uniformização do desejo

Um jornal pressupõe compromisso com quem o lê; por que um telejornal não deveria ter compromisso com quem o assiste? Alguém poderia me explicar? Um professor tem compromisso com os alunos; por que um programador de TV não teria compromisso com os telespectadores? Se tudo é magicamente igual, por que várias emissoras, vários estados e uma federação?

Ao anular a multiplicidade cultural, um país pode se tornar uma escola de exclusão da diferença entre os seres humanos. Esse é um caminho perigoso, pois é o caminho da castração da individualidade.

Um país é formado de pessoas. E pessoas são diferentes, gostam de coisas diferentes, não pensam de forma única. Essa diversidade é que faz a riqueza da cultura humana. Mas os donos da TV, seus espectadores e a fiscalização governamental parecem desconhecer isso e perseguem a unanimidade castradora.

A busca pela igualdade para alcançar maior público está gradativamente afastando as pessoas de suas origens, de seus amigos, de seus sonhos. A uniformização do desejo humano esconde a normatização comportamental – sonho nazista antigo.

Confesso que só de pensar nisto, fico aterrorizada. O “Grande Irmão” já está instalado na TV, quanto tempo mais falta para ele se instalar dentro de nossas casas?

Como combater isto é uma pergunta que me faço a cada dia.

(*) Psicóloga