Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bandeirinhas, alienígenas e bolas entrantes

Paulo C. Barreto (*)

A luta conta a pornografia infantil na Internet, uma causa de respeito, caiu na vala comum dessas campanhas “politicamente corretas”: uma vez separados os mocinhos dos bandidos, a esperança de um “mundo melhor” – quando os bandidos forem varridos da Terra (o planeta, não o provedor) – serve de avalista para quaisquer atos dos mocinhos. Por mais picaretas que sejam.

O Jornal da Band mostrou um grupo de hackers/crackers que se diverte dando lições de moral em pedófilos. Entrando em salas de bate-papo usando apelidos estrategicamente escolhidos, os garotos levam no bico os colecionadores de fotos de menores e oferecem (assim, de mão beijada?) mais material. Os arquivos (executáveis, é claro) contêm poderosos cavalos de Tróia que abrem as porteiras do computador do usuário à invasão pelo grupo de “hackers do bem”: do outro lado da rede é possível dar uma geral nos diretórios do invadido, inclusive excluir arquivos e deixar documentos explicando que o usuário foi hackeado como castigo por ser pedófilo – além de ameaçar botar a boca no trombone e revelar aos quatro ventos os estranhos hábitos sexuais do usuário.

Quero saber que pinóia de “pauta jornalística” é essa. Qualquer um pode aparecer na televisão, às claras, e dizer que é um “hacker do bem”, pois o hackeamento em si é feito (muito) às escuras. O grupo de hackers não pode entregar os pedófilos à polícia, já que isso confirmaria que eles invadiram sistemas dos outros. Por fim, é claro que os pedófilos hackeados nada podem fazer além de engolir em seco os hackeamentos: é isso, ou se entregar ao delegado de plantão.

Tratamento jornalístico do submundo da Internet tem desses problemas mesmo: se nas páginas policiais seria estranho mostrar um matador sem cadáver, imagine o que dizer de mostrar um garoto que pode ser hacker e que diz que hackeou usuários que ele considera serem pedófilos.

Esta é apenas a ponta do iceberg do deslumbramento da imprensa convencional (ainda que eletrônica) com as modernagens informato-criminais. Mesmo quem tem orgulho de não saber o que é uma tecla Enter não pode mais ignorar sua importância: talvez nem tanto a dos bits e bytes propriamente ditos quanto a dos trilhões de dólares que os bits e bytes movimentam.

Que tal adicionar um pouco mais de critério na apuração? “Ora, é apenas uma molecagem de CDFs contra uns reles e desprezíveis pedófilos”, dirão. Colecionar fotos de crianças pode? Não pode, é claro. E formação de quadrilha (é um grupo organizado de hackers), espionagem, falsidade ideológica, chantagem e violação destruidora de informações em computadores dos outros, pode?

Já que nossos jovens e idealistas homens e mulheres de imprensa se nutriram de conhecimento nas mesmas escolas (particulares!) dos hackers, com toda a cascatologia ideológica que bem conhecemos, tanto uns quanto outros nada vêem de errado numa Revolução Cultural subterrânea, com direito a tribunais de exceção, juízes não-qualificados, condenações de estalo e execuções espetaculares a quem não fizer o jogo dos fortes. Afinal, não entraram pelo cano os pedófilos em geral, mas os que foram otários o suficiente para executar arquivos que receberam de seus colegas de chat “muy amigos”.

(*) Editor do boletim informativo O Diário da Tropa; e-mail <barreto@pobox.com>