Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

“Barra Limpa” na Barra

“INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS estão voltando na Barra” é o título da chamada de primeira página do JB (31/3/98) remetendo para uma matéria da área de negócios. Trata dos 25 novos lançamentos imobiliários naquela região do Rio, palco da tragédia do Palace-2 causada pelo deputado-engenheiro Sérgio Naya.

A intenção da notícia é restabelecer a confiança dos eventuais compradores mostrando um clima de euforia. Nem uma palavra sobre a insegurança gerada pelos procedimentos técnicos de construtoras como a Sersan de Naya. Exemplo vivo de como a segmentação do jornal acaba fragmentando e autarquizando suas matérias. Esta é uma matéria que não poderia ser publicada sem a colaboração da editoria de Cidade para esclarecer o leitor em todos os aspectos.

Não é um release, mas um mega-release.

 

A CAPA DA EDIÇÃO 1540 (1/4/98) do nosso mais importante semanário deveria ser o incêndio de Roraima. Está visível no esmero da matéria e na extensão que ocupou na edição. (Ver abaixo remissão para Incêndio e decadência)

O assunto foi derrubado na última hora, em seu lugar foi guindada a “pílula mágica” que vai acabar com a impotência masculina e resolver, para sempre, o problema da felicidade conjugal. Assunto que pipocou dois dias antes do fechamento.

A troca, evidentemente, deveu-se à opção por um assunto “vendável”. Tragédia na Amazônia, nos confins do país, e catástrofe ambiental são distantes e penosos. Leitor e leitoras vão às bancas empurrados por emoções fortes e próximas. As audiências precisam ser premiadas com a promessa da satisfação imediata.

O que chama a atenção nesta matéria é a reprodução da caixinha do remédio com a embalagem em português e o nome do laboratório. Na página seguinte a imagem da pílula novamente com o nome do laboratório, bem visível. A legenda diz o seguinte: “Simples como uma aspirina: a nova pílula promete dar adeus aos velhos métodos”.

O que desperta imediatamente duas perguntas:

* Se a pílula foi aprovada dois dias antes pela FDA (agência americana, mas cujas decisões representam aval mundial), como é que a filial brasileira do laboratório já tinha uma embalagem impressa e pronta para a comercialização?

* E aquela reprodução da pílula era verdadeira ou simulada?

Qualquer que seja a resposta, a revista fica mal – no primeiro caso porque não revelou que o laboratório brasileiro antecipou-se ao parecer da FDA. No segundo caso porque não revelou que a reprodução fotográfica era simulada.

Convém registrar que os grandes semanários americanos que fecham um dia depois do brasileiro (Time, edição latino-americana, e Newsweek) não embarcaram no furor “furístico” de Veja. A inglesa The Economist, cujas matérias na área científica são exemplares, também resolveu aguardar.

 

NA EDIÇÃO DE 25/3/98, seção de Artes, nosso mais importante semanário desanca a exposição em homenagem a Salvador Dalí, “Dalí Monumental”, inaugurada no Rio. Mas na Vejinha carioca (caderno de serviços que circula no reparte regional) a matéria sobre o mesmo assunto é positiva. O leitor deve estar literalmente dividido.

 

AQUELES DOIS MINUTOS de pseudociência, pseudojornalismo e muito circo que o nosso mais importante telejornal apresentou na noite de 30/3 sobre o triângulo amoroso simiesco que ora se desenvolve no zoológico de Brasília é um caso de estudo sobre o lixo informativo despejado em cima das audiências indefesas.

Bichinhos+lágrimas+medicina+crime é uma fórmula infalível para idiotizar uma nação. Pena que todos o saibam e ninguém se oponha.

 

“COMO QUESTIONAR Resultados de Pesquisa de Opinião Eleitoral” – este é o nome de um curso que será realizado no campus da UnB (Universidade de Brasília) de 9 a 17 de abril.

Nesta temporada eleitoral é importante que em cada redação, sobretudo na área política, haja alguém apto a examinar as chusmas de resultados “estatísticos” produzidos pelos marqueteiros.

Informações pelo e-mail: est@guarany.cpd.unb.br

 

ENQUANTO NÃO SE ESCLARECE a acusação do governo do estado do Rio de Janeiro contra o jornal O Dia, que teria forjado as fotografias de uma reportagem onde se mostra um casal cheirando cocaína na frente do filho (ver remissão abaixo), vale a pena coligir alguns fatos paralelos:

* A questão é séria e inédita, envolve um dos jornais de maior circulação do país e, no entanto, só vem sendo tratada por O Globo, principal concorrente de O Dia. A Folha, que sempre se destacou pela ênfase no noticiário sobre imprensa (até o Midiagate de fins de janeiro) publicou apenas pequena matéria em sua edição de 1/4/98. A tendência dos demais grandes jornais (JB e Estadão) tem sido a de abafar o caso para não respingar na instituição.

* Embora vocacionado para o segmento popular, O Dia é um dos mais fieis seguidores da “linha justa” da ANJ. O que lhe confere enorme credibilidade empresarial. Talvez seja esta a razão do silêncio de uma entidade cuja razão de ser é a de zelar pela credibilidade das empresas jornalísticas.

* Estranho também é o silêncio da Fenaj. A acusação de manipulação de fotografias envolve mais de um profissional (inclusive as chefias). Não faz sentido que a entidade se omita numa questão que pode macular o próprio exercício do jornalismo.

* A guerra entre o governo do Estado (na pessoa do próprio governador Marcello Alencar) e o jornal tem implicações políticas e eleitorais. O Dia tem ostensivas simpatias tanto pelo ex como pelo atual prefeito da cidade (respectivamente Cesar Maia e Luiz Paulo Conde), encarniçados adversários do governador.

* O Globo, principal jornal da região, está empenhado numa luta aberta contra O Dia. Breve lançará Extra, um jornal popular para enfrentar diretamente seu rival.

* Qualquer que seja o seu desfecho, o episódio mostra a imperiosa obrigação dos veículos exerceram uma vigilância sobre os demais. O atual compadrio corporativo atiçado pela ANJ e da qual a Universidade de Navarra é a única beneficiada, impede o necessário fogo cruzado, única opção para recuperarmos o pluralismo jornalístico.

 

LEIA TAMBEM

Incêndio e decadência, Lúcio Emílio do Espírito Santo, Caderno do Leitor

O Dia e O Globo, Entre aspas