Friday, 26 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S.PAULO

"Reta final", copyright Folha de S.Paulo, 8/9/02

"Faltam só 28 dias para a eleição. Até agora, o resultado da corrida ao Planalto permanece imprevisível. A união desses dois elementos tende a tornar fatal, na reta final, qualquer tropeço dos candidatos.

Pois, ao aplicar esse mesmo raciocínio na avaliação do desempenho da cobertura jornalística da disputa, evidencia-se como é preocupante o que se viu na Folha semana passada.

Para um jornal que promete isenção no noticiário, os últimos dias -a apenas quatro semanas do pleito- registraram momentos infelizes, e não foram poucos.

Foi uma semana em que serristas somaram motivos para comemorar, enquanto lulistas e ciristas acabaram ?maltratados?.

Veja ao lado a sequência de manchetes de Eleições entre 30 de agosto e a sexta-feira (6/9). É fácil observar, no conjunto, qual candidato mereceu melhor tratamento.

Desse compasso anti-Ciro e anti-Lula, a edição mais expressiva saiu na quinta-feira. Alguns exemplos tirados dela:

1) Apesar do empate técnico entre Ciro e Serra, só Lula e o tucano tiveram imagens na capa do caderno, com um título sutilmente irônico (?Lula estreita laços com militares?) em relação ao petista. A idéia (falsa, ao menos até as próximas pesquisas) de que já se consolida a polarização Lula-Serra, com Ciro fora do jogo, só poderia agradar à Grande Aliança;

2) O ?rastreamento eleitoral? -pesquisa por telefone- mostrava subida de quatro pontos para Lula em intenções de voto, enquanto Ciro caía dois e Serra subia um. Mesmo sendo a do petista a única oscilação efetiva, acima da margem de erro de 3 pontos, o título da reportagem dizia: ?Pesquisa já mostra Serra com 21% e Ciro com 20%?;

3) Nesse dia saiu a gafe cometida pelo tucano em Recife, ao falar, em discurso, na sua própria reeleição (?Nossa meta é ter 100% das crianças de seis anos até o final de nosso primeiro manda…?). Posso queimar a língua, mas, no ?clima? em que andaram as coisas na Folha nessa semana, não seria absurdo imaginar que um fora como esse, se cometido por Ciro ou por Lula, ganharia a capa do caderno e uma menção na do próprio jornal. No caso, a notícia recebeu duas colunas na parte inferior da pág. 3 de Eleições;

4) Na página seguinte, texto sobre evento com empresários trazia o título ?Ciro recebe passagens e adesivos em jantar?, em tom sutilmente depreciativo -ainda mais que, segundo a reportagem, também teriam ocorrido, no encontro, doações em dinheiro/cheque;

5) Até mesmo a charge ?Grafite? (página 3) entrou na onda, com Ciro aparecendo atrás de Serra numa corrida de cavalos.

Caso exemplar também aconteceu na edição de sexta-feira, quando uma ida do presidenciável petista à Embraer recebeu o seguinte título: ?Metalúrgicos protestam em visita de Lula?.

A manifestação, organizada por um sindicato da CUT com forte influência do PSTU, reuniu 15 pessoas e uma placa, e nem teria sido vista pelo candidato. Merecia um registro? Sim. Mas não sua transformação em principal acontecimento da visita.

Ao noticiar quarta-feira a reprovação das contas da Força Sindical pela Corregedoria Geral da União (caso que envolve Paulinho, vice de Ciro), o jornal nada trouxe sobre as responsabilidades, ao que tudo indica, de grande porte, do Ministério do Trabalho no mesmo caso.

Caso Zeca

O episódio inaugural do ciclo pró-Serra foi a reportagem sobre supostos laços entre o governador Zeca do PT (MS), membros de seu estafe e uma quadrilha de ladrões de veículos, publicada domingo -mesmo dia do Datafolha que apontou o empate Serra-Ciro em segundo lugar.

Não caberiam no espaço desta coluna, hoje, as diversas questões de fundo que essa reportagem suscita -em especial a que se refere à forma como apurações do Ministério Público podem se combinar com a investigação jornalística.

Destaco aqui, apenas, dois aspectos da maneira como ela foi editada, que corroboram o diagnóstico da semana.

O título (?Elo de Zeca do PT com quadrilha é investigado?), por exemplo, forçava a barra.
Ao reproduzir dados de um relatório reservado de promotores de MS, o texto da reportagem explicitava não haver uma investigação formal em curso (a apuração original terminara em fevereiro) e que o tal elo não está provado.

Outro exemplo: a julgar pela extensa e detalhada carta do governador publicada, corretamente, na terça-feira, o pequeno ?outro lado? de domingo havia sido apenas pro forma, um desmentido ligeiro e adjetivado, obtido às pressas -o teor da reportagem fora levado ao conhecimento do governo apenas na tarde de quinta, para uma edição que ?fecha? sábado.

O que se pergunta é por que o jornal, num caso tão grave, com tantos dados e nomes envolvidos, não ?segurou? um pouco mais a reportagem, a fim de oferecer a seu leitor algo mais consistente, que ao menos contemplasse devidamente a versão dos ?acusados?.

A Folha tem um capital de credibilidade acumulado a duras penas, ao longo de vários anos. Na reta final das eleições, ainda mais num quadro tão indefinido como o atual, tudo o que ela e seus leitores necessitam é que esse capital não seja abalroado.

Os exemplos aqui mencionados mostram que os riscos de isso acontecer existem, sim. Fechar os olhos para negá-los seria o pior caminho."

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"Acidente editorial", copyright Folha de S.Paulo, 8/9/02

"Dois pousos de emergência e a queda de um avião marcaram a sexta-feira 30/8. A aeronave que caiu, causando a morte de 23 pessoas perto de Rio Branco, no Acre, pertencia à companhia Rico Linhas Aéreas.

As outras duas eram da TAM e pousaram em Birigui e Campinas, em SP.

Como você pode ver na reprodução ao lado, o título principal da reportagem publicada no sábado (31) em Cotidiano, fazendo referência às mortes, mas sem mencionar o nome da empresa aérea, diz respeito ao caso ocorrido no Acre.

A imagem publicada embaixo dele, no entanto, é de um dos Fokker-100 da TAM (o que pousou em Birigui.

Aos olhos do leitor, é imediata a associação entre as mortes registradas no título e a imagem do logotipo da empresa paulista na foto.

Para uma companhia que há anos não tem dado muita sorte em matéria de incidentes, como a TAM, essa confusão visual, esse ?acidente editorial?, não faz mais do que agravar o quadro, acima do devido. Ela podia e devia ter sido evitada."