Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S.PAULO

"E nós na foto?", copyright Folha de S.Paulo, 17/11/02

"Você na certa já ouviu (ou fez) o seguinte comentário: a mídia adora falar dos problemas dos outros -e o faz às vezes com muito alarde e facilidade-, mas, quando ela própria vira notícia, a coisa costuma mudar bastante.

Dois casos, nos últimos dias, mostram que essa queixa não é desprovida de sentido.

Na segunda-feira, a Folha publicou uma reportagem com o título ?Inflação agora contamina preços do lazer?.

Com base em levantamentos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, o texto mostrava que aumentos de preço começam a aparecer de forma significativa não só em itens básicos (comida, por exemplo), mas também nos serviços ou produtos considerados supérfluos.

Um quadro mostrava o quanto subiram os preços de 48 itens nos últimos 12 meses. Encabeçando a lista estão as jóias (41,4%) e o táxi (22,7%). Em seguida, os jornais (18,6%).

Os dois textos da reportagem expunham os motivos alegados para o comportamento dos preços em certos casos: cinema (2,59%, portanto menos do que a inflação do período medida pela Fipe, de 6,05%), restaurantes (7,31%), automóveis (8,72%), jóias e lavanderias (3,62%).

Quanto aos jornais, nenhuma menção; apenas a taxa (18,6%) no quadro -isso, claro, não por falta de acesso à explicação.

Diga-se de passagem, essa nem seria das mais obscuras. No caso da Folha, por exemplo, um terço do custo do jornal cabe aos chamados custos industriais (papel, tinta, chapas, frisas etc), os quais, segundo explicou-me a diretoria da empresa, são indexados ao dólar, sofrendo impacto direto da desvalorização do real.

Completa ou não, eis ao menos uma alegação. Nem a ela, porém, os leitores tiveram acesso.

Confiança

O segundo caso ocorreu no dia 8, quando se noticiaram os resultados de uma pesquisa feita em 47 países pelos institutos Gallup e Environics sobre o grau de confiança que a população mundial deposita nas instituições.

O grupo ?Imprensa/mídia? aparece em décimo lugar, com 49% de ?muita ou alguma confiança? e 47% de ?pouca ou nenhuma confiança?. Fica atrás das Forças Armadas, ONGs, instituições religiosas, polícia, governo, entre outras.

Eis uma má notícia, sem dúvida. No entanto, a reportagem, editada num pé de página sob o título ?Políticos ficam por último em ranking de confiança? (políticos, aqui, como sinônimo de ?Parlamento/Congresso?), simplesmente ignorava esses dados.

E isso até mesmo na edição nacional da Folha, na qual o tema abriu uma página mas o desempenho específico do setor só apareceu em números, numa tabela, sem nenhum comentário.

No mesmo dia, O Estado de S.Paulo publicou os resultados da pesquisa no caso brasileiro. Aqui, imprensa e mídia aparecem em quarto lugar (58% de muita ou alguma confiança), atrás de ?grupos religiosos e Igrejas?, ONGs e Forças Armadas.

É uma performance acima da média mundial, mas nem por isso capaz de provocar satisfação.

Os leitores da edição nacional da Folha até foram informados a respeito de alguns dados sobre o Brasil (os setores líderes, acima listados, e os lanterninhas, como governo, polícia, Congresso e FMI), mas nada puderam ler sobre a ?nota? dada à mídia.

Quaisquer que sejam os motivos para essas omissões ou lacunas, o fato é que elas, obviamente, não ajudam em nada a que, em próximas pesquisas, a credibilidade da imprensa por parte da população suba pelo menos um pouquinho.

Fumaça e fogo

A Folha manteve sobriedade na cobertura dos desdobramentos do assassinato do casal Richthofen numa semana em que prevaleceram na mídia, com destaque para as TVs, a comoção e o sensacionalismo.

Sensibilidade semelhante não se manifestou, porém, no modo como foi tratado o caso Pedrinho, outro que tomou conta de boa parte da imprensa.

Enumerem-se seus ingredientes ?humanos?: um casal que teve o filho ?subtraído? na maternidade e que após 16 anos o localiza a partir de um exame de DNA; um jovem que, duas semanas depois de perder o pai (adotivo) por causa de um câncer, vê sua identidade e sua filiação brutalmente questionadas; uma mãe (agora viúva) com complicada trajetória posta, de repente, ante uma situação na qual pode perder o filho (adotivo) e/ou, talvez, ir para a prisão.

Socialmente, o caso traz à tona, ainda, questões ligadas à prática de adoção no Brasil, à segurança no sistema de saúde, à pertinência de certas leis.

Dos principais jornais, a Folha foi o único a não dar chamada na capa de sábado (9) à confirmação de que o rapaz era o filho biológico do casal Braule Pinto. No domingo, nada saiu. Só na última sexta -depois de mantido quatro dias em páginas internas sem expressivo destaque ou especial investimento jornalístico-, o caso ganhou mais espaço e chegou à Primeira Página.

Cabe refletir se a Folha, por mais que tenha dado tratamento equilibrado ao caso Richthofen, não se deixou seduzir em demasia pelo seu poderoso apelo midiático, dedicando-lhe esforço exatamente em detrimento do caso Pedrinho -também complexo, abrangente, dramático.

O jornal, no mínimo, custou a ver que, por trás da fumaça de um suposto ?final feliz?, havia, na verdade, muito fogo.

Arquive-se; reabra-se

O Supremo Tribunal Federal arquivou quarta-feira o inquérito sobre a participação do deputado federal Augusto Farias (PPB-AL) nas mortes de seu irmão, Paulo César Farias, e da namorada deste, Suzana Marcolino, em 1996.

A decisão foi adotada a partir de um parecer de Geraldo Brindeiro, procurador-geral da República, segundo o qual, conforme a conclusão primeira da polícia alagoana, PC foi assassinado por Marcolino, que, em seguida, cometeu suicídio.

O arquivamento beneficia Farias, que fracassou na tentativa de se reeleger em outubro e que, por isso, perderia o direito de ser julgado em foro privilegiado (STF), e o médico-legista Fortunato Badan Palhares, autor do laudo inicial das mortes, posteriormente acusado de falsa perícia.

Segundo a Folha, Brindeiro se baseou em ?esclarecimentos técnicos? de Palhares e em perícia que descartou ter havido no patrimônio do legista um aumento incompatível com a sua renda.

O noticiário da semana, porém, deixou no ar dúvidas relevantes.

Por que Brindeiro só emitiu seu parecer agora, justamente no intervalo entre as eleições e o fim do mandato de Farias?

Quais foram os ?esclarecimentos técnicos? de Palhares que fizeram o procurador-geral mudar de idéia e inocentaram o legista da acusação de falsa perícia?

O que concluiu, exatamente, a apuração policial sobre a evolução patrimonial do médico?

As respostas a essas interrogações -e outras que possam surgir- dizem respeito, diretamente, às implicações e consequências da afirmação da inocência de Farias e de Palhares que a decisão do STF significa.

Particularmente em relação à atuação do legista, cuja imagem foi fortemente abalada ao longo desses anos, cabe procurar, e expor, total elucidação.

O ?caso PC? é caro para a imprensa e especialmente para a Folha -cujas reportagens, em março de 1999, ao revelar erro sobre a altura de Marcolino no laudo de Palhares, levaram à retomada das investigações policiais.

Talvez próximo do fim na Justiça, ele parece agora reabrir-se -lançando novos desafios- para o jornalismo investigativo."