Friday, 29 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Bernardo Ajzenberg

FOLHA DE S.PAULO

"Depois da guerra", copyright Folha de S. Paulo, 20/4/03

"O diário britânico ?The Independent? criou e a Folha reproduziu na quinta-feira uma lista com18 perguntas e respostas sobre a ocupação do Iraque pela coalizão anglo-americana e suas consequências (veja ao lado).

Há questões de ordem especulativa (?A ONU deixou de ser relevante??, por exemplo), mas também outras que dizem respeito às limitações da cobertura jornalística (?Quantos morreram na guerra??, ?O que aconteceu aos escudos humanos??).

O que mais chama a atenção é a quantidade de interrogações que permanecem no ar, apesar de o conflito ter-se praticamente encerrado e de nunca ter existido, em confrontos anteriores, presença tão ampla da mídia -horizontal e verticalmente- no ?teatro das operações?.

É natural que a elucidação de muitos dos eventos da guerra leve um tempo. Os meios de comunicação, nesse caso, ainda têm muito trabalho pela frente.

Mas o buraco, como se diz, fica mais embaixo.

Como escreveu recentemente o ombudsman do ?Washington Post?, Michael Getler, muitas teses e estudos serão realizados para avaliar o desempenho do jornalismo no conflito, em especial o programa do Pentágono de ?encaixar? nas tropas cerca de 600 correspondentes.
Parece desde já fora de questão, porém, que a tradicional independência da mídia norte-americana foi nitidamente abalada pelo apoio (mais ou menos aberto) que prestou ao governo dos EUA, mesmo em seus mais sólidos bastiões (como o próprio ?Post? e o ?New York Times?).

E nisso o papel dos ?encaixados? (identificados, muitas vezes, com os suores das tropas conterrâneas) -ou seja, do noticiário e não apenas dos editoriais de opinião institucional- não foi, certamente, secundário.

O secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, parece ter colhido, além da vitória militar, uma outra: transformar os correspondentes de guerra em aliados. E o preço disso para o jornalismo, nos EUA e internacionalmente, ainda precisa ser apurado.

Em relação a ?engajamentos?, aliás, registro o curioso caso, relatado a mim pelo ombudsman Yavuz Baidar, do diário ?Millyet?, da Turquia, de um correspondente desse jornal que foi chamado de volta por seus chefes por ter-se enfileirado como ?escudo humano?, ao lado das forças iraquianas, ao mesmo tempo em que fazia sua cobertura supostamente isenta.

No caso da Folha, não se atingiu a exuberância jornalística de uma cobertura como a dos atentados de 11 de setembro de 2001 nos EUA, mas o balanço, sem ser excelente, é positivo.

Apesar da posição editorial contrária à política adotada pelo governo Bush -refletida, a meu ver de modo equivocado, na vinheta ?Ataque do Império?, que causou queixas de muitos leitores-, apesar da pendência anti-EUA no cômputo dos artigos sobre o assunto na seção ?Tendências/Debates? (página A3) e dentre os colunistas, o jornal manteve-se isento no conjunto do noticiário.

Pareceu-me evidente o esforço no sentido de publicar textos de ?ambos os lados? nos artigos, entrevistas e análises do caderno dedicado à guerra, assim como o de exibir as contradições entre as informações divulgadas tanto por Washington quanto por Bagdá no decorrer das batalhas.

É preciso enfatizar mais uma vez, no entanto, que o verdadeiro diferencial da Folha foi ter mantido na capital iraquiana dois enviados especiais -o repórter Sérgio Dávila e o fotógrafo Juca Varella- durante a maior parte dos acontecimentos, produzindo relatos e imagens exclusivas.

Sem esse pesado investimento -em dinheiro, ousadia editorial e coragem pessoal-, infelizmente o jornal não teria conseguido se diferenciar com nitidez, em erros e acertos, dos diários concorrentes."

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"Regras e critérios", copyright Folha de S. Paulo, 20/4/03

"Há decisões delicadas para o jornalista. Uma delas é revelar o nome de uma pessoa numa situação em que isso possa, em tese, pôr a segurança dela em risco.

Na quarta-feira, em reportagem sobre o suposto esquema de corrupção na Fazenda do Rio envolvendo auditores e fiscais (caso Silveirinha), a Folha publicou apenas as iniciais do nome da ex-mulher de um deles, cujo depoimento à Justiça, no dia anterior, foi decisivo para a decretação da prisão dos investigados.

O texto afirmava que ?a Polícia Federal pediu que o nome da ex-mulher (…) fosse mantido em sigilo por motivo de segurança?.

Na quinta, porém, o jornal deu o nome inteiro, por extenso.

Por que a diferença de atitude?

Segundo a Secretaria de Redação, o pedido de omissão no primeiro dia foi feito informalmente por um policial ao repórter. O jornal preferiu acatá-lo enquanto avaliava melhor o caso. Considerou também que a preservação da identidade não prejudicava o conteúdo da denúncia.

Depois, como o juiz do caso não fizera pedido semelhante e a própria PF também não o formalizara, e como a testemunha era pública, com nome já divulgado por outros veículos -além de estar protegida por segurança especial-, o jornal julgou não haver motivo para preservar a identidade.

O nome, aqui, não é o determinante, mas a atuação oscilante do jornal em relação a ele expõe questões de procedimento que merecem discussão.

Nesse caso, a meu ver, a Folha cometeu dois equívocos.

O primeiro foi não tratar sua própria postura com transparência. Ao leitor, foi dito, imprecisamente, que o pedido inicial era da PF -ou seja, a instituição-, e não de um policial, informalmente. Depois, na edição seguinte, o jornal não lhe prestou contas quanto à mudança adotada.

Creio que houve, também, uma omissão injustificada de informação, criada por excesso de prudência.

Como se lia num texto publicado na própria quarta, a testemunha já se encontrava havia dias sob proteção especial da PF. Ex-mulher de um acusado, os envolvidos a conhecem; nada indicava que divulgar o nome elevaria o risco. Inexistia pedido formal da polícia ou do juiz.

Tais dados estavam ?na mesa? desde o começo. Assim, a decisão de dar o nome poderia ter ocorrido na primeira reportagem.

Toda cautela é elogiável, mas não deve encobrir a existência de imprecisões ou lacunas nos critérios que guiam decisões em questões tão recorrentes como essa.

É da natureza do jornalismo o risco de adotar opções delicadas no afogadilho. Não se pode fugir dele. Por isso, quanto mais objetivas e detalhadas forem as regras a embasá-las, menos chance um jornal terá, desde o início, de cometer erros ou oscilações."

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"Números do atendimento", copyright Folha de S. Paulo, 20/4/03

"O quadro ao lado mostra um resumo do atendimento do departamento do ombudsman no primeiro trimestre.

Houve 2.007 manifestações, o que significa um crescimento de 28% em relação ao primeiro trimestre de 2002.

A posse de Luiz Inácio Lula da Silva e as primeiras semanas do novo governo federal ocuparam a maior parte das manifestações em janeiro.

Março, porém, registrou ainda mais contatos do que aquele mês, por conta dos preparativos e do conflito no Iraque.

O que chama a atenção, porém, é a quantidade de manifestações à ?Folha Online?.

Ela se deve, em parte, ao fato de que a contabilidade não separa o site em diferentes editorias. Mas sinaliza também uma tendência: seus usuários parecem se mostrar cada vez mais tão exigentes quanto os leitores do jornal impresso.

Foi recorde a participação (92,3%) do e-mail como forma de contato com o ombudsman."