Thursday, 25 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Big brothers somos nós

A ÉGÜINHA & O IBOPE

José Carlos Aragão (*)

É incrível a quantidade de e-mails que recebo semanalmente com críticas indignadas à Éguinha (sic) Pocotó e a um tal de Lacraia. Digo "um tal" porque nunca vi a tal figura que, segundo me contaram, é qualquer coisa entre Tiririca e Isabelita dos Patins, com discretos (discretos?) toques de Vera Verão e cabelo descolorido.

Acho que sou alguém medianamente informado: leio de quatro a seis jornais por dia (entre reais e virtuais), vejo TV diariamente (vários canais), recebo boletins informativos diários e semanais de veículos diversos (entre eles o Observatório da Imprensa), ouço rádio, presto atenção a outdoors, painéis, cartazes, placas de publicidade, de trânsito, freqüento teatros, cinemas, bibliotecas, museus… ? o escambau!

Apesar disso, nunca vi essa tal de Lacraia ou sua Éguinha (sic) Pocotó, sobre quem tanto falam e escrevem.

Que fenômeno será esse? Não me refiro ao "fenômeno" eqüino-musical que ocupa as TVs, as conversas e a minha caixa postal, mas ao fato de que, mesmo me considerando alguém razoavelmente informado, ainda não conheço a tão falada musiquinha ou seu (posso dizer assim?) intérprete.

Sociólogos e comunicólogos de plantão podem alegar, na certa, que sou um caso atípico, uma exceção. Ou que pertenço a uma elite intelectual que não gosta de televisão, novela, Gugu e Big Brother e que, por isso, vive à margem da realidade brasileira. Podem alegar ainda que eu faço parte de uma classe socioeconômica privilegiada e que, por isso, sou avesso a preferências e comportamentos do povão.

Nada disso é verdade. Adoro televisão (em casa, ela fica ligada o tempo todo, mesmo que eu esteja fazendo outra coisa, em outro aposento), acompanho novela e Big Brother e, aos domingos, costumo zapear entre Gugu, Faustão, algum filme ou futebol (quando ainda há, no horário). Com um salário que passa pouco de três mínimos, sou absolutamente povão, na acepção mais preconceituosa e depreciativa do termo. E, como posso ser exceção, se até concordo com a maioria das manifestações que recebo, de indignação e repúdio à performance do artrópode miriápode transformista e seu pequeno eqüídeo?

Controle remoto

O que eu não posso deixar de dizer, entretanto, é que todos esses que se mostram indignados são mais rápidos em culpar as programações de nossas TV do que em pegar o controle remoto e mudar de canal. Se eles são unânimes em apontar e condenar as baixarias da TV, também são unânimes em engrossar a audiência de ratinhos, mallandros, joões kléberes e que tais. Esses críticos da hora não se dão conta de que esse tipo de programa é mantido por eles próprios, que o que determina a sobrevivência de um programa na grade de qualquer emissora é o ibope que ele alcança. É isso que atrai patrocinadores, que aumenta o faturamento da emissora, que mantém o programa no ar ? um círculo vicioso, lógico, cruel.

Novela, por exemplo, só faz o sucesso que faz no país, há tantas décadas, porque sempre teve público. E toda novela, quando começa a perder audiência, obriga a emissora a antecipar seu fim, mudar os rumos da história, trocar o autor, matar personagens ou introduzir novos ? enfim: elas têm que rebolar pra garantir o ibope (e patrocínios).

O Big Brother, outro programa tão criticado por tantos, é mais um caso típico. Todo mundo fala mal, mas não fala de outro assunto que não seja a separação de Sabrina e Dhomini, no paredão da semana passada. E vale lembrar que, no paredão anterior, quase 20 milhões de ligações selaram os destinos dos que estavam na linha de fogo. É muita gente dando respaldo à continuidade do programa! (Ou muita gente sem ter coisa melhor pra fazer…)

A conclusão é que o Big Brother não vai acabar, porque big brothers somos nós, sempre dando uma olhadinha na choradeira piegas do Bambam, nos surtos psicóticos da Tina, na xaropada de Thyrso e Manuela, na bunda (ou peitos, ou coxas, ou o que mais ela deixar ver ou entrever) da Sabrina, na intimidade de grupos de confinados em busca do sucesso rápido e fácil. E que só nós podemos lhes proporcionar ? ou não.

(Só pra confirmar a tese, registro que a mídia especializada em mídia acaba de divulgar a informação de que a Globo já estuda a possibilidade de antecipar o BBB4 porque, com o ibope batendo nos 40 pontos, já é grande o número de interessados nas cotas de patrocínio disponíveis.)

O telespectador precisa ver, então, que não é disparando ou reproduzindo e-mails indignados para sua rede de contatos que vai mudar essa situação. É preciso que se tenha uma atitude mais enérgica e conseqüente: controle remoto também foi feito pra isso, afinal.

(*) Jornalista e dramaturgo, de Belo Horizonte