Saturday, 27 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1285

Boa e velha TV supera internet


CORRIDA TECNOLÓGICA

Antônio Brasil (*)

Cerca de 125 milhões de americanos acessam diariamente a internet, a rede criada para sobreviver a todas as guerras. Metade deles também já se utiliza prioritariamente dessa nova tecnologia para obter notícias de última hora. Mas, segundo artigo do Los Angeles Times, após os recentes ataques terroristas aos EUA muitos internautas já estão repensando a morte tão anunciada e inevitável de uma velha tecnologia, a televisão.

As imagens instantâneas geradas pelos canais de TV como CNN e seus concorrentes demonstraram de forma indiscutível sua força e agilidade como meio de comunicação de massa. Mas também foi possível notar os efeitos de uma verdadeira revolução de linguagem televisiva: a revolução do vídeo na mão dos videojornalistas ou de vídeoamadores. Alguns deles, travestidos de bombeiros ou paramédicos, produziram uma verdadeira avalanche de imagens "quase ao vivo" que insistiam em surgir de todos ângulos, a todos os instantes. Uma profusão de novas imagens acompanhadas quase sempre de nuvens de fumaça e de destroços, que ilustravam de maneira assustadora o pavor causado pela realidade cinematográfica.

Apesar do medo e da mão trêmula de quem não está necessariamente acostumado a testemunhar a história, esses "caçadores de imagens" se arriscavam perigosamente numa jornada por ângulos nunca dantes fotografados, criando uma alternativa poderosa às câmeras pesadas e estáticas das grandes emissoras. Mas o mais importante é que essas novas imagens ofereciam uma resposta à já tão criticada e decantada falta de informações por parte dos repórteres. Muitos deles insistiam em narrar aquilo que não se sabe e, pior ainda, abusavam de interjeições emocionais do gênero… Oh My God… Holy smoke (sic) [santa fumaça] etc.! Essas explosões retóricas se misturavam a comparações a filmes-catástrofe ou simplesmente ilustravam uma recusa em aceitar o que as imagens teimavam em mostrar, ou seja, os fatos.

Se é verdade que numa guerra a verdade nunca resiste, está cada vez mais claro que as imagens lutam bravamente para resgatar pelo menos alguns resquícios dessa verdade. Da realidade para a ficção, câmeras pequenas e ágeis, nas mãos de gente como a gente, transformaram a visão de uma tragédia num filme ainda mais real do que qualquer filme. Um aviso, um grito de alerta sobre os perigos de um estado de guerra que persiste e ultrapassa os videogames e o cinema-catástrofe, invadindo um jornalismo tão despreparado quanto os órgãos de segurança e inteligência que deveriam prever essa realidade.

Surpresa e despreparo

É claro que no momento de uma transmissão de TV dessas proporções é impossível fazer análises mais profundas, como declarou o jornalista inglês Chris Chramer, presidente da CNN International, em entrevista ao jornal Valor Econômico. "A eficiência da cobertura jornalística desse tipo de acontecimento se deve aos recursos tecnológicos utilizados pela CNN", disse. "Há vários anos, a empresa usa telefones via satélite e câmeras de vídeo muito leves, e o avanço da tecnologia permite resultados impressionantes." O que fica ainda mais claro para Chramer é o destaque do elemento humano nessa revolução na produção de uma nova linguagem televisiva. "O avanço da tecnologia permite resultados impressionantes, os vídeos amadores apresentados durante a programação foram feitos por pessoas que estavam perto do local do acidente e por cinegrafistas de pequenas agências de notícias."

Dessa forma, nota-se que a ênfase, tanto no jornalismo como no terrorismo, não está mais somente no acesso a grandes tecnologias mas, principalmente, na ousadia do ser humano. Essa mudança estratégica é emblemática de uma nova situação política internacional, em que os limites do terror superam não só a tecnologia de defesa como a própria imaginação do público.

Mais uma vez, investe-se tanto em técnicas e ferramentas sofisticadas e tão pouco na formação do homem de informação, seja ele jornalista ou encarregado dos órgãos de inteligência, investe-se pouco em "inteligência"! Acabamos vendo e sofrendo com tudo aquilo que não entendemos, que não nos explicam e, ainda pior, acabamos sendo vítimas de tudo daquilo que não se consegue evitar. Quem deveria explicar, reportar e acrescentar informações está tão surpreso e despreparado quanto os próprios telespectadores. Nesta confusão de falta de informação, o repórter se confunde com a audiência e fica hipnotizado pelo poder das imagens.

A grande rede falhou

Na TV ao vivo, a tecnologia tem privilegiado a imagem e a sua transmissão, mas tem sido muito cruel com a informação. As câmeras ficam menores e estão em todos os lugares. No entanto, alguns repórteres das grandes redes estão cada vez maiores! Eles cresceram tanto, são tão importantes que não podem mais se afastar das redações sem o risco de se tornarem, eles mesmos, vítimas da notícia.

É compreensível que, no calor da luta jornalística, da morte sendo transmitida ao vivo, não seja fácil acrescentar uma informação adicional à imagem. Como não se investe no trabalho de produtores de notícias que possam garimpar os fatos enquanto eles se desenrolam, também fica difícil indicar os culpados e os motivos dos fatos, por exemplo. Mas nada supera a força da especulação e das contradições que superam sempre o valor da informação.

Talvez esse crescimento desproporcional das imagens, indo agora a lugares nunca dantes navegados, nos ajudem a pensar de uma forma um pouco mais cuidadosa sobre as nossas diferenças. Não só as diferenças entre os profissionais da imagem e os profissionais da palavra no jornalismo, mas principalmente sobre as muitas diferenças que nos levam, cada vez mais, ao desespero de matar e morrer em frente às câmeras.

Enquanto isso, no paraíso prometido dos benefícios universais do ciberespaço, a mãe de todas as redes, instalada para sobreviver à hecatombe nuclear, esta, sem dúvidas, não passou no teste da realidade versus ficção. Os principais portais de comunicação e jornalismo ficaram totalmente bloqueados por um congestionamento-monstro jamais previsto. Sites milionários de jornalismo como os da CNN, do NYTimes, da MSNBC ou do Yahoo simplesmente se tornaram inacessíveis para os internautas.

A hora da realidade

Analistas reconhecem que a nova tecnologia ainda não está preparada para enfrentar o peso da responsabilidade de uma hegemonia da informação. Num cenário em que todos buscavam informações rápidas e seguras sobre aquilo que não poderia estar acontecendo, a grande rede dos megaportais entrou em colapso. Mas foi a internet nanica, aquela dos pequenos sites pessoais, dos conhecidos bloggers, que demonstrou a sua força. Sites pequenos e ágeis mantidos por gente comum que se contenta em descrever diariamente suas existências comuns entraram em ação numa verdadeira corrente de informações e, principalmente, numa corrente de solidariedade.

Assim como os pequenos cinegrafistas amadores buscavam a força das grandes imagens numa tentativa de explicar o inexplicável com palavras, eram as mensagens dos bloggers que procuravam solucionar problemas práticos e objetivos de quem precisava entender que tudo aquilo não era, pelo menos ainda, necessariamente o começo do terceira guerra mundial ou o começo do fim do mundo.

A combinação dos grandes meios com os pequenos indivíduos pode ainda ser algo utópico no nosso dia-a-dia de um jornalismo de mercado sempre em busca de grandes lucros e grandes audiências. Mas, para todos aqueles que vivenciam, estudam e pesquisam o telejornalismo, os últimos dias nos trazem grandes lições não só sobre as perspectivas ético-profissionais do nosso meio, mas sobre o verdadeiro sentido e o futuro da nossa difícil presença, ainda tão recente, neste velho planeta. Dessa forma, como numa terra de cinema e ficção, para evitarmos um dia encontrar alguns pedaços do que um dia foi uma Estátua da Liberdade numa espécie de Planeta dos Macacos, acreditando que a Odisséia de 2001 está só começando, e para evitar que tudo se torne o Apocalipse Now, talvez seja hora de investir um pouco menos nos sonhos e dar um pouco mais de atenção à nossa própria realidade.

(*) Jornalista e professor de telejornalismo da Uerj

    
    
                     
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