Friday, 19 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Boicote e conceito "E"

PROVÃO

Manifesto do Centro Acadêmico Vladimir Herzog

Os estudantes de Jornalismo da Cásper Líbero boicotaram o Exame Nacional de Cursos no dia 10 de junho, entregando suas provas em branco. O Centro Acadêmico Vladimir Herzog é a favor de uma avaliação institucional transformadora, que respeite o projeto pedagógico de cada instituição, ou seja, os objetivos a que as faculdades se propõem. Atualmente, o modelo de avaliação do MEC leva as faculdades a se adaptarem ao conteúdo das provas, o que torna seus currículos homogêneos (enquanto a LDB de 1996 garante flexibilidade de currículos).

Apesar de o MEC ter alterado o método de distribuição de conceitos (até ano passado era usada a Normal de Gauss; agora, utiliza-se o Desvio Padrão), o ranqueamento continua. Dessa forma, a comparação entre as instituições continua sendo feita pela mídia. Além disso, permanece o equívoco de que o conceito "A" é atribuído a faculdades boas ("notas 10") e de que o conceito "E" vai somente para faculdades ruins ("nota 0") ? como foi inclusive publicado em artigo na Revista do Provão, veículo oficial do MEC.

O objetivo do boicote é mostrar à sociedade que somos contra esse modelo de avaliação, mas não contra uma avaliação do ensino superior; é provocar discussões a respeito das avaliações realizadas hoje pelo ministério, na instituições e na mídia; não queremos uma avaliação que seja usada para discriminar e fechar faculdades, mas, sim, para melhorá-las. Queremos uma avaliação que leve em conta todo o processo de ensino-aprendizagem pelo qual passamos durante quatro anos de curso.

O Centro Acadêmico da Cásper Líbero concorda com a posição da Enecos (Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social) diante do Provão.

Histórico

O exame foi aplicado pela primeira vez em 1998, no caso de Jornalismo. Nesse ano, quando apenas uma parte dos alunos boicotou o Provão, a faculdade recebeu uma nota "D" que não teve grande expressão. No ano seguinte, após debate entre os alunos, o Centro Acadêmico, a faculdade e a Enecos, que prega o boicote à prova com a campanha Colei no Provão, os alunos da Cásper decidiram protestar, porém realizar a prova, para que no ano seguinte o boicote pudesse ser realizado sem medo de escutar que o motivo era simplesmente porque a Cásper não conseguia uma boa nota na prova. Fez-se a avaliação também para provar o quão defasada ela é. E houve manifestação (os alunos colaram na prova o adesivo da Enecos e um dos alunos do quarto ano fantasiou-se de múmia). A nota Cásper em 99 foi "A", e a faculdade foi tida como exemplar, segundo os critérios do Provão ? e a faculdade ganhou naquele ano mais uma ferramenta de marketing.

Mesmo com todas as deficiências que existem, a nota da Cásper foi "A". Entretanto, todos os jornais-laboratório da Cásper, todas as horas no laboratório fotográfico, os professores que trabalham em grandes veículos de comunicação do país, todo o trabalho de rua e muito mais não valeu nada para o Provão. A lógica do provão até favorece as famosas faculdades caça-níqueis cujo ensino é completamente teórico, afinal elas podem economizar em material fotográfico e limitar-se a ensinar como mexer numa máquina e como revelar um filme na sala de aula.

Como afirmou o próprio ministro da Educação, em relação à diferença das notas entre o Provão e a Avaliação das Condições de Oferta, "o mérito das notas altas no Provão é dos alunos". Conclui-se que o Provão não é então uma avaliação "institucional", pois não avalia a instituição, mas os alunos.

Em 2000, novamente após debate e discussão, 89% dos estudantes boicotaram, e a faculdade tirou "E". Em 2001, mais uma vez houve boicote, e a Cásper Líbero recebeu o conceito "E". O objetivo é que, no próximo ano, novamente, ocorra o boicote e fique ainda mais óbvia a ineficiência dessa avaliação.

Razões

É inegável a necessidade de se avaliar a qualidade da formação oferecida pelos cursos universitários. Uma avaliação que contemple ensino, pesquisa e extensão. Que garanta a produção de conhecimento, a formação profissional e humana de cada aluno que sai de um curso de terceiro grau. É necessário ter faculdades que ensinem os alunos a pensar, e não a servirem de peças de reposição nas grandes fábricas de jornal.

É preciso avaliar SIM as universidades. O Provão, entretanto, vai na contramão deste processo. Essa prova avalia apenas o resultado do processo, e não o processo em si. Não observa currículo, laboratórios, professores, bibliotecas etc.

Há dúvidas não só sobre a legitimidade da forma da prova ou dos conteúdos abordados. Há também dúvidas sobre a seriedade do seu processo de correção. Há vários casos comprovados de alunos que escreveram manifestos na prova e tiraram 3,5. Talvez o manifesto estivesse com um lead muito bom.

Quando vemos um conceito "A" no Provão logo imaginamos que seja equivalente a uma nota 9 ou 10 ? equívoco que a mídia não se preocupa em esclarecer. Essa avaliação é propagandeada como "ação efetiva" do governo pela qualidade de ensino. Não revela, porém, que 70% das verbas para faculdades federais foram cortadas. Com o dinheiro gasto no Provão em propaganda, o MEC poderia mandar técnicos avaliarem cada universidade pessoalmente e detalhadamente (como faz quando a faculdade tira três notas baixas consecutivas). Por que não faz isso direto então? Só após um processo caro e complicado é que o MEC fará o que deveria ser feito desde o começo. Ainda mais quando a avaliação dos técnicos contradiz a do Provão ? vide o caso do curso de Direito do Mackenzie. Tirando três notas "E" seguidas, pelo menos pode-se ter o direito de receber os conselhos do MEC para a melhoria do nosso curso.

Conseqüências

A conseqüência imediata da aplicação do Provão foi a criação dos cursinhos pré-provão. Ou seja, agora tem-se um vestibular para entrar e outro para sair do ensino superior. Então o seu curso, que é bom, fica abaixo de qualquer curso onde os alunos fizeram cursinho para ir bem no Provão. Ou pior: ganham carros Corsa zero quilômetro ou Scooters.

Declarações de estudantes

"Na véspera do Provão, aparecem na mídia muitas declarações de pessoas do MEC chamando os alunos de covardes, por entregarem a prova em branco. Covarde é ameaçar fechar uma faculdade depois de autorizar a abertura de um monte de faculdades picaretas. Temos que consertar essas faculdades, e não puni-las." Oona Castro ? diretora do Centro Acadêmico.

"Como uma avaliação autoritária funciona? Ela obriga o estudante a ir ao local da prova, mas não os faz conscientes da importância de uma avaliação. Ela deve ser feita envolvendo todos os alunos, professores e diretores. É como o voto obrigatório: todos vão votar em um domingo e nunca mais participam de nada." André Deak ? estudante do quarto ano de Jornalismo.