Thursday, 28 de March de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1281

Briga de foice no reino Maiorana

O LIBERAL

Lúcio Flávio Pinto (*)

Os Maiorana, herdeiros do maior império de comunicações do norte do país, fizeram em sua sede uma recepção para comemorar os 40 anos da Mendes Publicidade, a mais antiga agência de propaganda da região, no final de novembro passado. Na página inteira de O Liberal [de Belém, PA] que documentou o acontecimento, em duas fotografias apareciam os irmãos. Em nenhuma delas, porém, os dois principais executivos da empresa, o vice-presidente Romulo Maiorana Júnior e a diretora administrativa Rosângela Maiorana Kzan, apareceram juntos.

Há muito tempo eles sustentam uma luta interna cada vez mais polarizada, que os impede até mesmo de posar para uma inocente fotografia, mesmo quando (o que é raro) estão presentes no mesmo ambiente. A festa para a Mendes não foi uma exceção. Cada um apareceu ao lado dos demais irmãos. Mas não aceitou aparecer na mesma foto junto do adversário familiar.

Por ser o mais velho dos varões, ter tino comercial, haver sido preparado pelo pai para sucedê-lo e ainda levar-lhe o nome, Rominho assumiu o comando do grupo de comunicação quando o fundador da empresa morreu. Com as bênçãos da mãe, Déa, manteve essa liderança sem questionamentos por muitos anos. Mas esse não é mais o caso. Rosângela decidiu confrontar o irmão, principalmente depois que várias divergências na condução das empresas e em decisões importantes levaram-nos a ocupar campos antagônicos.

Uma das mais recentes manifestações do conflito deu-se durante as assembléias gerais ordinária e extraordinária, datadas do final do ano passado, convocadas para a aprovação das contas da Delta Publicidade referentes a 1999. Rosângela e sua aliada, Ângela Maiorana Lanhoso Martins, foram as únicas que não compareceram. Fizeram-se representar por seus advogados. A ata da reunião, só publicada cinco meses depois (ou com data atrasada), reflete a tensão do ambiente e os conflitos entre o grupo de Rominho (apoiado na ocasião por Ronaldo, Rosemary, Roberta e Rosana) e o de Loloca, como Rosângela é conhecida na intimidade.

No curso da sessão, seus representantes apontaram a demora na convocação para a aprovação das contas quase um ano depois de findo o exercício de 1999, mas foram contraditadas com a explicação de que "a demora representou o consenso de todos os acionistas". Ela também questionou sobre o valor da remuneração de cada diretor da empresa e quanto foi distribuído durante o ano, sendo-lhe informado que "todas as remunerações e retiradas a qualquer título, por parte dos acionistas, constam em conta corrente, devidamente contabilizada na empresa". A presidente ganha 6 mil reais por mês e o vice-presidente, R$ 5,4 mil. Sobre as retiradas, não houve registro.

Os representantes de Rosângela e Ângela também cobraram informações sobre a finalidade da reavaliação dos ativos da empresa, querendo saber ainda se todos os ativos reavaliados "são de propriedade exclusiva da Companhia" e quais foram os critérios utilizados nessa reavaliação. Pediram também cópia do laudo de reavaliação "que está sendo aprovado nesta Assembléia".

As informações foram prestadas, com a observação de que elas constavam dos documentos colocados à disposição de todos os acionistas, "e também foram entregues diretamente às acionistas Rosângela e Ângela, conforme solicitação escrita destas". Ainda assim, as duas irmãs deixaram consignado na ata "que não necessariamente concorda [sic] com os esclarecimentos prestados".

Maus negócios

A situação de Delta Publicidade, a principal empresa do Sistema Romulo Maiorana de Comunicação, responsável pela publicação do jornal O Liberal, é crítica. Em 1999 ela registrou um prejuízo de R$ 2 milhões. Em 2000, o vermelho pulou para R$ 11,7 milhões. O passivo junto a instituições financeiras, o item mais problemático das contas de curto prazo, quase dobrou no período: era de R$ 6,3 milhões e foi parar em R$ 11 milhões, em 2000. O custo financeiro mais do que dobrou, passando de R$ 1 milhão para R$ 2,7 milhões, enquanto a receita líquida caiu de R$ 30,9 milhões para R$ 21,8 milhões.

Pior é a condição do exigível de longo prazo. O valor do parcelamento dos impostos federais continua se avolumando: foi de R$ 7,6 milhões em 1999 e alcançou R$ 10,2 milhões em 2000. Já os "débitos de pessoas ligadas", rubrica algo esdrúxula, disparou: de R$ 24 milhões para R$ 34 milhões. Em conseqüência dessas evoluções negativas, o patrimônio líquido emagreceu no período: era de R$ 18,2 milhões e parou em R$ 6,5 milhões, graças justamente às reservas de reavaliação, sobre as quais Rosângela e Ângela parecem ter restrições, mas sob uma sombra de difícil discernimento no elíptico balanço, "outras contas", inexistentes em 1999 e somando poderosos R$ 12 milhões em 2000.

Só com esses números dá para projetar perspectivas nada favoráveis para o maior grupo de comunicação do norte do país. O panorama torna-se ainda mais complicado com os resultados ruins de negócios novos, como a TV por assinatura e o provedor de internet, mal concebidos e mal geridos.

Provavelmente em função dessa conjuntura, Rosângela Maiorana decidiu sair do anonimato em que vinha se mantendo e assumir iniciativas de repercussão social, além de começar a aparecer com freqüência nos veículos da empresa, enquanto a presença do irmão mais famoso (e ainda se recusando a voltar ao expediente de O Liberal) se torna mais intensa em outros setores, mais informais, ou nada formais.

Os sismógrafos mais sensíveis de Belém devem estar registrando os seguidos abalos internos na luxuosa sede do jornal, fincada atrás do Bosque Rodrigues Alves.

(*) Jornalista, editor do Jornal Pessoal, de Belém (PA)