Wednesday, 24 de April de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1284

Bush quer dourar a pílula

COBERTURA DE GUERRA

Chico Bruno (*)

Com receio de perder a guerra da informação, o governo dos Estados Unidos solicitou às redes de televisão, às revistas e aos jornais daquele país que façam uma triagem no noticiário da guerra contra o Afeganistão. O que o presidente Bush está sugerindo é que a imprensa americana exerça a autocensura, em vez de impor a censura, o que arranharia sua boa imagem, construída às custas dos atentados do dia 11 de setembro e à repetição maciça das dramáticas imagens dos aviões atingindo as torres gêmeas do World Trade Center.

Ao cabo da guerra contra o Vietnã, o governo dos Estados Unidos culpou a imprensa pela pressão que a opinião pública exerceu pelo fim da guerra. Nas guerras posteriores, as autoridades militares daquele país praticamente impediram que jornalistas tivessem acesso ao palco das operações. Foi uma lição que eles aprenderam com a Dama de Ferro inglesa durante a Guerra das Malvinas, e que colocaram em prática na invasão de Granada e na Guerra do Golfo. Naqueles tempos não existia a al-Jazira, e a imprensa divulgava tão somente as informações fornecidas pelo Pentágono, ao contrário dos tempos do Vietnã.

Hoje, com a al-Jazira, uma espécie de CNN do mundo árabe, as coisas se tornam mais complicadas para a Casa Branca, que usa a informação como arma para convencer a opinião pública do país de que os ataques são cirúrgicos e que os alvos a serem atingidos são apenas militares. Daí o apelo de Bush, principalmente, para as redes de televisão NBC, CBS, ABC e CNN. A desculpa utilizada, de que as transmissões da al-Jazira podem conter códigos secretos para novos atos terroristas, é pífia e soa a desculpa esfarrapada, pois cabe aos eficientes, se é que ainda o são, serviços de inteligência dos Estados Unidos decifrar tais códigos que porventura venham a existir no noticiário da emissora de televisão árabe e conter atos terroristas.

Benefício da globalização

O que o governo do presidente George W. Bush não quer é ser pego de calça curta com as transmissões ao vivo da al-Jazira mostrando que os ataques atingem, também, instalações civis afegãs, o que por certo trará descrédito à informação oficial da Casa Branca sobre ataques cirúrgicos e alvos militares. Principalmente porque os ataques já duram mais de uma semana, e os resultados estão aquém da expectativa criada, não tendo causado, até o momento, nenhum problema para o alvo principal, que é Osama Bin Laden.

A solicitação de Bush tem mais a ver com um possível fiasco da operação do que a esfarrapada desculpa. Felizmente, com a evolução tecnológica, os americanos não estarão privados do noticiário da al-Jazira: apenas as redes de televisão concordaram com a proposta de Bush. Os espectadores poderão assistir às matérias do canal árabe com edição original a partir dos noticiários de emissoras portuguesas, italianas, francesas e espanholas que mantêm centenas de correspondentes no palco das operações dessa guerra, com imagens transmitidas via satélite para o mundo inteiro, inclusive a América.

É cristalino que a solicitação da Casa Branca foi desnecessária. Não pode ser colocada em prática devido a globalização da informação nos dias de hoje. Um benefício imposto pela globalização que, sem sobra de dúvida, é exercitado em todas as democracias do mundo e não pode ser desconhecido por aqueles que pregam que os Estados Unidos são a maior democracia do mundo. No mais, o que o Bush quer é dourar a pílula.

(*) Jornalista

    
    
                     

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